And when you gaze long into an abyss, the abyss also gazes into you.
O tempo, nessa forma especifica calendarizada e contada através de minutos/horas, é uma entidade abstrata e subjetiva. Existe pela ação e perceção do Homem, que prescreve esta noção logo à nascença. O tempo não se devia medir por relógios, mas sim pelas marcas que nos deixa na pele.
Terça-feira, 26 de maio (como se interessasse calendarizar o
incalendarizável), abriu-se uma nova dimensão instrumentalizada por Dylan Carson, Adrienne Davies e Bill Herzog, que somados dão origem aos Earth. Estes criaram um abismo na conceção de tempo com as suas sonoridades lentas e arrastadas, com uma presença muito marcada de traços drone: um minuto deixou de ser apenas um agregado de meros 60 segundos. Não só uma rotura com o tempo teve lugar, mas também uma rotura inter-individual, cada individuo tornou-se num sistema independente do exterior, que vive apenas para dentro, adensando-se na sua bruma interior a cada riff de Dylan Carson.
A setlist abordou acima de tudo, e como já era de esperar, o mais recente longa-duração Primitive and Deadly: "There's a Serpente Coming", "Even Hell Has It's Heroes", "Thorn By The Fox Of The Crescent Moon" e "From The Zodiacal Light". Nunca é demais sublinhar que este foi um dos álbuns mais interessantes do ano de 2014. No entanto, os Earth prendaram o público presente com "High Comand", tema de um dos álbuns mais importantes da au discografia, Pentastar: In The Style of Demons. A setlist incluiu também "The Bees Made Honey In The Lion Skull", "Old Black" e "Ouroborus Is Broken".
Apesar de "High Comand" ter sido o tema mais aplaudido e apreciado, não é possível apontar um ponto alto, já que todos os hipotéticos pontos temporais existentes foram de elevada constância em termos de qualidade e de entrega, quer do público, quer da banda. No entanto, há que dar um merecido destaque a Adrienne Davies: as linhas de bateria precisas, minimalistas e slowtempo, serviram como o único verdadeiro compasso temporal a cronometrar a sala dois do Hard Club. Esta nova dimensão que os Earth criaram em cada individuo, que ultrapassou axiomas e dogmas, fez deste um concerto memorável, quiçá um dos melhores deste ano de 2015.