Ball - Like You Are… I Once Was… Like I Am – You Will Never Be (Horny/Subliminal Sounds)
Este segundo álbum dos suecos ostenta um bélico, vigoroso, gorduroso e diabólico hard rock de roupagem vintage, ensopado num efervescente, enérgico, vulcânico e erodente heavy psych de bruma psicotrópica, e atemorizado por um ritualístico, enfeitiçante, horripilante e enigmático proto-metal de galope revivalista e adoração ocultista. A sua sonoridade fumegante, acrimónia e narcotizante é regada a diluviana lava incandescente, e emporcalhada pelo borbulhante, abrasado e intoxicante efeito fuzz. Escaldem-se e profanem-se neste sarcófago em constante ebulição, e banhem-se no violento negrume que o assombra. Um dos meus registos favoritos do presente ano está aqui: na demoníaca combustão deflagrada por um álbum que aos meus ouvidos resvala nas fronteiras da perfeição. - NT
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Bardino - Centelha (Saliva Diva)
Lançado pela Saliva Diva, o primeiro longa-duração dos Bardino vê o grupo portuense a afastar-se consideravelmente do tom mais rockeiro de outros tempos, uma mudança claramente motivada pela ausência de guitarra na renovada formação do trio (apenas em três das nove músicas ouvimos o referido instrumento), mas nunca abandonando a herança progressiva que sempre o caracterizou. E se esta descrição faz com que pareçam mais “pobres”, na verdade o oposto aconteceu – souberam enriquecer a sua sonoridade adaptando-se a uma nova realidade e encontrando diferentes formas de compor, existir e sobreviver. Agora o baixo ganha outra dimensão e importância, enquanto que os teclados/sintetizadores, apoiados por uma forte e precisa bateria, dão cor a este conjunto de canções guiadas pela paixão que delas brota como água a escorrer de uma fonte. Profundamente visual, sofisticado sem sacrificar a libertação de energia desenfreada e com espaço para sedutoras melodias urbanas de forte inspiração jazz ou livres explorações eletrónicas, Centelha é um dos mais impressionantes e inteligentes discos nacionais do ano. - JA
Bright Eyes - Down in the Weeds, Where the World Once Was (Dead Oceans)
Tivemos de esperar nove anos por um novo álbum de Bright Eyes, mas essa longa espera foi recompensada com um inspirado e triunfal regresso por parte da banda de Conor Oberst, determinada em reacender uma chama que outrora ardeu com uma força admirável. Há aqui elementos orquestrais majestosos e doses saudáveis de experimentalismo, mas o que realmente sobressai, o que nos fica na memória e no coração, é a enorme sensibilidade pop que ilumina o disco, porque este é, não haja dúvidas, um álbum de canções; canções emotivas e íntimas, mas também sumptuosas, grandiosas, dominadas por uma paixão que se solta por não poder ser contida. Canções cantadas por um Conor que outrora romantizava intensamente a sua visão da morte e agora aborda-a com o peso de já ter lidado diretamente com ela (o irmão Matt foi encontrado morto em 2016), e ao qual Flea (o carismático baixista de Red Hot Chili Peppers) e Jon Theodore (ex-The Mars Volta e atual baterista dos Queens of the Stone Age) se juntam para temperar as músicas com o toque mágico de uma esplêndida secção rítmica. - JA
Decoherence - Unitarity (Sentient Ruin)
Nem um ano volvido após o lançamento do muito bem recebido Ekpyrosis (mencionado no Overall de novembro), os britânicos Decoherence retornam com o seu segundo álbum de originais, intitulado Unitarity. Um esforço que marca a continuidade da banda nesta nova vaga de black metal moderno. Mesmo promulgando ideias que surgem mais do que fiéis ao black que Emperor, Mayhem e Satyricon tocavam sob o movimento do norwegian black metal, Decoherence usa a filosofia da expansão para guiar a sua frequência e abrasividade por remansos cósmicos à procura não das respostas, mas das perguntas certas. Progredindo de forma épica e avassaladora, Unitarity pode muito bem ser uma das ofertas mais interessantes no catálogo da Sentient Ruin. - JMA
Ellis/Munk Ensemble - San Diego Sessions (El Paraiso)
Depois de uma travessia transatlântica com origem na Dinamarca e destino na idiossincrática cidade de San Diego (Califórnia, EUA) – a consumada Shangri-La do heavy psychedelic rock – o conceituado músico nórdico Jonas Munk (Causa Sui) decidira liderar e timonar na honrosa companhia do influente Brian Ellis (Astra) toda uma populosa tripulação de consagrados músicos locais, provenientes de renomadas bandas como Radio Moscow, Sacri Monti, Monarch, Psicomagia, Astra e Ocelot, numa auspiciosa mas gloriosa odisseia musical. De âncora recolhida, velas içadas e bússolas apontadas a um aventuroso, eloquente, irreverente e engenhoso avant-garde jazz envolvido e revolvido num criativo, dançante, contagiante e expressivo progressive rock regados a um sumarento psicadelismo Woodstockeano e a um exótico experimentalismo sem fronteiras que o espartilhem, San Diego Sessions representa uma carnavalesca conferência brilhantemente musicada por talentosos músicos de almas aparentadas que me dilatara as pupilas, salivara os ouvidos e enfeitiçara a alma do primeiro ao último tema. - NT
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Expander - Neuropunk Boostergang (Profound Lore)
Neuropunk Boostergang surge como um dos grandes fenómenos do metal underground do ano, não bastando demonstrar desde o início selos de alta qualidade: Kurt Ballou (Converge) na produção, art-cover pulsante por Luca Carey, e tudo isto em estreia pela Profound Lore Records. O segundo álbum dos Expander apresenta-se como o primeiro de thrash na editora canadiana. Por sua vez, após o primeiríssimo mergulho no mundo de Neuropunk Boostergang, rapidamente nos apercebemos do quão redundante “thrash” se torna num título destes. Com muito mérito por parte do quarteto texano, o sonoro é angular, futurista, abrasivo e impiedoso. Mesmo namorando elementos de hardcore punk e crossover, como as cavalgadas de riffs, circle pits de pedal duplo e tudo mais, a tonalidade, a estética e toda a crueza da química da banda contribuem para uma digna expansão de géneros e termos, que fazem bem mais justiça ao talento do que somente “thrash”. - JMA
Hymn - Breach Us (Fysisk Format)
Antes de mergulhar no montanhoso retorno da dupla norueguesa Hymn, é-se necessária a referência a um grande artigo que os nossos amigos na Música em DX lançaram há uns tempos, onde se sublinhou a indomável força da natureza que as duplas se tornaram na música. Hymn, composto por Markus e Ole, ambos caras atuais dos Sâver e antigos membros dos Tombstones, promovem a ideia de que menos é mais. Já o havendo destacado no seu disco de estreia, Perish, a dupla aproveita este seu projeto paralelo para compor enormíssimas paredes sonoras de distorção, cadência e volume. Apesar de chegar três anos após o seu antecessor, Breach Us não destaca grandes mudanças sonoras; no entanto, a banda avança numa missão de build-up, envolvimento e desenvolvimento. As quatro faixas que percorrem estes quase 39 minutos de peso ímpio sublinham essa mesma prioridade. A fórmula é simples, direta e sem grandes merdas, mas é a ideia de fazer florescer este inalcançável cume por percursos menos óbvios que tornam este esforço tão mas tão memorável. - JMA
Jason Molina – Eight Gates (Secretly Canadian)
“The perfect take is just as long as the person singing is still alive”, ouvimos Jason Molina dizer no início de “She Says”, uma das nove canções reunidas no álbum póstumo de um dos mais admiráveis e talentosos compositores da sua geração, derrotado numa intensa batalha com o alcoolismo que tragicamente lhe tirou a vida aos 39 anos. Uma frase arrepiante quando escutada nestas circunstâncias lamentáveis, mas que resume o espírito e a beleza desta obra: enquanto estas gravações existirem, enquanto pudermos ouvir e sentir o poder da sua voz, Jason Molina para sempre viverá no coração de quem carrega a sua memória. Algumas destas composições, maioritariamente no campo do folk introspetivo e melancólico, soam algo inacabadas, como se o tempo não tivesse permitido a sua conclusão (a mencionada “She Says” é um desses casos), mas reside aí muito do charme desta obra: na sensação de estarmos a explorar algo cru, orgânico, que mais parece, por vezes, um ensaio (apesar de ocasionalmente sermos confrontados com um instrumental ligeiramente mais requintado, através do uso tímido e delicado do órgão ou do violoncelo). Pode não ser tecnicamente perfeito, mas trata-se de um dos mais emotivos e poderosos discos de 2020. - JA
Krallice - Mass Cathexis
Se a morada indicar Nova Iorque e o envelope transportar caos e arte em proporções semelhantes, o mais provável é que o remetente assine Krallice. A Big Apple apresenta-se certamente como o epicentro de alguns dos nomes mais relevantes da atualidade, sobretudo quando se fala de black, death e avant-garde. Quanto ao seu nono lançamento, este quarteto mantém-se tão fiel e experimental como quando se apresentou à respetiva comunidade em 2008. Contam uma vez mais com a participação de Dave Edwardson na voz, fortalecendo a dinâmica entre cordas de Marston e Barr e a precisão cirúrgica da secção de ritmo de Weinstein e McMaster (que declara só por si uma das melhores contribuições de baixo no género). As transições atmosféricas e a super-produção de Colin Marston assentam como uma luva neste jazzy-noisy-black metal exploratório, sem baixar a guarda num único momento do disco. Complexo mas acessível, representa uma combinação mais que acertada do que apaixonou os fãs de Diotima e Years Past Matter com o deslumbramento de Loüm e Go Be Forgotten. A optimização da fórmula sem perda da essência não falha. - AT
Primitive Man - Immersion (Relapse)
Três anos de espera depois do mítico e insuperável Caustic, os Primitive Man brindam o ano mais miserável com o disco mais desolado da sua discografia. Tendo em conta que o seu antecessor foi um dos incontestáveis discos de 2017 para a nossa redação, a expectativa para a chegada deste Immersion manteve-se alta e intensa. Uma vez que o resoluto e indomável investimento para com o retrato de miséria se manteve fiel à primeira e única missão do trio de Denver, Colorado, à primeira vista a maior “diferença” entre os dois terá de ser o impacto. Enquanto que Caustic se propagou ao longo de 12 miseráveis faixas durante cerca de uma hora e dezassete minutos, Immersion reduz a quantidade mas recai ainda mais no declínio existencial. Sem qualquer foco de luz, faixas como “Entity”, “Menacing” e “Foul” retiram ao ouvinte qualquer esperança de otimismo. Trazendo consigo uma qualidade granulada, não tão focada na compressão como na expansão, Immersion conclui os seus 36 minutos de forma corrosiva e memorável. - JMA
Rafael Denardi - Adios, Rick
Tal como a sua designação e respetivo artwork assim o sugerem, Adios, Rick simboliza a sentida homenagem ao estimado e carismático baixo Rickenbacker 4003 que o autor natural da cidade de São Paulo entretanto vendera. Responsável pela condução de todos os instrumentos que o cultivam e pela criação da ilustração que o emoldura, Rafael Denardi tem neste seu novíssimo e segundo EP (gravado em sua casa durante o período de quarentena a que o vírus SARS-CoV-2 obrigou a humanidade) um registo que decerto merecerá a fascinada e entusiasmada aprovação de todos os devotos discípulos do clássico prog rock semeado e colhido no fértil solo setentista. Sintonizado nas mesmas frequências de vultosas referências como Gentle Giant, Genesis, Atomic Rooster, Camel e Uriah Heep, este renovado rasgo de irretocável inspiração – inteiramente arquitetado e executado a uma só cabeça e duas mãos – causara e conservara em mim todo um intenso turbilhão de cegante sedução que me embriagara e arrebatara ao longo dos seus 18 minutos de extensão temporal. - NT
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Sheverb - Once Upon a Time in Bombay Beach
Este novo álbum de Sheverb vem velejado por um imersivo, arejado, ornamentado e inventivo surf rock, bronzeado por um deslumbrante, veraneio, tropical e tranquilizante psychedelic rock e ainda condimentado por um dançante, fogoso, libidinoso e contagiante tex-mex music que prontamente nos remete para os poeirentos cenários cinematográficos desdobrados e capitaneados pelo carismático realizador italiano Sérgio Leone. Situada numa intersecção que combina a melodiosa brisa desértica de uns Spindrift com o afrodisíaco exotismo de fragrância latina transudado pelos Mariachis norte-americanos Calexico e a revitalizante bafagem oceânica respingada pelos clássicos The Ventures, a ensolarada, profética, estética e aromatizada sonoridade de Once Upon a Time in Bombay Beach planta e fertiliza no imaginário do ouvinte um arenoso, fervilhante e veludoso tapete desértico de dimensão a perder de vista, onde imponentes saguaros se espreguiçam na vertiginosa direcção de um Sol esbatido e bocejante, cowboys solitários se passeiam de olhares desconfiados e coldres desapertados, e uivantes coiotes deambulam com discrição pelos intangíveis firmamentos que se renovam pela eternidade fora. - NT
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Steven Von Till - No Wilderness Deep Enough (Neurot)
Dentro da nébula da angústia, a voz seca e quente de Steve Von Till vagueia por poemas de cautela existencial estagnada na dor, num quadro circundante e iridescente de ambient cinematográfico e visões neoclássicas. A intimidade que cria, bem como as meditações de vulnerabilidade, podem fazer lembrar a temática de Ghosteen, pela preferência partilhada no instrumental tangivelmente orgânico, no minimalismo elegante e nas performances vocais comoventes. Apesar disso, Von Till convida-nos para um outro tipo de experiência hipnagógica, onde os sons do mundo natural aderem à ideia de isolamento e incerteza, em fricção com uma corrente de notas de piano, violinos em dilatação e porções rítmicas avassaladoras. A rouquidão da voz impõe que esta paleta emocional se torne algo mais tangível. A paisagem que nos é apresentada é a de uma mudança de ritmo para Von Till, num disco devastadoramente belo, de explosão, conclusão, como que puxado de uma insónia digerida em melodia. - BF
Turtle Skull - Monoliths (Art As Catharsis)
Fundamentada num mântrico, celestial, estival e messiânico psychedelic rock de reminiscências revivalistas e ambiências fantasistas, que tanto se nebuliza e eteriza num deslumbrante, lenitivo, contemplativo e extasiante krautrock de imediata imersão e inesgotável fascinação, como se obscurece e enrijece num poderoso, chamejante, electrizante e vigoroso heavy psych de ameaçadoras feições doomescas e encrostado a efervescente efeito fuzz, esta miraculosa obra tivera em mim um irreparável impacto sensorial que me escancarara as portas da percepção e catapultara para um mergulho nas profundezas da introspecção. Aprisionados num perpétuo baloiçar gravitacional que nos ricocheteia entre a doce e letárgica melancolia e a sedada e emancipadora euforia, somos seduzidos, abraçados e oxigenados pela mágica, quimérica e embriagada nebulosidade sulfatada por Turtle Skull. Não vai ser nada fácil despertar deste lúcido sonho superiormente musicado pelos druidas australianos e dar à costa da lucidez que nos fora subtraída e sonegada do primeiro ao derradeiro minuto. O Paraíso aqui tão perto, à distância de uma audição. - NT
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Year of the Knife – Internal Incarceration (Pure Noise)
A filosofia do Straight Edge está a passar por uma fase de transformação. Desde a chegada dos Minor Threat e Youth of Today até à surgência do metalcore nos anos 90 com Earth Crisis e Unbroken, e até mesmo à reencarnação do hardcore melódico mais introspetivo e político de Have Heart e Verse que o ideal e o compromisso têm sofrido mutações de acordo com o contexto, sendo que este sempre refletiu a agressão da sua respetiva realidade. Ao lado de nomes como Magnitude, Point of Contact e Ecostrike, Year of the Knife pode destacar-se como o nome mais pesado desta geração de sXe. Se a compilação Ultimate Aggression já havia indicado algo, então é com a chegada de Internal Incarceration que nos asseguramos do real peso sonoro, mental e patológico em que YOTK se tornaram. Com Kurt Ballou (Converge) a ajudar nas gravações, a agressão em forma de psicanálise, sempre sob tom de protesto, ganha uma forma bem mais ambivalente e notória com as descargas de grande tonalidade e dissonância. Dito isto, YOTK fazem questão de nos relembrar que a realidade é que nós próprios sempre seremos o nosso pior inimigo. - JMA
Artigo escrito por: Andreia Teixeira (AT), Beatriz Fontes (BF), João "Mislow" Almeida (JMA), Jorge Alves (JA) e Nuno Teixeira (NT).