Absent In Body - Plague God (Relapse)
Há cinco anos escutaram-se os primeiros sussurros, numa curiosa aparição na compilação The Abyss Stares Back, e agora surge a confirmação: Plague God é o álbum de estreia dos Absent In Body, projeto que une o lendário Scott Kelly (Neurosis) a Colin H. Van Eeckhout e Mathieu Vandekerckhove, ambos dos Amenra, ao qual se junta ainda a lenda absoluta que é Iggor Cavalera na bateria (Petbrick, Cavalera Conspiracy). E se faz sentido pensarmos que a sua presença serve apenas para adicionar um certo star power à coisa e fazer com que malta fora do metal experimental dê uma escutadela, a verdade é que as batidas certeiras e possantes do antigo baterista dos Sepultura injetam vida a estes temas. O que aqui temos é metal negro e sufocante, tétrica banda sonora do apocalipse iminente que se alimenta da escuridão para erguer monólitos de ruído decadente.“Sarin” é um exemplo disso, ali entre o sludge doentio e o industrial implacável – a agonia, juramos, vicia e arrepia. Já a dicotomia entre libertação catártica e melancolia shoegaze em “The Acres/The Ache” permite-nos respirar um pouco até que a intensidade doom infernal, gélida e magnificamente visceral da apoteótica “The Half Rising Man” nos conduz, uma última vez, ao inferno inebriante. - JA
Aldous Harding - Warm Chris (4AD)
À primeira audição, Warm Chris parece até difícil de digerir. Mas é essa mesma estranheza que dá ao novo disco de Aldous Harding a sua incrível singularidade agradável. Ao atribuir um tom psicadélico no meio do seu folk, Harding brinca com melodias que raramente passam pelos nossos ouvidos. Focadas no piano e na guitarra acústica, as suas músicas extravasam alegria desmedida enquanto disfarçam temas sérios e algumas das letras mais intensas da artista neozelandesa. E existe uma ironia precisamente nisso. É que Harding usa o seu humor para desenrolar temas dramáticos nas suas composições. Um exemplo nítido disso está em “Leathery Whip”, com a participação de Jason Williamson dos Sleaford Mods. E por ser tão estranhamente bom, somos constantemente surpreendidos pelos caminhos que uma música toma. Quer seja por um acorde num tom totalmente diferente ou por melodias lentas que viram tons extremamente rápidos e teatrais. Como se o disco fosse o resultado de uma mistura entre Kate Bush e Sufjan Stevens. Warm Chris é musicalmente rico, cheio de midtempos e, por vezes, um pouco experimental. Já a voz de Harding é, por si só, uma personagem neste campo de minas preciosas. - CN
billy woods - Aethiopes (Backwoodz)
billy woods tem vivido num estado constante de deformação e mutação criativa desde a sua chegada aos holofotes do hip hop underground. Tanto a solo como em colaborações com Moor Mother, The Alchemist ou Kenny Segal, ou sob Armand Hammer ao lado do seu parceiro ELUCID, woods tornou-se sinónimo de um status de culto graças a uma discografia amplamente celebrada e invejável. Com um percurso que sempre recusou repetições e encores, o rapper chega a 2022 com uma bagagem imensa e descarrega-a neste Aethiopes. Com uma produção que se opõe ao brilho cavernoso da história que billy tem vindo a alongar em passados discos, nesta colaboração com Preservation (Dr Yen Lo, Yasiin Bey) fecham-se os estores e alisa-se um pavimento sinistro de batidas. Ouvem-se máquinas, objetos, texturas, planos sonoros despidos de ritmo e que navegam numa névoa de desabafo, perfeitamente contextualizados nas cores e formas que Woods costuma trazer ao papel. Faixas como “No Hard Feelings”, “Haarlem (Fatboi Sharif)” e “Remorseless” ilustram essa arritmia com uma clareza transcendente, enquanto “Sauvage (ft. Boldy James & Gabe Nandez)”, “NYNEX (ft. ELUCID, Denmark Vessey & Quelle Chris)” e “Heavy Water (ft. Breeze Brewin & El-P)” salientam o torneamento orgânico das batidas, que acabam por ser tão bem conseguidas como as próprias featurings envolvidas. O resultado final é outro magnânimo capítulo deste visionário de Nova Iorque. - JMA
Deathspell Omega - The Long Defeat (NoEvDia)
Sem me prolongar demasiado acerca do assunto, Deathspell Omega é uma banda problemática. Não pelas letras, nem pela ideologia da própria música. Infelizmente, é-lo por quem compõe as gravações e por afiliações que não interessam nem ao menino Jesus. Recai a cada um decidir o peso que isso lhe terá na consciência, e só depois é que a música se desfocará do resto. The Long Defeat assinala o regresso inesperado de um dos nomes mais celebrados do black metal vanguardista. Fazendo justiça ao termo “força da natureza”, a música de Deathspell Omega sempre foi sísmica e desorientadora. Recorrendo sempre a uma autoanálise à futilidade do ser humano nos tempos modernos, é seguro dizer que o liricismo recai numa densidade tão ou mais embrutecedora do que a própria música. Este retorno abraça um par de premissas que podem vir a interessar aos fãs mais dedicados do projeto: não assinalo qualquer desconto nos pontos fortes da banda – tudo continua compacto, restringido, mas calculado e com execuções de precisão em força controlada; a musicalidade em melodia dilatou, e de que forma – denota-se uma mão cheia de momentos que se divorciam do pessimismo em forma de ensaio para se expandirem no triunfante e arejado; e por fim, um resultado final que merece e deve ser ouvido e reouvido incansavelmente. - JMA
Rosalía - Motomami (Columbia)
Encurralar Rosalía num quarto de paredes de pop e reggaeton de rádio é extremamente redutor. Contra tudo o que seria esperado, afastou-se do inglês e das músicas extremamente comerciais. Em vez disso, juntou géneros musicais latinos às mais diferentes influências. Aqui, tudo surge sem limites. Com mestria, incluiu free jazz e sintetizadores poderosos em “Saoko”, flamenco de raiz em “La Fama” (com The Weeknd) e “Búlerias”, reggaeton eletrónico com atmosferas indie-experimentais de James Blake em “Diablo”, salsa que lembra as grandes estrelas latinas, como Selina, em “Delirio de Grandeza”, baladas com letras extremamente sexuais e drones em “Hentai” e até linhas de baixo à la Pharrell (um dos produtores do álbum) em “Motomami”. Se “El Mal Querer” foi estudado até à exaustão e com um controlo total da sua história, seguimento e contexto, Motomami é um show de variedades em que Rosalía se candidata ao lugar de inovadora do ano, convidando-nos, finalmente, a ver toda a sua criatividade a velocidade máxima. No que diz ser o seu trabalho mais pessoal, Rosalía continua a ser o equilíbrio entre o clássico e o contemporâneo, sempre com uma gota de futurismo. E entre tanto experimentalismo com junções surpreendentes, cabe a Motomami ocupar o seu próprio género musical, já que este se sente a sair de todas as formas convencionais existentes. - CN
Sundowning - In the Light of Defeat, I Cease to Exist (Isolation)
Foi preciso uma década para que se quebrasse o silêncio, mas o retorno dos Sundowning não desapontou. Os anos lá foram passando, e com eles veio a crescer um som mais maduro e bem definido que se distancia das passagens abruptas, estrondosas e desordeiras do álbum de estreia Seizures of the World. Com In the Light of Defeat, I Cease to Exist, o coletivo de post-metal germânico assinala a sua devoção completa ao grandioso e ao expansivo. Na abertura ritualística à la Amenra de “Exits Don’t Exist/You Put a Leash on My Neck”, ouvimos de imediato uma marcha em passo lento, acompanhada pelas correntes que se arrastam no plano de fundo. Ressoa um canto de molde litúrgico que em breve se extingue sob a força indomável da instrumentação de dimensões supérfluas e, no entanto, aqui tão essenciais. Prossegue a caravana, e com ela a introspeção deliberada sobre o flagelo humano. O caminho é longo, mas eventualmente se conclui que todas as bifurcações e aparentes saídas conduzem a nada mais que becos, miragens de uma possível liberdade que se dissipa perante a escuridão que ameaça. Só quando defrontamos a faixa final, homónima do título do disco, é que se parecem aliviar as tensões, com melodias mais elucidativas. Mas até essas se revertem, em última instância, para a temática de esperança elusiva que sempre predominou. - JG
Artigo escrito por: Catarina Nascimento (CN), João “Mislow” Almeida (JMA), Jorge Alves (JA) e José Garcia (JG).