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Filhos da internet: BADBADNOTjazz, BADBADNOThip-hop

05 de Fevereiro, 2017 ArtigosAndré Forte

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freelance-photo-postmedia-network-use-only-toronto Da esquerda para a direita: Chester Hansen, Alex Sowinski and Matthew Tavares, membros dos Badbadnotgood no seu estúdio em Toronto.© Tim Fraser / Postmedia News, via ottawacitizen.com


Filhos da internet, BADBADNOTjazz (parte 1)




Não é de jazz que se trata, mas é pelo jazz que se trata. Os BADBADNOTGOOD são um caso sério de falta de seriedade, e é por isso que os devemos encarar.


 

“Meu bom amigo, providenciareis para que estes comediantes sejam muito bem tratados. Ouvis? Que nada lhes falte, porque eles são o breve sumário e a crónica do seu tempo.” (Hamlet, Acto II, Cena II)


 

Podiam vir de um crítico, do representante de uma editora, ou de um agente, mas não. Estas são as palavras que Shakespeare gravou, para, pela boca de Hamlet em conversa com o ridículo Polónio, pudesse erigir-se um panegírico à arte de representar. Quem diria que assentaria como uma luva a outras personagens, a viverem a sua própria narrativa, sem tramas, nem dramas? O escárnio é uma arma de que os BADBADNOTGOOD se sabem munir, e quando não estão a redefinir noções de standards, ou a actualizar as possibilidades de um livro de músicas gasto e tendencialmente elitista, são os primeiros a apontar o dedo (como se pode ver em baixo). É na capacidade de, também, representar o que são, mais do que o criarem, que o trio canadiano surge como o espelho do nosso mundo e da geração que não leva nada nem ninguém a sério.

O dramaturgo não deixou o futurismo de lado. Na narrativa, Polónio prontifica-se a tratá-los como merecem, que apesar dos seus humores e desamores era “bem”, mas, admita-se, não é o suficiente:

“Pelo sangue de Cristo, homem! Muito melhor! Se tratarmos cada um como merece, quem se livraria de uma sova?”

Foi por, reduzidos à sua insignificância, que os BBNG rapidamente saltaram fora do barco do jazz para as marés da internet, onde o som do Korg de Matt Tavares, elegantemente apoiado pela bateria de Alex Sowinski e o baixo/contrabaixo de Chester Hansen, lidera uma das expressões mais relaxadas e cool que por lá se pode ouvir.

Desde os covers de James Blake à abordagem, sim, ajazzada de grandes clássicos do hip-hop, como a “Electric Relaxation” dos Tribe Called Quest, ou de músicas de My Bloody Valentine e do jogo de consola “Zelda: Ocarina of Time”, não há como não concordar com Hamlet: “Melhor seria terdes um mau epitáfio depois de morto do que ser alvo do seu escárnio em vida,” deles, que tão bem representam a primeira geração ligada por uma rede global. A verdade é que, graças a esse infinito de possibilidades, estes três actores, de teclas, baixo e bateria em punho, têm a capacidade de interpretar, preservar e realçarem-se para além da peça que tocam.

O barco abandonado, o do jazz, sofreu o destino de todos os que não se adaptaram às novas condições meteorológicas da era digital: naufragou no mar de informação. Apesar de preparado, em estrutura, para que todos tenham uma voz igual, como só a web agora o permite, o jazz tradicionalista peca por propositadamente exclusivo. Esta era não é o fim do jazz, nem dos seus autores; é, apenas, o tempo dos últimos murros na mesa de uma elite instalada pela erudição e que se fecha em copas numa superioridade meta-reconhecida. O trio não se revê nela, claro. Em entrevista à VICE do Canadá, em 2012, indicaram prontamente a maré como progenitora. “Nascidos em 90, 91 e 92, somo filhos da internet (we’re internet babies)”, explica Tavares. Foi lá que aprenderam tudo o que sabem fazer: gravam os próprios discos, por si produzidos, criaram e gerem o próprio site, realizam os seus vídeos e fazem, basicamente, tudo o resto de que precisam para continuar a ser BBNG. São o DIY fruto de muitas experiências DIY partilhadas: refinado, bem cultivado e a fazer proveito das suas capacidades.

Torna-se óbvio porque desistiram de frequentar o curso de jazz na Universidade de Toronto (excepto o baterista, que se mantém lá pelo seguro de saúde dentária, segundo disse à NowToronto), e porque é esta a linguagem, ou miríade delas, que têm como referência em vez da de Coultrane, Davis, Ellington ou Basie. Eles frequentaram a Universidade, sim, mas sem nunca dispensar da relação perfeita de desprezo/curiosidade com que os filhos da internet invariavelmente abordam a vida. Têm, agora, a capacidade de questionar a validade do que aprenderam, como o demonstravam já em 2011, em entrevista à Respect-Mag: “Na escola ensinam-nos cenas de jazz dos anos 60, o que é porreiro. Mas agora não é o tempo, nem o lugar, para esse tipo de música. Nós não podemos tocar o que aprendemos.”. Matt Tavares acrescentaria às palavras de Swoniski, na mesma entrevista, que “nos anos 60, o jazz baseava-se no performer, nas suas capacidades técnicas. Já ninguém quer saber de como tocas o teu instrumento”, deixando no ar um sentimento que, à Exclaim, dariam forma verbal: “Acho que aquilo que nos aproximou mais foi o quanto odiamos o jazz tradicional.”

A realização de que, hoje, a audiência é infinita desvenda um detalhe óbvio, demasiadas vezes ignorado pelo lado mais académico da música: o gosto não se apoia tanto no conhecimento das estruturas, mas na apreciação de novas imagens. Ou, nas palavras dos próprios, “se não vais fazer o mesmo filme várias vezes, porque o farias com música?” A estória que daí se desenrola é a razão deste texto: questionaram a validade dos standards de há 50 anos, reconheceram a necessidade de fazer com seriedade o que intérpretes mais humorados, como Richard Cheese, haviam tentado, admitindo que, sim, a nova cultura pop tem produzido novos standards para o Songbook.

“Tocar blues ou standards é divertido, mas há milhares de registos de pessoas a tocá-los. Eu acho que não há milhares de versões da ‘Lemonade’ [do Gucci Mane],” defende Tavares. E não há. Há a de BADBADNOTGOOD, fazendo a dobra do original e elevando-o à coolness de um “A Go-Go” de John Scofield. Talvez, em comparação, a sua versão e interpretação seja a mais plural; é certo que é a única a transcender tanto a linguagem do hip-hop quanto a do jazz.

O ambiente caricato em que os seus vídeos surgem no YouTube, ora com Sowinski de máscara de porco, ora com um homem mascarado de leão a fazer fosquinhas para a câmara, distração engendrada para quebrar a comunicação e tornar tudo mais excitante (“no jazz, é tudo tão ‘go with the flow’... se eles não conseguirem ver-me a cara não conseguem ver como estou na música, isso é uma forma de tornar as coisas imprevisíveis”, diz o baterista. “Mas com estes dois é de loucos, eles apanham tudo”); os temas com que apetrecharam os seus primeiros dois discos... tudo tornava mais impetuosa a singularidade de dar um passo em prol de um diálogo estupidamente adiado entre dois géneros que, em boa verdade, partilham origens. Daí até chegarem a um grande fenómeno de popularidade que são os Odd Future e partilharem umas sessões curiosas foi um instante. Os BADBADNOTGOOD acabaram por tomar a internet e a namorá-la com a sua própria linguagem.

Ainda que se afastem de tal etiqueta (“No iTunes colocámos um smile para descrever o nosso género”, disse Chester, o baixista, à Revive-Music), tanto pelos anticorpos que ganharam na Universidade, quanto pela noção de que ser tão objectivos na sua forma de estar é contra a natureza dos tempos que vivem, onde tudo está ao acesso de um clique, são eles o melhor contacto com o género que tem surgido para as massas: instrumentistas hábeis, promissores, usam as suas referências para usar a “ferramenta” que o jazz se lhes revelou ser, admitindo que, em essência, é importante “aprender a linguagem”. Eles optaram por a usar, criando os seus próprios Songbooks.

Não inventaram a pólvora: outros loucos pela tradição, como os Master Musicians of Bukkake, ou mesmo os Secret Chiefs 3 de Trey Spruance, já o haviam feito, mas aqui aconteceu de forma ocidentalizada, tão familiar para os que habitam o hemisfério Norte do planeta. A apropriação de uma linguagem que não lhes pertence para gerar um novo valor foi algo que os BADBADNOTGOOD não inauguraram, mas foi uma acção que também tomaram como sua.

Há diferenças abismais, a começar pelo facto de tanto Spruance como os totémicos americanos não terem uma formação nas linguagens por que se expressam; a maior está na recusa em, sequer, estabelecer uma relação com ela, dedicando-se à apropriação de algo que sempre foi seu, da sua cultura. Ainda assim, tudo neste canadianos transpira jazz, ou o que ele se propôs a ser no início do século passado — aberto, inclusivo e, por isso, digno de uma internet sem fronteiras. Para os canadianos, o exercício de rejeição do género foi a única forma de ultrapassar os obstáculos que dentro dele surgiram, o de os amarrar ao seu futuro naufrágio. A autodeterminação provou-se cheia de MF Doom, de Clams Casino, de Flying Lotus e de referências novas, das últimas duas décadas e distante do conservadorismo bacoco que até na música pode pesar.

Os BADBADNOTGOOD não são jazz, mas são jazz. Está-lhes no genoma e soa tão bem.



 

Filhos da internet, BADBADNOThip-hop (Parte 2)




O hip-hop foi o seu caminho para a contemporaneidade, mas não é o seu único trilho. Os BADBADNOTGOOD demonstram ter muito por onde circular.



 

“Sê moderado em tudo, porque no meio da própria torrente, da tempestade, e até no torvelinho das paixões, deves procurar e conseguir a temperança que dá leveza e suavidade ao estilo” (Hamlet, Acto III, Cena II)


 

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Foram estas algumas das palavras dirigidas por Hamlet aos actores que revelariam a verdade escondida no fantasma do seu pai. Nós dirigimo-las a uns BADBADNOTGOOD que se entusiasmam na estrutura das músicas que tocam com o estilo relaxado do cool, graças a um sintetizador cheio de brilho, realçado pelo som baço de um contrabaixo a retalhar ritmo com a bateria. Mas o príncipe diria mais ainda:

“Oh, corta-me a alma ouvir um indivíduo de enorme cabeleira despedaçar uma paixão até a deixar em tiras, em verdadeiros farrapos, dando cabo dos ouvidos aos espectadores da geral, que, na maioria, só gostam de pantomimas sem sentido e de barulho.”

O power metal estava, por isso, fora da equação. Mas continua:

“Também não deves ser demasiado frio; deixa-te guiar pelo teu próprio sentido. Conjuga a acção com a palavra e a palavra com a acção, tendo sempre em vista não ultrapassar os limites da simplicidade natural, porque tudo quanto a ela se opõe afasta-se do objectivo do teatro, que, tanto na sua origem como nos tempos que correm, foi e continua a ser apresentar a natureza humana reflectida num espelho.”

É neste reflexo que existem os BBNG, na simplicidade natural que faltou ao original de “Flashing Lights” de Kanye West, e no seu repescar de “Camel” de Flying Lotus; nas suas escolhas e na forma como as encaram — não gozará o hip-hop da fama com que o jazz assaltou as rádios? Não será a ora de repensar quais os standards que a linguagem erudita quer tornar representativas dos tempos mais recentes?

“Há muito jazz bom. Mas a maioria das pessoas já não faz músicas, (...) o jazz já aconteceu O bebop foi bom porque temos grandes registos dos anos 50, não porque o Pat Lebarbera anda a fazer bebop agora.”

O jazz tem as condições ideais para fazer eco destas ideias. Não se trata de fazer covers, algo geralmente aceite como “foleiro”, principalmente quando “é a mesma música tocada por outro gajo”, diz Tavares em entrevista à Exclaim. No entanto, “no jazz é algo com que te consegues safar. Tocas um standard mas vai soar algo diferente.”

Nisto, o hip-hop e o jazz aproximam-se para além do som — o método fala tão alto quanto o resultado, que já distam em diferentes e variados graus de parentesco. Ambos, para começar, têm vacas sagradas: a importância e o impacto que um J Dilla teve para o hip-hop pode, e deve, ser encarada com a mesma seriedade com que se encara Miles Davis, do bebop à fusão. Quantos discos icónicos do género não contarão com o toque de midas do malogrado produtor?

A própria forma de encarar isto — o ter um produtor, ou um standard — é base sobre a qual o artista, em cada uma das linguagens, se expressa. Na verdade, por cima da harmonia e da progressão de acordes de um standard sola-se com o mesmo ímpeto que se cospem rimas sobre uma batida. No hip-hop, como no jazz, a música “é mais sobre uma pessoa a actuar a solo sobre uma música do que nos outros géneros. Por exemplo, fala-se recorrentemente das linhas do Coltrane e das linhas do Lil’B. Eu acho que eles são mais parecidos do que diferentes”.

Sowinski, baterista da banda, resume a ideia que encontra eco nas duas mentes com que comunica regularmente. Os BADBADNOTGOOD não hesitam perante a hipótese de fazer um disco jazz no sentido expectável. A resposta é unânime e é não.

Verdade seja dita, não será, também, no hip-hop que os BBNG vão assentar. Há uma relação casual com todo o seu percurso, e o improv não é algo que eles resumam aos instrumentos. Vê-se nos seus vídeos, e os próprios admitem que, ao contrário daquilo que é normalmente esperado, estão cada vez menos “ensaiados”. Também o Songbook de J Dilla foi fruto desta proximidade com o imprevisível — e, como o jazz, também ele foi a expressão certa, na altura certa, para catapultar a linguagem para fora das gramáticas e para as bocas de todos. Hoje, todos falamos hip-hop e estamos capazes de entender a desenvoltura do trio canadiano.

Não se preparem para o futuro de Tavares, Sowinski e Hansen, porque eles próprios não se estão a preparar. Sobre a música que os rodeiam, improvisam as batidas para as rimas que nos caberá imaginar.

E, lembrem-se, miúdos: “O segredo para fazer boa música é ter a mente aberta”. Não, não é o Hamlet a dizê-lo. Mas podias ser.



Nota: Texto originalmente escrito em 2014, aquando o lançamento do álbum III.
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