
Cada vez mais próximos do início do Primavera Sound 2015, é tempo de acelerar o ritmo e avançarmos sem receios para a análise de mais cinco dos nomes que irão fazer parte do cartaz do festival. Hoje poderão ler sobre uma das mais intrigantes e sexualmente perturbadoras personagens do rock alternativo dos últimos 15 anos, sobre uma instituição do space-rock e sobre alguns dos embaixadores de estilos tão díspares como o pós-punk, doom metal ou dance pop.
Depois de todos os dedos de uma das nossas mãos terem servido para contar alguns dos nomes que abrirão o Primavera Sound no próximo dia 4 de Junho, é tempo de preparar a outra mão. Venham mais cinco, já dizia o Zeca.

- Antony And The Johnsons (EUA)
Apesar de britânico de nascimento e de ter sido criado na Califórnia, foi em Nova Iorque que Antony Hegarty encontrou o lugar ideal onde podia ser aceite pela sua sexualidade ambígua e androginia. Inspirado pelos Culture Club do igualmente excêntrico Boy George e pela imagética burlesca do cabaret, formou os Antony And The Johnsons e tornou-se o principal embaixador da chamber pop do início do século, a par de Rufus Wainright e dos Belle And Sebastian.
Com o disco homónimo de 2000 (que conta com a presença do já lendário mestre avant-garde William Basinski) mas principalmente com I Am A Bird Now, Antony deixou de ser catalogado como uma mera personagem bizarra: passou a ser considerado um dos grandes bandleaders dos anos 2000, com uma voz etérea, soulful e poderosa que se ligava na perfeição à pop orquestral dos seus The Johnsons.
Acima de tudo, os Antony And The Johnsons podem orgulhar-se de, quinze anos depois do lançamento do seu primeiro LP, não terem um único mau disco. Embora a fórmula não esteja sujeita a grandes alterações de álbum para álbum, a simbiose entre a voz e piano de Antony, a percussão certeira de Parker Kindred e a orquestra triunfal da banda é inigualável. Não é uma banda qualquer que fará o seu regresso a Portugal já no próximo mês de Junho: é uma das poucas bandas que se pode orgulhar de ter criado o seu próprio estilo.

- Spiritualized (Inglaterra)
Três anos depois de já terem pisado os palcos do Primavera Sound, os já históricos Spiritualized irão regressar à cidade do Porto. Desta feita, esperemos que não haja chuva e que haja também mais público a prestar honras a uma das maiores bandas do cartaz e também uma das mais marcantes do último par de décadas.
Directamente de Rugby, em Inglaterra, vêm Jason Pierce e os seus Spiritualized, banda que teve como grande ponto alto da carreira Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space, disco absolutamente imaculado e que, em relação à sua grandeza, basta dizer que, nesse ano da glória de 1997, foi tão ou mais aclamado do que Ok Computer dos Radiohead.
Alguns anos passaram desde aí. Foi abandonado o som inicial da banda, ainda como que uma espécie de seguimento do space-rock do anterior projecto de Pierce, Spacemen 3; a vibe gospel que sempre ecoou nos discos dos Spiritualized (é ouvir a perfeita "Cool Waves", por exemplo) ganhou, assim, predominância no primeiro disco da banda no século XXI, Let It Come Down.
A verdade é que, mesmo com as várias saídas e entradas na constituição do grupo, Jason Pierce conseguiu que a sua banda mantivesse a fasquia bem elevada durante anos consecutivos. Primeiro Amazing Grace, em 2003, depois Songs In A&E, em 2008, e mais recentemente Sweet Heart Sweet Light, em 2012, revelam tamanha capacidade de surpreender e de nos deixar abismados que só nos levam a crer que, mesmo com 25 anos de carreira recentemente completados, os Spiritualized são ainda surpreendentemente frescos e uma banda cabeça-de-cartaz, qualquer que sejam os nomes que os acompanhem.

- Electric Wizard (Inglaterra)
Depois de terem sido os OM, em 2013, a abrir o contingente metal da edição portuense do Primavera Sound, esse grupo de nomes pode ser agora alargado para três, com a presença no festival de Electric Wizard e Pallbearer, dois dos nomes de ponta do metal actual.
E é dos ingleses Electric Wizard que hoje vamos falar. Vindos do seio de um estilo nem sempre consensual, mas que muitos fãs tem ganho nos últimos anos devido a uma cada maior variedade de esilos a surgir dentro da esfera metal (exemplo disso é o blackgaze dos Deafheaven), assumem-se como um dos expoentes máximos do stoner doom, a par dos californianos Sleep.
O estilo lento e ao mesmo tempo explosivo, inspirado largamente nos Black Sabbath, ao qual se junta um oceano de distorção, caracterizam um estilo hipnótico, extremamente dark (não fossem estes senhores satânicos) e psicadélico que tem em Come My Fanatics... de 1997 e sobretudo Dopethrone, obra-prima de 2000, dois álbuns ilustrativos. Para este ano trazem Time to Die, 10º álbum, lançado em no ano passado.
Os Electric Wizard são uma autêntica instituição do doom metal que leva já mais de vinte anos de carreira, dos quais uma grande parte sentados no trono desta ramificação do metal. Uma dezena de discos depois e com mais de vinte anos de carreira, estão em ponto de rebuçado. No ano passado, na primeira edição do Reverence Valada, mostraram porquê. E, este ano, o público do Primavera também quer saber.

- Viet Cong (Canadá)
Começaram por ser uma das revelações do final do ano de 2014, com um EP lançado pela Mexican Summer e com o single "Continental Shelf". Quase seis meses após o início de 2015, têm um longa-duração na bagagem, uma muito significativa aclamação pela crítica, airplay nas rádios alternativas e um justificado cult-following. São os Viet Cong.
A resposta para tudo isto reside na extraordinária capacidade que estes quatro canadianos demonstraram de, no seu disco homónimo de estreia, se moldarem a um estilo que há muito vinha a precisar de sangue novo. Tendo como base o pós-punk puro e duro, juntaram-lhe uma pitada do art rock de uns Roxy Music de início de carreira e uma outra de lo-fi/noise (olá Pavement), e criaram assim um caldeirão borbulhante de guitarras nervosas, intensas, quase matemáticas.
A já referida "Continental Shelf" é acompanhada por "March Of Progress", "Silhouettes" e "Death" como pontos altos de um disco de estreia como poucos há: confiante, intenso, cerebral e acima de tudo inovador. Os Viet Cong juntam-se assim aos Ought, também presentes no cartaz, como não só os dois grandes nomes do rock de guitarras canadiano como também duas das poucas bandas que, nos últimos anos, conseguiram lavar a cara a um pós-punk que tanto necessitava.

- Jungle (Inglaterra)
Tom McFarland e Josh Lloyd-Watson são os dois fundadores de Jungle. Conhecidos simplesmente como J e T, fizeram de um mero projecto de amigos uma das grandes revelações do ano que passou. O único álbum da dupla até ao momento, o homónimo de 2014, fez dos Jungle a nova coqueluche da XL e da música de dança britânica. E tudo isto em pouco mais de um ano.
Segundo T e J, a componente visual dos Jungle é tão importante como a musical. Daí que os vídeos eximiamente realizados e produzidos da banda tenham sido também um importante meio de divulgação de um projecto que tem também nas actuações ao vivo um ponto forte: Tom e Josh resistiram à tentação de levar os computadores para o palco, e juntaram assim uma banda de sete elementos para que transpusessem a música dos Jungle de forma mais orgânica para os seus concertos.
A "modern soul" dos Jungle está repleta de baixos groovy pedidos emprestados ao funk dos anos 70, de "percussões tropicais" e vozes em falsetto. Os Jungle querem que a sua música seja uma celebração, esotérica e irreverente, hipnótica e exuberante. Sejam bem-vindos à selva.