Alcest - Spiritual Instinct

Spiritual Instinct é mais uma criação sublime do léxico musical de Neige e Winterhalter. Os franceses retornam com o seu blackgaze de marca, continuando o trabalho de empilhar trabalho genial após trabalho genial. Com os nomes dos autores tão próximos da semântica do frio e do clima invernoso, é de admirar o quão quente e convidativo se revela Spiritual Instinct, juntando-lhe a particularidade de ser uma obra que se aprecia plenamente tanto ao tomar um chá quente na paz do lar, como a rodopiar em mosh violento.
Angel Olsen - All Mirrors

O amadurecimento de Angel Olsen fez com que esta fizesse canções intemporais com a ajuda de uma orquestra arrojada e letras tanto otimistas como conscientes de si mesma. Sem sombra de dúvida, o melhor de Olsen num álbum que mostra o quão recompensador é estarmos à mercê da nossa verdade e do reflexo dos nossos sentimentos. Habituados a uma escrita que nos conecta ao nosso lado mais frágil, este disco reafirma o poder de uma pessoa que se quer reencontrar, recusando ser definida pelas suas relações. All Mirrors é folk com um toque de sintetizadores e uma produção com mais camadas com a ajuda de John Congleton dos The Paper Chase.
Big|Brave - A Gaze Among Them

Depois da recente entrevista e do destaque no overall de maio, é justo dizer que sete meses depois do seu lançamento, A Gaze Among Them dificilmente saiu do radar do seu público. É um disco tão curto como de memorável e, apesar de nem chegar aos 40 minutos reprodução, toda a sua composição de guitarras e vozes pela dupla de Robin Wattie e Mathieu Ball passam como um sonho lúcido de cadência, ritmos espaçados, secções atmosféricas, sintetizadores e até mesmo pesadíssimas descargas de distorção. O contraste sente-se de forma constante até ao seu triunfante final, ditado pela memorável “Sibling”. Quanto mais cedo acaba, mais cedo se repete, e este é daqueles que dá gosto ouvir de novo e de novo.
Black Midi - Schlagenheim

Sonoros refrescantes são cada vez mais difíceis de encontrar nos dias de hoje. Surpreendentemente, os londrinos Black Midi parecem ter encontrado a resposta certa com uma re-personificação do espírito animal de Slint e Fugazi, o que por sua vez resultou numa das estreias mais inovadoras e enérgicas destes últimos anos. Schlagenheim eleva-se como uma pintura abstrata, colorida e recheada de texturas, sentindo-se as pinceladas como uma reflexão imediata no complexo de post-hardcore, jazz, indie, noise rock e math rock. Um disco memorável que não deve ser ignorado, por seja quem for.
Brutus - Nest

À primeira passagem por Nest, muitos podem-se esquecer ou subestimar que a espinha dorsal dos Brutus está claramente enraizada no hardcore punk. As descargas de energia encontram um balanço perfeito com as secções mais emotivas e introspectivas do disco. Mas uma coisa que se eleva acima de todos esses aspetos, é como a banda, de forma funcional e humana, consegue transmitir todas as fragilidades e triunfos numa só sólida e memorável soundtrack. Sendo este um disco conceptual ou não, as faixas interligam-se como um único fio condutor, e de forma elegante captam a atenção do ouvinte com composições estupidamente bem conseguidas e concluídas.
Cult Of Luna - A Dawn To Fear

Nos dias de hoje, os suecos Cult Of Luna são uma identidade que não precisa de exigir respeito. É automaticamente demonstrado pelos colossos lançamentos testemunhados no passado. Entre a colaboração com Julie Christmas em Mariner, ou o grandioso Vertikal, contam-se pelos dedos os enormes discos que a banda tem lançado. A Dawn To Fear é uma reafirmação por parte da banda, de que as ideias, a inspiração e toda a motivação previamente sentida em passadas contribuições, continuam mais fortes do que nunca. Seja o carácter na melodia ou a absoluta imensidão na composição total, este é um disco que merece ser testemunhado de início ao fim, como se de um filme tratasse.
Elizabeth Colour Wheel - Nocebo

É engraçado como por vezes se encontram pérolas intemporais dos sítios mais obscuros e/ou desconhecidos. Falou-se neste disco no início do ano, e foi notável como os multi-culturais, multifacetados, multi-tudo, Elizabeth Colour Wheel cresceram em conformidade com a qualidade do seu disco de estreia Nocebo. Emotivo, catártico, é justo dizer que a alma pesa num disco destes. A brilhante performance de Lane Oshi ao lado de uma banda com visão e sentido de progresso, brindam momentos de puro génio em faixas como “Pink Palm”, “23”, “Life Of A Flower” e “Hide Behind”, onde temas como identidade, cultura, depressão e ansiedade surgem recorrentemente. É impossível categorizar o som, mas também não há nada melhor do que ouvir para ficar a conhecer.
Florist - Emily Alone

Emily Alone merece logo a nossa admiração e relevo por se tratar de um álbum todo ele produzido e gravado pelo próprio músico. Depois de uma separação e de uma morte, Florist tenta ganhar espaço no coração do ouvinte, de música para música, com uma delicadeza e sensação de intimidade como há muito já não se ouvia dentro do género. A crueza da sua circunstância concede-lhe uma beleza sui generis e uma autenticidade emotiva que não passa indiferente a quem ouve. Emily Alone é um álbum quase corpóreo, um amigo de longa data há muito não visto que nos re-encontra e, sem precisar de introdução ou de rebot, coloca-nos a par de tudo o que tem acontecido até então.
Fontaines D.C. - Dogrel

O álbum de estreia dos Fontaines D.C. entrega tudo aquilo que se esperava da banda e muito mais. A energia live que já lhes era conhecida é transportada perfeitamente para as versões de estúdio, consagrando-lhes dimensão e corpo, mas sem perder a pujança crua inerente à banda. O tempo de fermentação de Dogrel permitiu aprimorar as influências sonoras de The Strokes a Joy Division, e fazer delas uma identidade própria. Tudo isto aliado a uma qualidade de escrita soberba, fazem deste um dos melhores álbuns do ano.
Full Of Hell - Weeping Choir

Estes norte americanos Full Of Hell são um forte candidato às bandas da década. Além do memorável e catalisador Trumpeting Ecstasy, contando ainda com as duas colaborações com The Body, mais a contribuição com Merzbow e uma mão cheia de EPs e splits, o quarteto tem sido uma das grandes forças da música extrema nos EUA. Weeping Choir é a estreia do grupo na Relapse e é simultaneamente um disco gémeo do seu antecessor. Igualmente feroz, impiedoso e cáustico, Weeping Choir encontra pontos cruciais como a avassaladora “Thundering Hammers”, a industrial “Angels Gather Here” e a épica “Armory Of Obsidian Glass” para se superar em relação a toda a discografia da banda. Um inquestionável opus.
Inter Arma - Sulphur English

Este é um daqueles casos em que a capa do álbum retrata na perfeição aquilo que se vai passar: a sensação de se assistir ao mundo a desmoronar. É certamente o trabalho mais pesado, mais sombrio, mais destrutivo, mais opressivo, mais convincentemente apocalíptico que os Inter Arma já conseguiram produzir. Tão pesado e tão barulhento que cada nota parece um planeta a morrer. Um disco em que o ouvinte é completamente engolido pelo vazio. Começa pesado e à medida que se vai desenrolando, mais pesado fica. O início é quase tribal e hipnótico, dando a sensação desesperante de se estar a entrar num campo de minas e não se saber onde elas estão. O ponto médio é onde a destruição está a acontecer e, quando se chega à segunda metade, tudo está desfeito em pó e escombros. Um longo e épico desaparecimento em câmera lenta de toda a vida.
Jamila Woods - Legacy! Legacy!

Legacy! Legacy! não só é um excelente álbum, como um catecismo do empoderamento humano. Versado e homenageando a diáspora Africana, Jamila Woods tem aqui o seu salto para os zum-zums da cena musical. Explora as sonoridades musicais da mesma forma que a temática das suas letras: sem barreiras. Em Legacy! Legacy!, Woods, viaja entre as bases do R&B e do Soul, criando uma identidade muito própria e coesa, fazendo dela um nome a seguir com atenção.
King Gizzard & the Lizard Wizard - Infest the Rats' Nest

Os King Gizzard & The Lizard Wizard são pessoas com dente afiado para álbuns conceptuais fortes e afetos à escolha entre diferentes sabores de géneros musicais. Depois de quinze álbuns de diversidade bem-sucedida, já não é surpreendente quando a banda se compromete com algo mais arriscado e Infest the Rats’ Nest assinala ainda mais o contraste: produção old school com uma sonoridade metálica de pedalada a lembrar Motörhead e uma temática Voivod. Uma bateria industrial compacta e o indispensável tapping com thrash bem chapado desde início. Os King Gizzard & The Lizard Wizard apropriam e dilatam géneros musicais que em primeira mão poderiam ser vistos enquanto áreas interditas, conseguindo ainda fazê-lo de forma a suplementar a restante discografia.
Knocked Loose - A Different Shade Of Blue

Aqui está a banda que ao lado de nomes como Code Orange, Counterparts e companhia, eleva a tocha para a nova geração de metalcore. Se os primeiros discos Pop Culture e o reconhecidíssimo Laugh Tracks não bastaram para antever esse destino, certamente que este nova sombra de azul fará toda a diferença. Cativando agora um público mais amplo sem sacrificar qualquer aspeto que define a banda, é imprescindível perceber que este é o ponto de viragem da banda. O ponto que os colocará em palcos maiores e em públicos mais avassaladores. E sendo uma das bandas de hardcore que mais trabalha na atualidade, é nada mais nada menos, do que merecido.
Lingua Ignota - Caligula

Depois de memoráveis aparições no Roadburn, Levitation, Soulcrusher, Basilica Soundscape, mais as tours pelas Europa e EUA com Daughters, Author & Punisher, Amenra e por aí a fora, é justo dizer que este tem sido um ano para não esquecer para Lingua Ignota. Não bastando que em 2020 será Artista em Residência juntamente com Full Of Hell no próximo Roadburn, Kristin termina 2019 de cabeça erguida. Caligula foi não só uma afirmação, como uma confirmação de toda a legitimidade e reconhecimento que Lingua tem lutado para conseguir. O disco, servindo como grito de guerra blindado por uma intensa arquitetura de estética barroca, industrial e independente, mostra todo o potencial nesta nova cara na cena musical underground.
Maxo Kream - Brandon Banks

Quem acha que o Hip Hop não passa de ostentação e frases batidas, precisa urgentemente de ouvir Brandon Banks de Maxo Kream. A figura do lobo solitário dá agora lugar a um homem amadurecido e seguro de si e das suas emoções. Sem vergonha em cantar o coração, é nos aberto um diário apaixonante, cuja maturidade e imparcialidade de análise, cria uma automática sensação de empatia. As composições minimalistas, com as instrumentalizações certas são o contrabalanço certo para que o beat não se sobreponha à história e vice versa. Brandon Banks é uma onda de água fresca num género saturado.
Michael Kiwanuka - Kiwanuka

Foi necessário Danger Mouse agarrar no talento bruto de Michael Kiwanuka para percebermos o que andamos a perder todo este tempo. Ao terceiro álbum, o cantor agarra-nos para um Universo absurdamente belo, poético, e de emoção concentrada. Podemos dividir Kiwanuka em dois momentos, um enérgico e introdutório as vísceras do ser humano, um outro negro e aconchegante, todos eles intensos e apaixonados. Todas as músicas aqui presentes soam completas, fluídas, clássicas e refrescantes. Um álbum que não hesitamos em classificar de intemporal.
Nick Cave & The Bad Seeds - Ghosteen

Ouvir Ghosteen é ouvir a alma destroçada mas esperançosa de Nick Cave. Um álbum que toca na nossa debilidade com a morte e com o que esta traz. Cave traçou um caminho para caminharmos com ele enquanto este tenta encontrar sentido na sua existência depois da morte do filho Arthur. É um disco para se ouvir com calma e tempo, respeitando o luto de um dos mais completos escritores e permitindo-nos chegar à aceitação dos nossos medos no vazio da perda. Ghosteen será sempre lembrado como o perfecionismo na melancolia e instrumentais transcendentes de um afterlife que nunca iremos compreender.
Pile - Green and Gray

Com uma profundidade atmosférica imensa, os Pile garantiram que Green and Gray marcasse um patamar melódico na sua carreira. O quarto álbum de originais da banda de Boston incorporou mais orquestra, mais distorção e mais poder. É protesto e revolta adolescente com a madurez na composição musical que, a meio, liga um switch para a reflexão sentimental. Facilmente identificáveis como “a banda favorita da vossa banda favorita”, ainda é preciso muitos descobrirem a complexidade de Pile, que neste álbum são imprevisíveis, passando da agressividade do post punk para a serenidade dos blues, mudando rapidamente de ritmos e géneros. “Firewood” e “On a Bigger Screen” mostram isso mesmo – que os Pile mantêm-se a par de letras marcantes e de um som que reconhecemos mas sem comparação possível.
Sunn O))) - Life Metal

Os seguidores da dupla de Greg Anderson e Stephen O’ Malley estão já por esta altura habituados à longa espera entre discos. Apesar do último, Kannon, que demorou cerca de seis anos a chegar depois do seu antecessor, não ter entregue metade do poderio que Monoliths & Dimensions deixou, a expectativa para novos trabalhos por parte de Sunn O))) é sempre alta. A campanha de marketing que acompanhou Life Metal viu-se justificada por todo o seu resultado final. Enquanto produzido por (none other) Steve Albini, com uma filosofia de som, tom e textura, completamente diferente do que até aqui se tem visto da dupla, seria um understatement entender que este disco é sem dúvida o mais diferente de toda a discografia. A sua cor, vitalidade e moldura sobrenatural, colocam-no como um dos incontestáveis discos do ano.
The Comet is Coming - Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery

Formados em Londres - a capital da nova cena jazz eletrónica -, os The Comet is Coming são a supernova da música impossível de ignorar. Exploradores natos de uma sonoridade espacial, a surpresa constante nas músicas do trio é eletrizante e magnetizante. É imperativo movermo-nos ao som de um saxofone tão afiado que se sente como uma improvisação que nos permite apreciar a beleza do free jazz. Os reverbs sintetizadores profundos e a bateria que se adapta perfeitamente às mudanças sonoras contribuem para aprimorar a explosão eletrónica que nos oferecem neste segundo album de originais. “Summon The Fire” é a prova disto tudo, provando o fator transcendental do grupo. Existe a ligação ideal em “Blood of the Past”, com instrumentais agressivos que acompanham a assertividade da letra de Kate Tempest.
The Devil and the Almighty Blues - Tre

Os nórdicos The Devil and the Almighty Blues regressaram em 2019 com o seu terceiro disco, Tre, assumindo-se como o mais maduro e cativante registo até à data. Alicerçado num blues rock arrastado e lamacento, a banda norueguesa apresenta neste trabalho uma atmosfera escura, construindo paisagens envolventes e um mantra hipnotizante. Destaque ainda para as guitarras deste álbum, capazes de facilmente enfeitiçar a alma ao ouvinte.
The Menzingers - Hello Exile

Depois de obras sublimes como On the Impossible Past (2012) ou After the Party (2017), a fasquia estava elevada para os Menzingers, e a banda de Filadélfia, não superando as expectativas, conseguiu manter o nível elevado. Hello Exile é um trabalho distinto dos anteriores, no geral tem uma toada mais lenta do que a intensidade já habitual da banda, entrando numa atmosfera algo Springsteeniana. Mas esta faceta é largamente balanceada pelo crescimento e maturação da qualidade lírica que apresentam neste álbum, como são caso “London Drugs” e “Farewell Youth”, constituindo provavelmente o melhor final de disco da discografia. Já “Strangers Forever”, “Anna” e “America (You’re Freaking Me Out)” são hits instantâneos, sendo adições perfeitas ao já grande arsenal de enormes canções escritas pelos Menzingers.
Waste Of Space Orchestra - Syntheosis

Imaginar uma colaboração entre os finlandeses Dark Buddha Rising e Oranssi Pazuzu é algo de puramente divino, especialmente para quem obteve a felicidade de o testemunhar em primeira mão no Roadburn de 2018. Posteriormente surgiu a notícia de que haveria uma materialização dessa colaboração em forma de lançamento por parte da compatriota Svart Records. O resultado final, designado por Syntheosis, brindou 2019 com uma química nunca antes vista. Este pode muito bem ter-se afirmado como uma colaboração, mas a sua natureza, os seus highlights (que foram constantes e notáveis) e a sua ritualística moldura, presenciaram o nascimento de uma identidade nova e singular. Waste Of Space Orchestra é um milagre que não deve ser subestimado.
Weyes Blood - Titanic Rising

O quarto disco de originais de Natalie Mering mergulha-nos na imensidão das emoções. Titanic Rising apresenta-nos uma viagem cósmica que ultrapassa o tempo e o espaço e desenterra uma beleza e profundidade incondicional nas letras arquitetadas por Mering. É um álbum para se ouvir sempre do início ao fim, com a certeza que nos iremos imergir cada vez mais a cada audição. Tem o tom alegre da aceitação da maturidade, do desenvolvimento da sua personalidade e de um passado cheio de inocência sobre o mundo. Com uma complexidade nas suas composições, todas as músicas parecem chegar a patamares épicos com a voz angelical de Natalie que nos fala ao ouvido.