
Terminada a primeiríssima edição do Vagos Metal Fest podemos afirmar que foi um festival mais que bem conseguido tendo em consideração o pouquíssimo tempo disponível para a organização do mesmo. Organização e tipo de bandas diferentes, no entanto, mesmo recinto e mesmo tipo de público, com a única particularidade ser que os afters agora já não acontecem no campo de futebol mas sim dentro do campismo, havendo agora uma maior liberdade de transição entre tenda e música, que nas passadas edições não acontecia. Há também mais espaço dedicado à restauração que para além de estar presente dentro do recinto oficial ganha agora novo peso dentro do campismo, circundando o pequeno parque de merendas logo à saída do festival, com direito a várias ofertas vegetarianas a preço acessível. Os chuveiros e nível de segurança permanecem tal como a banca de hidromel, cada vez mais imprescindível em festivais do género.
Anunciadas as alterações físicas passemos às bandas que por lá passaram: ainda com muitos a chegarem ao campismo provindos dos mais ínfimos recantos do país (e até mesmo de Espanha) e outros tantos a trocar os bilhetes pelas pulseiras respetivas, os Correira sobem ao palco para apresentarem o seu rock abrasivo, lambendo os cascos ao stoner, para uma plateia ainda algo dispersa. A banda criada pelos irmãos Apolinário e Mike Correia, sempre com grande desenvoltura em palco, mostrou a Vagos o trabalho proveniente do seu primeiro registo discográfico, Act One, um disco bem recebido, na nossa opinião, animando os corajosos que enfrentaram o sol abrasador das cinco da tarde. Face ao pouco tempo disponível, pouco mais de 25 minutos após iniciarem o seu espetáculo, encerram o mesmo com “Deceivers Of The Sun”, dedicada aos bombeiros que tinham acabado de sair da esquadra após ser escutado o alarme, arrancando alguns headbangs à plateia.
Num plano musical bastante afastado daquele anteriormente experienciado, surgem-nos os Betraying The Martyrs, conjunto francês que trouxe a Vagos a variante mais mal-afamada da comunidade metaleira: o metalcore, aqui com recorrentes incursões ao djent. A verdade é que nos soube particularmente bem sermos constantemente atirados contra as paredes de breakdowns que o quinteto ia produzindo. Pelo meio do mosh avistamos rapazes de caps, exibindo as suas tshirts oversized de alças e fazendo alguma slam dance, embatendo contra os comuns metaleiros que insistiam num circle pit claramente desenquadrado, que isto aqui é música para nos fazer dar cabeçadas no chão e dançar de modo esquizofrénico. Deixemos as voltinhas para mais tarde já que o mais puro thrash chegaria nem 40 minutos depois. Contra tudo e contra todos, e ainda sem uma grande plateia, o conjunto revelou-se bastante animado e esforçado em fazer com que este seu concerto fosse diferente dos demais. Se para isso não bastasse toda a energia em palco proporcionada por Victor Guillet (nunca vimos ninguém a passear pelo palco enquanto faz arpeggios no teclado e headbang ao mesmo tempo de uma forma tão segura), o cover de “Let It Go” (icónico tema de “Frozen”, filme da Disney) deixa-nos de rastos face ao seu desenquadramento, carimbando este concerto para sempre no nosso subconsciente. Cantámos, cantámos bem e não fomos os únicos, que não há cá macho viril que resista a um bom karaoke relacionado com os musicais da Disney, principalmente quando se trata de princesas. Ainda não sabemos se foi um sonho ou um pesadelo mas gostámos da experiência (e da wall of death também).
Seguem-se os Vektor, uma das bandas mais apetecidas do dia. Prova disso foi a quantidade de público presente no recinto, apenas superado aquando os Dark Funeral, e a quantidade de poeria no ar, esta não superada por mais nenhuma banda no festival. Sem falar muito (que o tempo era escasso), os americanos cumprem com o pedido: rapidez e muito mosh e crowdsurf. A cada nota distorcida era um corpo esvoaçante que chegava às mãos dos seguranças que se viram aqui na obrigação de trabalhar. O thrash incendiou Vagos (como sempre, é bom que se refira) e chegou desta vez em modo q.b. Centrados, naturalmente, no seu mais recente álbum, Terminal Redux, do qual extraíram os primeiros cinco temas do concerto, foi com “Hunger For Violence”, do seu primeiro disco, que fecharam a sessão de porrada a que nos vimos submetidos. Soube a pouco mas foi o que houve.
Seguindo com o thrash, agora numa vertente mais groovy e totalmente portuguesa, os RAMP mostram que estão vivos ao apresentar um concerto em tudo surpreendente. Assumimos, nunca os antes tínhamos visto mas já os conhecíamos há muito ou não tivessem já mais de 25 anos de carreira. Os portugueses foram colocados num horário ingrato (hora de jantar não é boa para ninguém) porém só quem ficou sabe o que os outros perderam. “Insane” abre de rompante transportando-nos de imediato para o início do século. É inevitável e quase impossível não ligarmos as músicas dos RAMP a tempos passados, não só pelo ano em que elas foram lançadas como também pela sua sonoridade. Nude soa a início dos 00s, não que isso seja mau, muito pelo contrário, só a boa música resiste à erosão do tempo e os RAMP conseguem, mesmo dando poucos concertos e sem lançar nada há cerca de 7 anos, permanecer na cabeça de todos os sujeitos que se digam apreciadores de metal nacional. Rui Duarte assume-se um frontman carismático, conversando e lançando frequentes reptos ao público, instiga um pequeno despique entre o novo e o velho VOA e faz um agradecimento especial ao programa da Super FM “Demon's Cleaners”, antes de “Blind Enchantment”, onde também refere que tal como o nome do programa indica, todos estávamos ali para exorcisar os nossos demónios. Concordamos. “Esta é a última porque a seguir há missa e depois vai haver o enterro (negro)” dá o mote para “Hallelujah”, acompanhada vigorosamente pelo público, terminando de vez com a atuação, não antes de Tó Pica descer do palco para vir para mais perto dos seus fãs e de Rui anunciar que haverá álbum novo se assim o quisermos. Cá o esperamos, então.
Se até agora vínhamos tolerando a fraca qualidade/definição sonora dos concertos, não o podemos fazer de todo após o concerto dos Fleshgod Apocalypse ter sido arruinado pelos problemas técnicos. Os teclados não se escutavam, a voz ora se sobrepunha ora se abafava perante os restantes instrumentos, o blastbeat não se sentia, Veronica Bordacchini com o som do microfone demasiado alto, enfim... para tornar as coisas piores só uma presença demasiado forte de King no alinhamento do concerto, disco claramente mais fraco que os seus antecessores. A teatralidade dos italianos revela-se componente possante ao vivo, não só na indumentária como nos dizeres de Tommaso Riccardi que, de copo de vinho tinto na mão, articula um “saúde Portugal!“ pouco depois de entrar em palco e profere uma frase que nos deixa logo preparados para o negrume que aí viría: “Só a morte é perfeita, a vida é uma imperfeição”. Posto isto estamos prontos para ser dizimados por mais uma sessão de blast beats. Gostámos de escutar as sempre incríveis “Pathfinder”, “Epilogue” e “The Forsaking”, esta última a fechar um concerto que tinha tudo para nos abater emocionalmente e que só não aconteceu devido aos problemas anteriormente referidos. Pelo menos agora sabemos como soaria um concerto de Death Metal nas grutas de Mira de Aire.
Os problemas permaneceram durante os Dark Funeral, porém em menor escala (a sonoridade da banda também não exigia uma “ginástica” tão grande como a dos italianos), o kick da bateria encontrou-se sempre demasiado alto durante o concerto mas nem isso impediu o espetáculo triunfal dos suecos, oferecendo-nos não só peso sonoro como também peso estético. A passividade de Lord Ahriman e restantes membros da banda face a tamanha violência musical é inquientante. Sensivelmente a meio do concerto, Ahriman decide intervir agradecendo à fantástica organização do festival que tornou este concerto possível ao comprar-lhes novas guitarras, pois a companhia aérea em que viajavam perdeu as suas, terminando o discurso dizendo à Brussels Airlines para se foder, frase que o público gritou em seguida. Tremolo iniciado e “Hail Murder” garante mais uma dose de destruição. Tocando quase tudo de seguida e sem grandes conversetas, os Dark Funeral amarraram o público português à cruz e foram espetanto os pregos um a um, percorrendo toda a sua discografia e dando o golpe de mesericórdia com “My Funeral”. A violação post-mortem acontece com o seu mais recente single “Where Shadows Forever Rain”, proveniente do álbum com o mesmo nome, e termina de vez um concerto bastante competente. É verdade que o black metal não é música que apregoa tolerância mas após tamanho espectáculo, estamos de alma mais leve e até perdoamos o frequente mosh e circle pit que por ali se fez.
Coube aos Bizarra Locomotiva a árdua tarefa de encerrar o primeiro dia de festival. Bandas portuguesas em prime time é coisa que não se vê todos os dias e o quarteto soube aproveitar a deixa para proporcionar um dos melhores concertos do festival, se não mesmo o melhor. Rui Sidónio e companhia não se mostraram assustados pelas muitas pessoas que permaneceram no recinto única e exclusivamente para serem esmagados pela pesada maquinaria industrial que esta locomotiva traz sempre consigo. E agora, contrariamente ao que ocorrera há cerca da três anos atrás, com o tempo necessário para impressionar e abater por completo o público vaguense. Sidónio não hesita em descer do palco e vir ter com os seus fãs, percorrendo quase toda a parte fronteiriça do recinto de microfone na mão. Em “Foges-me Em Chamas”, tema mais calmo do alinhamento, extraído do seu mais recente Mortuário, chega mesmo a deitar-se nas grades, efetuando uma autêntica sessão de equilibrismo. O peso de Mortuário foi notório como era esperado, porém houve espaço para temas de praticamente todos os seus registos de estúdio com a surpresa da noite a cair sobre a interpretação de “Fear Now”, tema cantado em inglês do seu já bastante antigo disco First Crime, Then Live que não esperávamos de todo escutar. Ergástulo marca mais um regresso do vocalista para meio da plateia entregando a tarefa vocal a uma ilustre desconhecida no público que a cumpriu de forma exímia. Observamos Alpha super irritado com os problemas de som provenientes do seu teclado, supomos, atirando-o várias vezes ao chão e quebrando-o por completo após “Escaravelho”, última música do concerto. Microfone, mais uma vez, livre e Sidónio lança-se àquele que seria o último mosh pit da noite, alimentado essencialmente pela cadência compassada da bateria de Miguel Fonseca, martelada que nos acompanhou até à tenda aquando do penoso regresso ao campismo. Uns partem guitarras, outros teclados, e distribuem os seus restos mortais pelo público que os recebe com agrado. Sem súvida um concerto a ser recordado para a posteridade.