Entre os risos, as histórias de sobrevivência à pandemia no panorama da indústria musical, e os desabafos que se haviam contido até agora, muito havia para ser dito na nossa conversa com Clothilde, Process Of Guilt e o Gajo a propósito da oitava edição do Amplifest que se aproxima. Abaixo segue a segunda parte da nossa conversa com os três nomes nacionais a constar no alinhamento do primeiro fim-de-semana do festival. Clica aqui para a primeira parte da conversa.
Já lá vão praticamente 3 anos desde a última edição do Amplifest, mas aquilo que torna a experiência tão especial – os artistas, o ambiente de proximidade destes com o público e o cartaz sempre afinado para uma estética sem barreiras – continua a ser uma constante. Qual foi a vossa reação ao receberem o convite para fazerem parte do line-up que volta a reanimar o festival e, já agora, que faceta do festival é que mais apreciam pessoalmente?
Clothilde (Sofia): Eu sei que o Amplifest é um festival direcionado e focado no heavy metal - esse é o grande core da coisa. Eu adoro música e para mim foi mesmo super inesperado ter oportunidade de tocar num festival que se vê que é trabalhado com todo o cuidado nos artistas que escolhem. Tem uma dimensão importante para aquilo que se faz por cá. Eu fiquei com um sorriso automático com o convite. Primeiro foi tipo "eu?! Mas eles não se enganaram?". Fiquei felicíssima por poder fazer parte. Quando tocas num festival de música exploratória, eletrónica, experimental, é lindo, claro que é. Mas eu acho que isto é um desafio muito maior. Acho que o público que é um core heavy metal, não há melhor público [risos]. Eu acho que é mesmo dos convites que me deixa mais feliz. Tem a ver com o facto que o core do festival está onde o meu trabalho se encaixaria à partida. Acho mesmo que é lindo, estou felicíssima!
Process Of Guilt (Hugo): Acho que tenho de responder a isto do ponto de vista da banda e da nossa experiência de já lá termos tocado, e a experiência é boa. Eu não sei se a primeira edição estava esgotada de todo e a segunda edição quase que esgotou. Acho que foi assim. A experiência que recordamos é que ficamos contentíssimos nessas primeiras edições, principalmente porque na altura foi quando os Godflesh tinham voltado ao ativo. Já tinham tocado no Roadburn, e era a primeira vez que vinham a Portugal, e para mim, só o facto de poder ver Godflesh deixou-me bastante satisfeito. Acho que se consegue perceber com facilidade que somos todos – eu em particular – grandes apreciadores do que o Justin Broderick faz. Mas não foi só Godflesh. No segundo ano lembro-me de tocarmos com outras bandas. Lembro-me que no primeiro ano também havia Dirge. Esse primeiro Amplifest a que fomos foi especial porque tínhamos começado a trabalhar com o André há pouco tempo. Foi lá que também conhecemos outra banda, os Rorcal, que são uma banda de suíços onde havia alguns portugueses também e passaram a fazer parte da nossa história a partir do momento em que tivemos esse entrosamento. A ideia do split nasceu aí, ainda antes de irmos fazer algumas datas com eles na Suíça. E isso foi importante de certa forma para a nossa história, porque haviam membros dos Rorcal que pertenciam à Division [Records], que era a editora que lançou o Faemin e o Black Earth na Europa.
Por outro lado, é óbvio que quando o André nos diz que quer que nós participemos no próximo Amplifest, nem discuti nada disso. Só tens de dizer o dia e estamos lá [risos]. Do ponto de vista da banda, estamos felicíssimos. Sabemos, porque conhecemos o espaço e estamos na expetativa de ter uma boa sala, que vamos ter boas condições para fazer aquilo que fazemos melhor. Por outro lado, também tenho que falar da experiência que são os momentos altos do Amplifest e das edições a que assisti. Voltei lá mais vezes após essas duas edições para ver concertos que, apesar de já ter visto muitas vezes as bandas que vou nomear, acabaram por ser dos melhores que já vi dessas mesmas bandas. É um festival eclético, apesar de ter uma estética muito própria. O melhor concerto que vi de Swans foi lá. Só vi Chelsea Wolfe uma vez, mas achei o concerto extraordinário! Uma pureza de som como poucas vezes tinha encontrado. Já vi muita coisa de artistas menos inusitados, inusitados no sentido de ser só guitarra acústica, ou também só de sequenciador, com muita experimentação. Há uma certa plasticidade no festival que é muito apelativa. Recordo bons momentos e bons concertos com Neurosis, com Converge... principalmente o de Swans, que me marcou muito na altura, ou Kowloon Walled City que adorei porque gostava muito do disco em particular.
Também vimos Minsk que é uma banda que também conhecemos há muito tempo. Já assisti a palestras muito interessantes com músicos. Na altura lembro-me de uma em que estava um amigo meu, que era o Bruno Fernandes, que também é o manager de Moonspell. Lembro-me de ver algumas exposições por lá. De facto é uma experiência em que, durante todo o tempo que estamos lá, não há muito tempo morto, e o ritmo e escala do festival atraem-me bastante porque já não tenho aquela paciência para a megalomania das 30.000 pessoas quando vou ver um festival. A escala parece-me bastante apelativa para estar a desfrutar da música, para podermos estar a ver um concerto em condições sem estar sempre a levar um empurrão ou sem aquele mar de telemóveis no horizonte. Dito isto, obviamente ficamos contentes e pessoalmente estou satisfeito por voltar lá e aproveitar o dia para ver se vejo mais alguma coisa. É muito diferente do que há por cá. É também muito diferente de muitos festivais de metal aonde vamos, que acabam por ser dedicados a outro público. Acho que o Amplifest é a casa perfeita para nós podermos apresentar um disco em Portugal.
O Gajo (João): Por acaso eu fiquei um bocadinho como a Sofia [Clothilde]. Quando apareceu o convite também fiquei assim "hmm... será? As informações estão todas corretas..." [risos]. Eu trabalho com uma agência e quando eles me apresentaram isto também me disseram que "era um festival um bocado mais pesadão". Só que por acaso, eu já conhecia o Amplifest porque já estive para ir lá, como contei na história dos Wovenhand. Já tinha visto alguns cartazes, algumas bandas de referência dentro da área e então disse-lhes logo "espera lá! Vamos fazer isto, isto é outra cena!". E como é outra cena, também é uma aventura e um desafio que nos faz sempre experimentar à margem daquilo que estamos mais acostumados a fazer. Eu gosto desses desafios. Tenho ideia que no Porto há sempre um público com determinado tipo de exigência e gosto que eu prezo. Vou de vez em quando lá [Porto] e tenho essa ideia. E portanto, acho que respeitam a música. Acho que há mais festivais fora-da-caixa que acontecem na zona norte por causa disso: há um público – sem estar a denegrir o pessoal cá de baixo – com alguma "formação" musical, algum hábito, e os próprios eventos educam os públicos. E portanto, para teres um público disponível, versátil, isso demora tempo a fazer, senão as pessoas são esquisitas, ouvem só o que conhecem... Estou convicto que quem organiza o Amplifest sabe o que é que está a fazer. Portanto, se convidam O Gajo...
Sofia: O Gajo vai... [risos]
João: ...O Gajo vai [risos]. Podiam convidar outro gajo qualquer! Mas não... Portanto, estou um bocado confiante nesse aspeto. Não conheço o festival por dentro para saber essa história das conferências e conversas. Até estou curioso para ver como é que aquilo se vai organizar, mas lá está, quem sabe é quem está a fazer e sabem com certeza, com estas edições todas, como é que é a dinâmica do público. Vou cheio de curiosidade, como uma aventura. Mas sempre com muito entusiasmo porque também venho de música mais pesada dos anos anteriores e, portanto, há ali algumas bandas de que também gosto e por isso vou muito disponível para ver o que se passa à volta, não só para estar focado na minha cena, mas também para conhecer o que é que se vai passar. São tantas bandas, devo apanhar algumas espero! Mas portanto, muita alegria e muita curiosidade.
Clothilde, demonstras uma relação muito íntima com as tuas “máquinas”, um entendimento essencialmente uno entre ambos, como se fossem amigos de longa data. Como é que desenvolveste esse afeto quase “humano”, essa apreciação tão aprofundada por estas entidades designadamente inanimadas?
Sofia: Acho que é principalmente o facto de todas as máquinas que eu toco serem construídas pelo meu marido, companheiro, e amigo de longa data, o Zé de HOBO & The Birds. Só o facto de serem construídas por ele de raíz, não são componentes montados, são circuitos, todos soldados... vi tudo isto crescer. Ele começou a fazer as máquinas e eu nem sequer sonhava que as ia tocar, nunca na vida, porque tocar música é para quem sabe. Todo este tipo de material é extremamente caro. Ele desde muito novo que sempre curtiu tocar, e então uma vez fomos lá a casa dos pais dele e lá no quintal, no barracão, ele tinha encontrado umas breadboards e outras coisas assim e disse "olha eu tenho aqui isto, não sei se serve para alguma coisa", e o Zé veio com aquilo para casa e decidiu começar. Ele é completamente autodidata e hoje em dia já está num grande nível. Começou por experimentar com tutoriais a fazer máquinas. Acho que o facto de eu ter acompanhado todo esse processo, todo o desenvolvimento e como elas cresceram...
Gosto da estética de tudo, para mim é importante. Gosto de coisas bonitas! Acho que isso é um ponto que faz com que tenha uma ligação com elas muito grande. Ao tocar, essa ligação ficou bastante mais íntima, mais próxima, mais intensa. Quando estou com uma energia que não dá, elas às vezes boicotam a cena toda. Queimei muitos chips, mesmo muitos... até ganhei gosto ao cheiro do chip queimado [risos]... Mas acho que foi todo um processo que foi acontecendo, uma relação que se foi construindo e muito sinceramente, cada vez mais acho mesmo que quando estou a tocar é um diálogo, uma troca: eu dou para que elas me dêem a mim. E acho que quanto mais calma e concentrada vou conseguindo estar, quanto mais tempo toco, mais à vontade fico. Tive uma altura que deixei de tocar depois do Semibreve. Aquilo foi uma violência, achei mesmo que tinha havido um erro de casting. Não sei o que é que estava lá a fazer, era só monstros... E em vez de ficar com o ego super inchado, aquilo deu cabo de mim. Toquei em apneia na melhor das hipóteses. Pronto, e depois resolvi, percebi que adoro isto.
O que o João há bocado disse, os dois anos de pandemia em que tu tocas menos, fez-me perceber "porra, isto faz-me mesmo falta! Afinal acho que descobri aqui, mesmo aos 40, uma coisa sem a qual já não consigo viver!". E desde a pandemia principalmente, por causa desse intervalo, e por perceber a falta que isto me fazia, atirei-me com uma energia muito diferente, acho que ainda com mais vontade e mais certezas, aliás mais vontade do que certezas. Tenho tocado e agora já toco mais calma e é super bonito. É quase como se eu desse um toquezinho para que elas vão e depois eu oiço, e o que eu oiço faz-me ir e voltar. Eu já perco um bocado a noção de onde é que eu estou a responder e onde é que elas estão a responder. Já consigo ter um nível de concentração em que eu e as minhas máquinas, as nossas máquinas, já é uma entidade. Quando estou a tocar já não sou eu e as máquinas. Já é um… só. Já é mesmo uma osmose marada... não sei o que é que é, mas é a coisa que mais adoro!
Hugo, O vosso mais recente álbum Slaves Beneath the Sun confirma que o vosso momentum não só não se perdeu apesar da pandemia, mas que tem vindo a crescer consecutivamente.Tendo em conta que a carreira dos PoG já se estende por 20 longos anos, como é que tem conseguido manter uma estilística tão alinhada entre discos sem que se sinta qualquer estagnação ou tendências prosaicas por parte da banda?
Hugo: Para já agradeço pela afirmação [risos]! Mas o facto é que somos os mesmos. Eu conheço poucas bandas em que sejam os mesmos há 20 anos. O facto é que ao irmos crescendo e ouvindo música – e todos gostamos de ouvir música apesar da música ser negra, obscura, mais pesada –, todos temos a nossa estética sonora que vai muito além destas palas. Aquilo que nós fizemos ao longo dos discos permitiu-nos encontrar algo, principalmente no Faemin por uma circunstância não de som mas também da produção do mesmo, que marcou o início da nossa relação com o Andrew Schneider, que acaba por ser decisivo na forma como o nosso som chega pelo menos em disco às pessoas. É um processo em que nós literalmente colocamos tudo nas mãos dele e com pouco input da nossa parte, porque faz parte do processo dele, temos muito pouco tempo para refletir sobre o mesmo. A nossa mistura é toda feita de forma analógica pelo Schneider, e isso permitiu-nos desenvolver um tipo de som e uma forma em como pensamos o som já a contar com o que ele vai acrescentar. Por outro lado, daquilo que é a nossa música, o despirmo-nos de gorduras é uma coisa que temos vindo a fazer desde os primeiros discos.
Nós os 4 sabemos qual é a música que nos deixa a todos satisfeitos e sabemos onde queremos chegar. Às vezes começa tudo só com um riff e se for preciso estamos a tocar esse mesmo riff durante uma hora, ou um mês inteiro, até descobrirmos o que vamos fazer com aquilo. O que nós costumamos dizer é que, para cada disco que fazemos, mandamos dois para o lixo. Há muita coisa que se perde, muitas horas de gravações que mandamos à vida porque há ali qualquer coisa que nos perturba e achamos que nunca devemos olhar para trás. Achamos que riff que deixamos para trás não é para ser aproveitado. Há exceções, e houve exceções nos últimos tempos. Isso permite-nos construir algo de novo sempre, e abordar a composição de um disco como uma peça autónoma, que começa e acaba. Os últimos 3 discos foram sempre em contínuo. Perdemos muito tempo a pensar na sequência do disco, dando-se a circunstância que o disco em CD e em vinil não vai ser o mesmo. Mesmo assim foi tratado e pensado para não ser um acaso. Tem obviamente a ver com a limitação do formato analógico e com os custos do vinil que é outra coisa que também aumentou muito nos últimos anos.
Sempre tivemos uma perspetiva muito DIY na forma como gerimos toda a banda, o merchandising, a venda dos discos e a sua gravação. Somos muito autónomos nessa matéria. Há uma estética visual relacionada com a parte gráfica, que desta vez houve a sorte de se ter a imagem que está na capa, que já nos estava a perseguir há algum tempo, e que é de um fotógrafo chamado Lee Jeffries. É uma coisa completamente fora do nosso escopo e ele tem um livro que se chama Lost Angels só com fotografias de mendigos em Los Angeles. O que aconteceu foi que encontramos aquela imagem antes de ir para o estúdio. Dois ou três de nós coincidimos naquela imagem e pensámos que se pudesse ser de facto a nossa capa era bom. Foi a primeira vez que não fui eu ou fotografias do Pedro Almeida a compor a totalidade da capa. O que é facto é que essa fotografia do Lee Jeffries é tão pungente, tão desarmada, que aquilo dotou-nos de uma mentalidade visual.
Ou seja, há uma imagem gráfica das músicas para nós e o facto de termos uma ideia já concebida do que seria a capa, ajudou-nos a caminhar nesse sentido. Eu sei que quando toco a última música do disco automaticamente me aparece a imagem na cabeça. Sem dizer que não me aparece em mais vez nenhuma no disco [risos], mas nessa eu estou a tocar e sei que é com base naquela imagem. Apesar de tudo, sempre fomos encontrando margem dentro da nossa sonoridade para ir adicionando novos layers e este disco em particular, Slaves Beneath The Sun, acho que é o que necessita de mais tempo para ser ouvido. Eu gosto de perder tempo com os discos que ouço, gosto de os ouvir e sentir. Se calhar é por isso que nos lembramos tão bem dos discos que ouvíamos na nossa adolescência. Porque tínhamos tempo para os ouvir. No meu caso e na questão das sonoridades mais pesadas implicava andarmos à procura do tipo que tinha a cassete. Tudo isso levava-nos a apreciar a música. Quando conseguíamos ouvir de facto alguma coisa, dávamos valor.
Hoje em dia sinto que esse momento de ouvir música está muito desvalorizado ao pé daquilo que senti noutros discos. Não obstante, gostamos de fazer discos que tem que se perder tempo para ouvir. Não é ir à net ouvir uma música, ou ir no carro e pôr outra música. Não, o disco é todo ele um contínuo e é assim que o compomos. É por isso que eles nos dão tanto trabalho a compor e não aparecem mais [discos]! Há uma componente técnica que nos vai acompanhando e desta vez foi podermos ter gravado o disco com o Paulo Basílio, com quem já tínhamos gravado também o Liar [split com Rorcal] mas que nos conhece muito bem. Já tínhamos tocado com outra banda dele há 10 anos atrás e portanto foi tudo muito agradável. Este disco, além de representar um novo topo daquilo que conseguimos fazer enquanto músicos, também é um disco que me deixa cheio de boas memórias no que diz respeito à sua gravação, algo que nem sempre aconteceu em registos passados. Nós perdemos tempo a descobrir o feeling certo para cada coisa, como é que alguém vai reagir à música quando ouve, se a respiração é certa ou não. É metal, tem um bocado de hardcore, também tem algo de doom, um pouco de uma estética noise rock que também nos atrai muito e é daí que vem a nossa ligação ao Schneider de certa forma.
Mas acho que conseguimos ao longo da nossa história fugir ao estigma de banda de metal. Apesar de gostar imenso de muitas bandas de metal, hoje em dia já não tenho aquela paciência para seguir uma coisa que seja muito estandardizada, uma banda nova que não acrescente mais àquilo que já foi feito. Acho que o metal às vezes fecha-se um bocado nele mesmo, e desse ponto de vista, acho que estou muito satisfeito com a nossa evolução e para onde levamos isto do ponto de vista estético, e até mesmo o público que criamos e que nos segue. De facto, não tínhamos um grande apoio de outras bandas com que nos pudéssemos entrosar. Foi preciso irmos à Suíça para descobrirmos parceiros que tem um som que nada tem a ver com o nosso, mas que tem um espírito muito parecido. Há mais sensações na nossa música hoje em dia e é nesse sentido que ela evoluiu e até agora, acho que a nossa melhor cara é mesmo o Slaves Beneath The Sun.
Gajo, o teu último disco Subterrâneos adiciona dois novos ingredientes à tradicional viola campaniça – o contrabaixo e a percussão. O que é que te levou à procura destas novas possibilidades para enriquecer o teu trabalho a solo? E, já agora, é este um formato que poderemos potencialmente voltar a ver em futuros projetos e performances ao vivo, como a do Amplifest que se avizinha?
João: A opção pelo formato de trio veio a propósito de tentar, neste terceiro disco, quebrar as fórmulas anteriores que tinham sido baseadas só na viola, pontualmente com um convidado ou outro. Eu não estava a pensar gravar um disco em março de 2020, só que parou tudo com a pandemia, e quando param os concertos, eu vou para uma sala de ensaios e trabalho. Decidi portanto fazer um disco, e uma das pessoas com quem já tinha trabalhado era o Carlos Barreto no contrabaixo, que é um músico que acho genial. A felicidade que tive com tudo de horrível que se estava a passar era que ele estava disponível, não tinha trabalho. E portanto, consegui convencê-lo a fazer este trabalho comigo e, entretanto, ele trouxe o percussionista com quem eu também já trabalho há muitos anos, que é o José Salgueiro, que é outro cromo de quem gosto e cuja música já conhecia há bastante tempo. De repente tinha ali dois generais, e eu era o soldadinho ali a tentar gerir a situação. Mas foi uma aventura e um grande desafio que quis que ficasse gravado num disco. Esse disco tem maioritariamente esse formato trio. Acabei esta semana de gravar o quarto disco que já não é em formato trio, portanto esse formato é algo que será mais passageiro, mas temos concertos até ao final do ano em trio. Não será no Amplifest. Depende um bocado das condições que cada evento apresenta. Mas é bom ter estas opções e apresentar o projeto com várias possibilidades. Mas pronto, o formato trio veio realmente trazer sabores novos ao cozinhado. Ainda por cima, como não quero fazer demasiado processamento à viola, a coisa pode tornar-se mesmo repetitiva. Seria sempre importante fazer algumas experiências, e fiquei muito contente com o disco. Está muito fixe.
De todos os nomes a atuar no primeiro fim-de-semana, quais é que, a vosso ver, são completamente imperdíveis e porquê?
Sofia: Não tive tempo de investigar todos e a fundo mas. E além do Gajo e dos Process of Guilt, que pela nossa conversa, me deixaram curiosa de ver os seus trabalhos, gostava de poder ver : Dälek, Oranssi Pazuzu, Putan Club e Prison Religion. Há aqui cruzamentos e estilos que, talvez por um certo desconhecimento do festival, não esperava e porque todos têm nuances que gosto como o noise, o psicadélico ou o punk…
Hugo: Sou naturalmente suspeito nesta matéria, dado que gostaria de pensar que a apresentação a norte do «Slaves Beneath The Sun» assim como os concertos de O Gajo e da Clothilde fossem igualmente merecedores desse epíteto. No entanto, acho que o maior poder apelativo, num relance rápido pelo cartaz e de acordo com o que também são as minhas preferências pessoais, se associa às atuações de Wolves in the Throne Room, Dälek e Birds In Row. Também há os naturais destaques a Cult Of Luna, Amenra ou Oranssi Pazuzu, mas dado o ecletismo do cartaz tenho a certeza que haverá boa música que irá ao encontro dos gostos de todos os que visitarão o Amplifest.
João: Não conheço o trabalho dos artistas que irão actuar no primeiro fim-de-semana e por isso não consigo recomendar concertos imperdíveis. Acho que devemos ser curiosos e aproveitar a oportunidade para conhecer um pouco de tudo o que está no cartaz. Assistir a um concerto é um ritual poderoso que correndo bem pode mudar nossa vida para melhor. Se correr mal, há sempre o bar…
Pergunta da praxe. Por favor digam-me, o que é que vocês têm ouvido ultimamente?
Sofia: Ando a ouvir Rádio.
Hugo: Após o lançamento de um disco novo de Process of Guilt, precisamente pelo tempo que passamos a ouvir de forma muito concentrada os temas novos, sinto necessidade de alguma “música de conforto” e acabo por fazer uma espécie de reboot sonoro que inclui coisas muito díspares. Desde o regresso a muito do que são clássicos (pelo menos para mim), por exemplo, do catálogo da Earache ou da Roadrunner na transição entre os 80 e os 90, ou registos mais recentes de muitas dessas bandas, como por exemplo o último «Resentment is always seismic» de Napalm Death. É claro que sonoridades quase opostas como a discografia da Agnes Obel ou a audição de muitas bandas sonoras, como sucede com a revisitação do The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford ou mesmo trabalhos mais recentes de bandas como os Ho99o9 também integram as minhas escolhas, mas trata-se de um período fundamentalmente de escolhas algo aleatórias até sentir, novamente, a necessidade de ouvir ambientes mais específicos.
João - Deixo 4 referências que me acompanham já há algum tempo: 16 Horsepower, Le Trio Joubran, Zeca Afonso, New Model Army.
Muito obrigado a todos!
O FDS1 do Amplifest contará ainda com atuações de colossos como Cult Of Luna, Caspian, Oranssi Pazuzu e Wolves In The Throne Room, e verá igualmente o retorno de nomes de edições passadas, entre eles Amenra e Birds In Row, bem como uma imensidão de estreias inéditas em território nacional. O cartaz deixa ainda uma participação em aberto, que será revelada posteriormente durante o curso da experiência. Bilhetes diários e passes para o FDS1 já se encontram completamente esgotados.