
Em antevisão ao concerto de dia 6 de Maio no Sabotage e ao lançamento do seu novo CD Single, entrevistámos O Quarto Fantasma numa mesa da esplanada do Palácio Braancamp e questionámo-los sobre temas variados que interessam a todos nós. A banda de pós-rock lisboeta (se é que lhe podemos chamar assim) é composta por Jorge Trigo (na bateria), Paulo Diogo (na guitarra) e André Góis (na guitarra e nos sussurros).
Antes de mais, porquê esse nome? Será por não se nota a ausência de um baixista? Um suposto 4º elemento e daí este ser um fantasma?
André Góis: O nome é aberto a interpretações, e essa é uma das coisas que nós gostamos no nome. Tu quando ouves ''O Quarto Fantasma'' e música instrumental, no geral, que como não tem voz nem letras, e as que têm são sempre um bocado enigmáticas, dá-te espaço para a interpretação... cada pessoa faz o seu filme enquanto está a ouvir a música, e nós queríamos que o nome transmitisse essa ambiguidade.
Quais são as vossas principais influências? Eu descobri algumas semelhanças com os Slint...
Jorge Trigo: Ah sim! Já não é a primeira vez que nos falam disso... porém, nenhum de nós ouve muito isso. (risos) Eu lembro-me de ouvir falar na altura quando saíram pela Touch And Go e que tinham ligações ao Steve Albini, lembro-me também de pensar que era uma banda que valia a pena investigar mas depois nunca investiguei a sério.
Essa questão das influências é muito complicada. Cada um houve as suas coisas. Por exemplo, no outro dia fomos à rádio da ESCS e pediram-nos para cada um de nós escolher duas músicas e acho que o que escolhemos mostra como são, mais ou menos, as coisas. Eu escolhi Jesus Lizard e The Doors, o Paulo escolheu Harvey Milk e Led Zeppelin e o André foi com The Beatles e com a Sinking Bell de um split de Sunn O)) com Boris.
AG: Isto para dizer que todos nós gostamos de cenas diferentes: o Paulo gosta muito de blues, aquele mesmo antigo, o Jorge gosta de cenas mais pesadas (The Dillinger Escape Plan, Neurosis) e eu gosto dos The Beatles e de algumas cenas psicadélicas mas também gosto de música Portuguesa: o Zeca Afonso, o Fausto... adoro o Chico Buarque... todos nós temos gostos muito ecléticos.
Como é que se desenvolve o vosso processo creativo?
Paulo Diogo: Funciona tudo muito à base de jams nos ensaios, as nossas músicas não têm um formato de tipo ''canção'', verso → refrão, verso, etc...
Nós gravamos os ensaios todos, ouvimos, e depois há partes que achamos interessantes e decidimos manter, tal como aconteceu com a ''Arder'', que é tocada hoje 90% como foi tocada inicialmente, e o resto é tudo trabalho de corte e costura de momentos que nós gostamos. Parte tudo da improvisação, nunca está nada planeado.
O que acham do atual panorama musical Português? O que destacariam?
JT: The Quartet Of Woah! sem dúvida. Mão Morta. Mas dizer que Mão Morta pertence ao panorama atual... para mim falar do panorama atual é um bocado difícil e as bandas Portuguesa que eu prefiro são as bandas que já existiam há 20 anos atrás...
AG: The Quartet Of Woah! é uma boa referência... mas todos nós ouvimos cenas diferentes. No outro dia ouvi um músico que nós gostamos muito que é o Filipe Melo, um pianista de Jazz, e numa entrevista que lhe fizeram, ele disse uma cena que eu curti bué. Perguntaram-lhe se ele gostava mais de Jazz contemporâneo/experimental ou de Jazz mais clássico, e ele disse que curtia das duas cenas: há jazz experimental bom e jazz experimental mau, e há clássico bom e mau... às tantas o gajo disse que gostava de música honesta, bem tocada, e que acrescentasse alguma coisa ao estilo que os seus antecessores decidiram explorar. Se não tiveres nada para dizer nem para acrescentar, se só tiveres a repetir o que outra banda qualquer que tu curtes naquilo que andas a fazer, mais vale teres uma banda de covers. (risos) E acontece muito isso agora, há gajos que têm uma postura na música quase de supermercado: vão à prateleira ver o que está a dar, escolhem aquela cena e depois a banda vai soar àquilo...
JT: Mas isso é uma receita para fazer dinheiro, ou tocas covers ou tocas originais ''iguais'' à banda famosa. Passa tudo pelo dinheiro.
Qual foi a vossa melhor experiência em palco até agora? O vosso melhor concerto?
AG: Nós já tocamos em palcos grandes e palcos pequenos, e por norma gostamos mais da cena do palco pequeno, de ter as pessoas mesmo em cima de nós... essa proximidade é muito fixe! Por isso a minha escolha vai para o concerto do Lounge que nós demos para aí há dois anos...
JT: ...mas isso não é ''palco pequeno'', isso é ''sem palco''... (risos)
AG: Sim, no chão. Aquilo estava completamente cheio e eu tinha pessoas quase a tocar-me no nariz, foi um feeling muito fixe.
PD: Haviam pessoas a entrar e quase a pisarem-me os pedais...
AG: Pah! É complicado nesses sítios chegar com o material, sair com o material... mas lembro-me que foi muito bom e o pessoal estava com um grande feeling! O concerto do Longe foi, unanimemente, o mais fixe!
Como é que surgiu a ideia de incorporar esta vertente mais spoken-word num projeto de cariz instrumental?
AG: Nenhum de nós canta. A voz na nossa música funciona como outro instrumento e há músicas que como saiem têm partes que podem levar mais elementos por cima: é aí que entram os teclados, é aí que entram os samples e é aí que entra a voz.
Os textos rodam todos um bocado à volta de uma temática que aparece, mais ou menos, no disco todo e que é transversal ao nosso trabalho, que tem a ver com a razão que nos leva a fazer música: fazer coisas, não te limitares ao dia-a-dia... sair de casa, ir para o trabalho, voltares para casa, ver televisão, ir para cama, etc... há uma parte que é muito enigmática mas há um tema que é transversal que é esse, a malta vive pouco tempo e há que fazer render. Há que fazer coisas e lutar pelo sucesso das mesmas.
Para quando um novo registo discográfico, visto o último ter já saído há dois anos?
AG: O próximo registo está prestes a sair, são dois temas novos. Chama-se “Murmúrio” e vai sair dia 6 de Maio em formato CD single e em digital.
Por que editora vai sair?
AG: Sai pela Raging Planet Records (tal como o nosso primeiro álbum), mas desta vez também com o apoio da Carc Produções.
Que podem adiantar sobre os novos temas?
AG: Um dos temas, “Vaga”, começamos a tocar ainda nos concertos de apresentação do álbum “A Sombra” e é um tema que nasce ao vivo, da improvisação em ensaios e concertos, e que foi crescendo ao longo do tempo. O tema “Meia Voz” aconteceu de uma forma completamente diferente: começou como um exercício de estúdio em que quisemos experimentar outras abordagens e técnicas, incluindo a participação de um pequeno coro.
Como um próximo longa duração ainda está em fase bastante embrionária, e como achamos que estes dois temas eram bastante autônomos e complementares entre si, decidimos gravar e lançar assim, num formato mais curto.
Quais foram as principais diferenças na composição entre este disco e o primeiro?
AG: Cada tema é sempre diferente, mas diríamos que os temas de “Murmúrio” são quase duas faces de uma mesma moeda. O nosso método oscila entre a reunião de ideias que nascem de improvisação livre e o trabalho meticuloso em alguns arranjos ou pormenores. Estes temas representam, cada um, os dois extremos dessas abordagens.
Que mensagem é que vocês dão às bandas portuguesas que estão a começar?
JT: É preciso ter muita perseverança e estares a fazer as coisas pelos motivos certos. É importante uma pessoa saber o porquê de estar a fazer aquilo e o que é que quer fazer.
Eu lembro-me que ao início gostava mais do trabalho de estúdio (compôr e produzir) do que da parte ao vivo, e entretanto a coisa inverteu-se um bocado...
AG: Pegando um bocado na cena do Filipe Melo que eu disse há bocado, a honestidade é muito importante e têm de fazer a cena por gosto, porque este é um meio sobrelotado. Façam as coisas pelas razões certas!
Para quem quiser, “Murmúrio” vai estar à venda no dia do concerto em formato físico. Apareçam e disfrutem de dois belos concertos. O primeiro tema, “Vaga”, já tem vídeo: