Age of Apocalypse - Grim Wisdom (Closed Casket Activities)
A mítica cena hardcore nova-iorquina ganhou mais um peso pesado com este novo disco. Age of Apocalypse, projeto ainda muito jovem, nasceu no seio da pandemia em 2020, lançando pouco depois o seu EP de estreia The Way. Com uma presença mais insistente nos alinhamentos de concertos e digressões pela Costa Leste, a banda assina pela hegemonia da Closed Casket Activities e anuncia a chegada do seu primeiro disco a sério, Grim Wisdom. A impor um esqueleto fundamentado no metallic hardcore, com riffs e construções rítmicas a lembrar Earth Crisis e Turmoil, a banda contrasta essa dureza de cimento com um elemento vocal cantado e a libertar uma dose heroica de groove e triunfo. Com refrões irresistivelmente memoráveis que trazem à baila outros tantos nomes emblemáticos do crossover como Leeway, Life of Agony ou Cro-Mags, Grim Wisdom, em comparação com o protótipo da banda, é claramente um upgrade em tudo, mas é também uma concretização de ideias um pouco menos exageradas, muito mais sóbrias e equilibradas. Denotam-se combinações bem conseguidas no instrumental, com o peso a equilibrar a melodia na medida perfeita e sem recorrer ao erro fácil do abuso da mesma fórmula. Sem dúvida um nome a ter em atenção nos próximos tempos. - JMA
Baleia Baleia Baleia - Suicídio Comercial (Saliva Diva)
“O segredo está na simplicidade” seria um slogan sensacional para os Baleia Baleia Baleia, porque se há banda que o aplica de forma incrivelmente inteligente e eficaz, são eles. Neste segundo disco, lançado a 2 de fevereiro de 2022 (2-2-22, é tudo pensado ao pormenor), destila um conjunto de malhas acessíveis e diretas – rock sem merdas, portanto –, mas bem viciantes, daquelas que gradualmente espalham a sua magia sem sequer darmos por ela. Enfim, punk jovial mas “cuspido” com garra, em que linhas de baixo contagiantes unidas a uma bateria crua formam canções orelhudas, de tom jocoso mas a tocar sem medo na ferida aberta da decadência social. “Eu, só eu, mais eu”, cantam eles em “Egossistema”, remetendo logo para a era das redes sociais e o seu frequente egocentrismo; a sátira é, assim, pungente e atual. No fundo, é como se esse registo leve e brincalhão (mas que até consegue ser algo mordaz) servisse apenas para suavizar uma frustração a pedir para ser libertada. Uma necessidade de libertação igualmente visível, de resto, na energia destas canções que buscam refúgio nos palcos, conscientes de que é aí que vão ser verdadeiramente livres e soltas; nós não temos dúvidas. - JA
Black Country, New Road - Ants from Up There (Ninja Tune)
Seja pela força do contexto ou pelo poder da sugestão, a notícia da decisão de Isaac Wood preencheu o segundo disco dos Black Country, New Road de um agridoce melódico. Um tato folk revivalista encontra-se com o núcleo post-punk para dar bom-nome ao alternativo. Aqui vemos a distorção a dar espaço à harmonia, sem que lhe faltem os toques de dissonância ou estrondo entusiástico. A crueza do spoken word/prosa trémula volta-se para a melodia, mergulhada nos colapsos instrumentais que lhes são tendenciais, e a experiência de storytelling volta-se para dentro com a imersividade de dinâmicas viajantes. Os londrinos voltam a mostrar mais da sua singularidade e surpreendem novamente os seus ouvintes ao demarcarem ainda mais as características que nos agarraram em For the First Time. Às questões que se impõem só um novo disco dará resposta, mas vendo o que se tem visto, não haverão motivos para desconfiar de uma reinvenção da parte deles. - BF
Celeste - Assassine(s) (Nuclear Blast)
Vindo de uma linhagem artística e temática consolidada no casamento de black metal/post-hardcore aberto a novas experiências melódicas, o sexto álbum da quadra lionesa Celeste dá-se como um trabalho denso, tenso e modestamente extenso. Assassine(s) arranca de imediato com uma série de grooves que se diriam exibicionistas se, de facto, não combinassem tão bem com as cordas existencialmente abaladoras que lhes fazem frente em “Des torrents de coups”. Nada fora do invulgar, pois ao longo dos oito temas que nos chegam para assombrar a alma, não há escassez de paisagens que pareçam suspender a passagem do tempo porquanto da sua beatitude fria e plena. Poucos são os momentos em que paramos para respirar um pouco, porque, na verdade, apesar da intensidade constante do álbum – ornada por uma produção fundamentalmente mais vigorosa nos tons graves –, nunca sentimos nos ombros um peso tal que não se possa suportar durante toda a jornada. No entanto, o alívio surge num som que quer ser feio e belo, que vive nessa inconstância entre não pertencer inteiramente a qualquer dos lados desse espectro. “Draguée tout au fond” dedica a sua primeira metade a uma série de rajadas intermitentes e monocórdicas, mas desenvolve o segundo tempo para um vulto de riffs expansivos e serenos. Igualmente, também a faixa de encerramento “Le cœue noir charbon” expõe um começo ribombante e um termo de postura mais composta e alongada. A Assassine(s), pertence-lhe essa dualidade de vontades. - JG
deathcrash - Return (untitled recs.)
Ânsias e correrias, quem não se debate com elas? Aparentemente, os londrinos deathcrash. Em Return, a paz não é completamente estoica, mas está lá quase. A energia, à imagem do volume, é baixa, as vocalizações são essencialmente desprovidas de grandes indicadores emocionais, e também as partituras não parecem demonstrar qualquer prevalência de picos de expressividade. Assim é que no que toca ao post-rock, shoegaze, ou slowcore, não há outra coisa que se deva esperar. Não obstante, os momentos de verdadeira exaltação, poucos e distantes, ainda se vão acusando, e devendo-se a essa mesma esparsidade, quando os há, são sentidos com ímpeto acrescentado. Não surge sem aviso, no entanto, e pedra a pedra vai-se formulando o caminho que leva ao derradeiro estremecimento. Mas retirem-se essas elusivas ocorrências, e o que temos é um álbum que se verga perante uma indelével calma e compostura, que não se deixa cair em tentações de algo mais grandioso e excêntrico, até porque tal só viria adulterar o equilíbrio pelo qual tão meticulosamente se trabalhou. As dinâmicas entre as guitarras ferruginosas mas indiferentemente tranquilas, os crescendos paulatinos que eventualmente se metamorfoseiam diante do seu apogeu, e a fugacidade dos momentos mais aquecidos sugere que só há uma forma de retirarmos de Return todo o proveito que nos pode dar: há que escutar minuciosamente pela expansão e encolhimento de cada objeto, entender os modos como a contração de cada fragmento surge em prol do seguinte. - JG
Steve Vai - Inviolate (Favored Nations)
Não é fácil mantermo-nos no topo da destreza guitarrística com o passar dos anos, com as inovações técnicas, melódicas e criativas das gerações mais jovens. É arriscado dizer que Steve Vai pertence a uma elite de mágicos da guitarra sem igual, mas é a verdade. Com Inviolate, o sexagenário mestre das seis cordas reinventa-se e demonstra que está no topo do seu jogo e que ainda tem muita maravilha cordofónica para apresentar. Usando dificuldades anatómicas e lesões sérias como alimento para a composição criativa (veja-se o incrível vídeo de “Knappsack” com uma mão só), e experimentando mutações da guitarra de seis cordas (a fantástica Hydra, guitarra de três braços qual Cerberus do shred), o disco é incrível e deixa-nos desejosos de que o próximo não diste também outros seis anos. - PS
Artigo escrito por: Beatriz Fontes (BF), João “Mislow” Almeida (JMA), Jorge Alves (JA), José Garcia (JG) e Pedro Sarmento (PS).