Amnesia Scanner - Another Life

Experimentalismo sem pudor e inovação para além do que esperaríamos encontrar num álbum de eletrónica. Os Amnesia Scanner elaboraram e apresentam um conceito em jeito de zeitgeist, transformando Another Life num álbum em jeito de banda sonora a aguardar um filme futurista o suficiente para o receber. Uma das experiências auditivas mais alucinantes e desafiantes de 2018.
Between the Buried and Me - Automata I & II

Os Between the Buried and Me não são de agora. Andam nisto há anos suficientes para que já fosse difícil causarem espanto e surpresa em quem escuta um trabalho novo. Mas não é. Álbum após álbum, tema após tema, os BTBAM surpreendem sempre. É vasto o leque de influências de que estes progressivos da Carolina do Norte se servem e cresceu um bocadinho mais com a dupla Automata I e Automata II. Trabalho conceptual dividido em dois, o álbum trata a temática da digitalização da consciência e da capacidade de broadcast do sonho individual. Do mais extremo gutural ao canto límpido, passando pela tentativa de avantgarde (“Voice of Trespass” é indubitavelmente um dos temas do ano dentro do género) e pela eletrónica, o quinteto não desilude nunca.
Bliss Signal - Bliss Signal

Bliss Signal é o novo projeto de electronic/synthwave de James Kelly (Altar Of Plagues, WIFE) e Mumdance. Apesar de curto (cerca de trinta minutos), o contributo preenche-se com uma sonoridade penetrada pelo peso das grandes linhas de baixo em estruturas decididamente expansivas. Existe um hábito para a antecipação com build-ups e uma constante sucessão de camadas, mas o desequilíbrio num só aspeto musical é virtualmente desnecessário para a dupla. Imaginando uma banda de black metal a compor as secções melódicas e com uma pista de dança a acompanhar, é conclusivo imaginar o ambient de Lustmord, os Boiler Rooms de Dax J e a progressão do Sunbather dos Deafheaven num só conjunto musical. Abismal.
Confidence Man - Confident Music for Confident People

Quando um grupo de estudantes de Belas Artes se junta para formar um projeto musical, esperamos logo experimentalismo e tentativas de vanguardismo. Ora, os australianos Confidence Man trocaram-nos as voltas atirando-se sem pudor ao dance-pop bubble gum, concretizando no seu disco de estreia um dos mais divertidos, despretensiosos e dançáveis álbuns de que há memória.
Craft - White Noise & Black Metal

Compostos por malta de Bloodbath, Hypothermia e outros, esta é uma banda que nunca fez questão de se promover em prol do marketing. Craft sempre fizeram e falaram o que lhes apetecia. Os astros alinharam-se novamente com o anúncio de que White Noise & Black Metal seria editado pela francesa Season Of Mist e é caso para dizer que este retorno em forma destaca Craft com grandes ideias. Sem receios de manusear um som com uma produção decente, estes fazem-se acompanhar por uma escrita refrescante e algo “moderna”. Sem falta de riffs monstruosos, blast beats e muito pessimismo, está punk, fulo e preparado para invadir.
Daughters - You Won’t Get What You Want

A meio do ano, ninguém estava à espera do retorno dos Daughters, mas uns meses depois, já é contraditório inseri-los no underground com um álbum tão aclamado como este. You Won’t Get What You Want sabe o que o ouvinte quer mas decide o contrário. O álbum cospe, vem-se, chora e cede à brutalidade da realidade em forma de assalto verbal. A produção central emoldura algumas das características mais emblemáticas do disco, tal como a disposição de camadas na escrita e as letras brutalmente sinceras e pessoais. Faixas como “Satan In The Wait”, “The Lords Song” e “Less Sex” são exemplos de como o conteúdo lírico consegue ser tão fulcral e indispensável como o aspecto sonoro da banda.
Fórn - Rites Of Despair

FÓRN está finalmente de volta com um segundo disco. A banda sabe claramente qual o som que procura, alcançam alturas abismais ao invocar funeral doom com a densidade e sujidade do sludge, enquanto colocam o peso das guitarras e o lamaçal da bateria nas fileiras da frente. No entanto, o que é que os destaca do resto? A estética, a escrita e a tendência para vastos refrões, coloridos e imersos em distorção triunfal. O reverb é indispensável mas é o contraste entre as guitarras e os cavernosos growls que torna a banda absurdamente pesada. Rites Of Despair destaca tudo isso, enquanto sublinha uma banda a ganhar gosto, maturidade e apreciação pela progressão e por riffs cativantes. A atmosfera é igualmente importante e não há falta disso neste álbum.
IDLES - Joy as an Act of Resistance

Ser uma banda punk e atestar que não se é levanta algumas questões. Lança a dúvida a pairar no ar. Deixa-nos a pensar no que é ser ou não ser punk. Mas depois de um pouco de pensamento, embalado pela audição de Joy as an Act of Resistance, chega-se a uma conclusão: a questão é fútil, isso não interessa para nada. O álbum é uma obra de arte, daquelas de museu mas com uma utilidade mais prática, entre o belo e o engenhoso, que merece ser adorada mas que ao mesmo tempo apetece bater e magoar, que desperta a vontade de apaparicar e ao mesmo tempo de gritar furiosamente com.
Imperial Triumphant - Vile Luxury

Vile Luxury é uma ode a Nova Iorque. Uma cidade crivada pela corrupção, opulência, ostentação e pelo mais baixo do apodrecido esgoto humano. Para além de adorarem Metropolis (Fritz Lang), o trio encontra a sua chama no jazz de Davis, Evans, Monk, etc. Ironicamente, Imperial Triumphant é também um dos projetos mais ambiciosos da nova vaga de metal extremo de NYC. Eles desenham death metal difundido por black, com as tonalidades mais indecentes que se encontram por aí. Com isso e com o seu au naturel para improvisação, o trio confina-se numa estética absoluta muito graças à textura e projeção de ambience dos sopros e teclas.
Jesus Piece - Only Self

Only Self é a estreia em álbum dos Jesus Piece de Philadelphia. Este é um testamento, puro e duro, ao metallic hardcore dos anos 90. Primal, violento e uma instantânea agressão à integridade física de qualquer ouvinte. Com a ajuda de riffs orelhudos, linhas de baixo justíssimas e uma secção rítmica absurda, nesta meia hora de tareia, tanto o corpo como a mente humana são alvos de contestação. Não bastando a animosidade do som geral, é nas letras que se observa a real natureza da banda. Palavras de afronta à corrupção política, à narrativa racista e à cegueira consumista. A primeira metade de Only Self encarrega energia em forma de blast beats, breakdowns, pedal duplo e um discurso de protesto inconsequente. Na segunda metade, a banda encarna uma lentidão mastigada e enlameada de peso transcendente de sludge e doom.
Messa - Feast For Water

Os italianos Messa são um dos jovens projetos mais interessantes da atualidade. Desde a sua impressionante estreia independente Bellfry que têm demonstrado o seu doom teatral, emotivo e invocativo. Este ano, promovem o seu segundo lançamento Feast For Water, que vê a banda de Cittadella não só a solidificar a sua estética, como a sua própria pronúncia do doom. O álbum é pesado, doce e repleto de texturas e pequenas subtilezas que se fazem sentir cada vez mais com cada audição. O quarteto conjuga uma narrativa densa e algo “arcaica”, sempre movida pelas forças da natureza, enquanto elementos de jazz e gospel mergulham em algumas das mais robustas faixas com teclas de piano e sopros de saxophone. Uma tour de force de densidade, timbre e muita entrega.
Mitski - Be The Cowboy

A japonesa-americana tem vivido épocas de tremenda inspiração. Se no anterior Puberty 2 se ouvia as suas capacidades vocais explorarem novas dimensões, em Be The Cowboy, Mitski consagra as suas capacidades de composição, elevando e diminuindo ao mesmo tempo a desilusão e a perda amorosa. Resolvida consigo mesma, poucos canto-autores conseguem a proeza de em pouco mais de dois minutos concretizar na perfeição aquilo que têm para dizer, o que faz deste álbum um dos mais interessantes, empáticos e deliciosos deste ano de 2018.
Mythic Sunship - Upheaval

Lentamente a tornarem-se um dos grandes nomes a originar da cena nórdica de psychedelic rock, os dinamarqueses Mythic Sunship estão a redobrar a visão em 2018. Para além do Another Shape Of Psychedelic Music que lançaram em setembro, o quarteto lançou ainda no início do ano, o LP Upheaval. Porquê a preferência a este? A escrita é maleável, fluída, e promove uma estrutura evidentemente transversal, linear e bem elaborada. As transições entre secções de tonalidade pesada e explosões espaciais, passam tão despercebidas ao ponto do ouvinte nem sentir a progressiva mudança de compassos. Mas acima de tudo isto, o álbum é viciante e hipnotizante.
Nothing – Dance on the Blacktop

Depois de Guilty of Everything e Tired of Tomorrow, os norte-americanos Nothing regressaram em 2018 com Dance on the Blacktop, o terceiro capítulo de uma das mais excitantes aventuras musicais da presente década e mais uma prova do impressionante talento do grupo de Filadélfia. Mantendo-se fiéis à sua fórmula onde o shoegaze, o post-hardcore e o emo convivem harmoniosamente, os Nothing oferecem aqui nove composições emocionalmente densas e sonicamente poderosas, que partem da introspecção em busca de uma indispensável libertação catártica. Uma obra tão bela quanto avassaladora, criada por um grupo que sabe bem o que quer ser e como sê-lo.
Sleep - The Sciences

Sleep têm renome suficiente para dispensarem grandes introduções. Há que sublinhar o quão importantes são para o stoner, apesar de Holy Mountain e Dopesmoker só terem alcançado status lendário há pouco mais de cinco anos atrás. Desde que voltaram ao ativo, têm-se sustentado muito com digressões em peso, mas em 2018, a banda retorna à apresentação em estúdio, pela primeira vez em nove anos, com The Sciences. Não demorou muito tempo até o álbum ser geralmente recebido com euforia e êxtase instantâneo, o que pode encarregar duas coisas importantes para qualquer ouvinte da banda: a permanência mais prolongada do grupo no ativo; e mais riffs e riffs, que somente o mestre Matt Pike consegue emoldurar. Al Cisneros continua também em grande forma vocal e pleno de ideias no baixo. Apesar de algumas faixas já estarem compostas há anos, sabe bem sentir o poderio de uns Sleep revigorados em pleno 2018.
Sons of Kemet - Your Queen is a Reptile

Em Your Queen is a Reptile, os britânicos Sons of Kemet demosntram como o jazz ainda está vivo e vai para lá das sonoridades que têm sido disseminadas por figuras mais populares como o caso de Kamasi Washington, BADBADNOTGOOD, ou Thundercat. A alma negra e a cultura africana dominam as notas, sendo que numa clara homenagem ao poder da mulher, celebram e gritam sons de liberdade.
Svartidauði - Revelations Of The Red Sword

Na Islândia, o black metal está mais forte do que nunca. Nomes como Misþyrming, Wormlust e Naðra são alguns dos mais sonantes da cena local, mas este ano, o foco está na força na vital de Svartidauði. O quarteto tem por hábito liquidificar alguns elementos mais avant-garde com as virtuosas fachadas mais melódicas do estilo, mas neste novo álbum, a melodia ganha uma nova direção. De início ao fim, observa-se um black metal esmagador a emoldurar uma procura pela pródiga melodia, ritualística, barroca e muitas vezes triunfal. O vigamento cavernoso de todos os registos, sem exceção, sublinham porque é que Svartidauði é um dos grandes motivos para acompanhar a cena islandesa. Não é justo ver um álbum de tanto calibre ser lançado nos últimos meses do calendário e sujeito ao esquecimento deste, mas seria muito injusto não considerá-lo entre os grandes fenómenos do ano.
The Ocean - Phanerozoic I: Palaeozoic

Para os menos atentos é conveniente relembrar que se passaram uns duros cinco anos desde o lançamento do colossal Pelagial, criação incontornável para todos os fãs das sonoridades progressivas mais recentes. A fasquia não podia estar mais elevada, mas Phanerozoic I, a primeira de duas partes que abrangem o período geológico responsável pelas maiores extinções biológicas de sempre, apresentou-se mais do que à altura. Fá-lo brilhantemente desde o primeiro momento, com claras referências melódicas a outros trabalhos seminais da banda (Precambrian), com convidados escolhidos a dedo (Jonas Renkse dos Katatonia), e com o seu estilo característico a soar tanto a fresco como a clássico. Aguardemos pela segunda parte e, entretanto, devoremos a primeira.
Yob - Our Raw Heart

Quem estiver familiarizado com os últimos dois/três anos de Mike Scheidt, saberá valorizar o simbolismo e valor que Our Raw Heart representa. Resumidamente, para quem não estiver a par, Mike teve de lidar com uma doença intestinal que lhe tirou anos de vida. Nem sempre foi intenso, mas nos últimos anos, as convulsões de dor começaram a ser habituais. De tal forma que, para evitar negligenciar a doença e a sua própria vida, teve de colocar a sua carreira em pausa. Este álbum simboliza a catarse na submissão à dor durante o seu tempo de internamento, a recuperação, a cura e a auto-descoberta em tudo isto. Our Raw Heart é mais do que um álbum pesado e emotivo. Transcende essas descrições quando na sua própria arquitetura vemos a alma e o coração de Mike em aberto como se de uma cirurgia tratasse.
Yves Tumor- Safe in the Hands of Love

Yves Tumor, alter-ego de Sean Bowie, habita o universo da música experimental, mas vai muito mais além da mera exploração desenfreada de sons pouco convencionais. No seu mais recente álbum, sucessor do aclamado Serpent Music, há noise mas também ambient ou R&B; há ruído e melodia, luz e escuridão, numa obra onde cada contraste é um passo em direcção à coesão. Confuso? Talvez, mas Yves Tumor sempre se assumiu como um artista pouco ortodoxo, sendo precisamente essa singularidade que faz dele um dos nomes mais entusiasmantes do experimentalismo sonoro contemporâneo.