10,000 Years - 10,000 Years
10,000 Years vem enegrecido, escaldado e tonificado por um narcotizante, musculado, sombreado e fumegante stoner doom de pesada, saturada e sísmica nasalação luciférica, que se emporcalha nas esverdeadas águas paradas de um viscoso, bafiento e fibroso sludge metal encrostado pelo fogoso efeito fuzz. Descendente de vultosas referências do género tais como Kyuss, Acid King, Bongzilla e Weedeater, a ameaçadora, densa, tensa e esmagadora sonoridade violenta e ardentemente bafejada pelo jovem tridente nórdico é desdobrada e pautada a duas velocidades fortemente contrastadas. Combinando uma lodacenta, misantrópica e sonolenta letargia climatizada a distopia com uma saturada, turbulenta e destravada euforia de consumo impróprio para cardíacos, este titânico EP é locomovido a um fervilhante, corrosivo e formigante negrume. - NT
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A.A. Williams - Forever Blue (Bella Union)
A estreia de A.A. Williams com este Forever Blue é tal como se imaginava: um perpétuo estado de exorcismo. Este é o disco perfeito para ouvir num dia cinzento, com as cortinas fechadas e com uma ânsia imensa de procurar as razões para a nossa existência. É a desculpa perfeita para sucumbir a um estado de aceitação das nossas mágoas. Apesar de ser o seu primeiro disco, chega-nos com uma confiança digna de artista com uma carreira solidificada. A multi-instrumentalista junta elementos de post-rock e de post-classical que chegam a roçar a hipnose, contando ainda com a participação de Fredrik Kihlberg e Johannes Persso (Cult Of Luna) e de Tom Fleming (ex-Wild Beasts). De calma a melodias explosivas, toda a aura deste álbum é um chamamento a um estado emocional puro, e não é por acaso que A.A. Williams fará a abertura para os concertos dos MONO a 29 e 30 de outubro de 2021 no Porto e Lisboa, respetivamente. Além disso, talvez veremos ainda a junção dos dois projetos em palco, nascida no EP Exit in Darkness, lançado em 2019. - CN
The Acacia Strain - Slow Decay (Rise)
Coexistindo há quase duas décadas, The Acacia Strain persistem desde os primórdios ao auge e à “queda de popularidade” do deathcore. Se há banda que hasteia a bandeira do género, invariavelmente seguindo os seus termos e condições, são eles. Apesar das recorrentes mudanças de line-up, a banda conta hoje com cerca de dez discos na sua discografia. Uma força imparável que em 2020 chega ao terceiro projeto, com o mais recente alinhamento a dar continuidade a uma química promissora. Slow Decay é um trabalho multidimensional. Iniciou-se exatamente no arranque do ano, com o lançamento de um EP por mês, com duas faixas cada um. Não bastando, cada um teria também uma letra, e ao fim do semestre estaria edificada a palavra DECAY. Em julho, dado também por terminado o confinamento desta altura tão bizarra, Slow Decay vê finalmente a luz do dia. Um disco que se fez aparecer aos poucos ao longo do ano, não só como um génio de marketing, mas também como um dos grandes highlights da música pesada. - JMA
Acid Moon and the Pregnant Sun - Speakin' of the Devil
Este primeiro, mas ousado e caprichado, passo discográfico desta muito promissora formação israelita vem nutrido por um carismático, agradável e radiofónico classic rock de aroma revivalista, matizado por um ensolarado, caleidoscópico e perfumado psychedelic rock de textura sessentista e ainda massajado por um contemplativo, lírico e lenitivo folk rock de mãos dadas com um cativante, jovial e dançante alternative country que em estética e simbiótica parceria conferem toda uma aura edénica, profética e pastoral à apaixonante ambiência que climatiza e eteriza todo o corpo temporal desta inspirada obra. Destilada deste emaranhado novelo – estilo musical comummente apelidado de americana – onde coabitam e dialogam entre si todos os géneros acima referidos e retratados, a envolvente, sedutora e eloquente sonoridade de Speakin' of the Devil traz-nos todo um inefável paladar à mais purificante, extasiante e catártica liberdade espiritual. Uma transformadora passeata pelas rugosas, idosas e poeirentas estradas do velho-oeste americano de punhos firmemente cerrados no volante de um velho e vistoso Cadillac, sorriso genuíno esboçado e eternizado no rosto, olhar embriagado e cravado no desfocado horizonte fervilhado pelo corado sol poente, e de esvoaçantes cabelos entrelaçados na refrescante brisa suspirada pelo deserto crepuscular. - NT
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Cloud Nothings - The Black Hole Understands
Há uma doce nostalgia que paira no ar quando ouvimos o mais recente disco de Cloud Nothings. Essa nostalgia, todavia, é bem recente – um confronto com a perda da normalidade que a pandemia tratou de extinguir sem que tivéssemos pedido o seu fim. The Black Hole Understands, com meia hora de duração e concebido durante o confinamento através de ficheiros que Dylan Baldi e Jason Gerycz enviavam um ao outro, é contemplativo sem mergulhar em mares de melancolia desesperada. Foi criado na mais incerta das épocas mas busca ativamente um lugar seguro de refúgio – é um álbum do seu tempo e que, por isso mesmo, merece ser escutado agora. Deliciosamente melódico, dispensa o ataque nervoso e ruidoso de discos como Attack on Memory para se instalar confortavelmente no campo da power pop saudosista e musicalmente “despida”, numa espécie de regresso à época em que Cloud Nothings nada mais era do que Dylan Baldi a gravar sozinho no seu quarto em Ohio; também estas músicas partem de um lugar privado e íntimo para serem partilhadas com o mundo, são contidas mas honestas, encontrando na beleza das estruturas pop de sabor indie (bem como em jams descontraídas e espontâneas) a luz pela qual se deixam guiar. - JA
Fontaines D.C. - A Hero’s Death (Partisan)
Os Fontaines D.C. já entraram na lista base de “post-punk essentials” em que as suas músicas são amplamente consideradas como hinos de uma juventude pronta a gritar pelos pulmões as angústias de um tempo perdido. Com este A Hero’s Death, os Fontaines D.C. escaparam à difícil tarefa de superar um primeiro álbum tão sólido. Não só é um disco melhor e mais maduro, como a banda de Dublin volta ainda mais introspetiva e com feridas mais profundas por sarar. Não sabemos bem se as chegam a curar ou não, mas já é bom o suficiente falar nelas e sentirmo-nos identificados nas suas palavras. Neste segundo álbum, o que salta mais à vista talvez seja a emersão de tons mais calmos e sombrios. Apercebem-se como temas excruciantes e causadores de dúvida interna da qual muitas vezes queremos fugir. Abracem este disco com todas as forças. Pensem na imensidão de Dogrel mas submerso em riffs inspirados por Peter Hook e que muita vénia fazem a Nick Cave e Lou Reed. É caótico e melódico de uma maneira que deixa a voz de Grian Chatten a ecoar na nossa mente. - CN
Geist & the Sacred Ensemble - Waning Hymns (Scry)
Fascinante, contemplativo e empático. Geist & The Sacred Ensemble apresentam a 2020 um rabbit hole que se articula entre o post-punk e o folk, e ainda busca o psicadélico à fonte mais oriental. A percussão delicada e observadora, que inclui tímpanos e gongos, assume a moldura de uma catarse hipnótica. O ênfase no reverb, o loop a existir numa quase constante, e detalhes mais subtis como um xilofone retraído ou a voz que por vezes assume um quase canto gregoriano, deixam ver a poeira subir nos momentos climáticos mais pugnazes. Dentro da riqueza do instrumental, há uma mensagem de autoanálise, uma tentativa de ilustração do nosso papel enquanto correspondentes ativos, de várias formas, da opressão autoinfligida. Inevitável no campo magnético de um disco que nos pede para confrontar os corredores mais obscuros da nossa psique. - BF
Gulch - Impenetrable Cerebral Fortress (Closed Casket)
Não há qualquer dúvida que lançamentos de surpresa têm um sabor bem mais adoçado. No caso de Gulch em particular ainda mais. Depois do testemunho de Hate5six a documentar a abismal performance da banda no This Is Hardcore do ano passado, é seguro dizer que a fome por um disco novo destes havia aumentado exponencialmente. O lançamento de Impenetrable Cerebral Fortress foi anunciado uma semana antes, e certamente que este nos trouxe um dos grandes discos de hardcore do ano. Ao longo destes compactos e urgentes 16 minutos de porrada “a torto e a direito”, o quinteto de Santa Cruz, Califórnia recorre ao stomp, ao powerviolence, ao black metal e até ao noise para nos mostrar que aqui não há espaço para finesse, sofisticação e técnica. A emoção, pura e crua, é imperativa e faz toda a diferença! - JMA
Julianna Barwick - Healing Is a Miracle
Healing Is a Miracle, o novo álbum de Julianna Barwick, oferece música de fantasia perfeita para escapar à realidade, ou para a combater quando só nos apetece admitir derrota – o som aqui assume um papel de resistência, qual escudo protetor dos males que nos atormentam. Todavia, não é só para o ouvinte que a proposta se revela catártica, pois a própria composição do disco partiu de uma intensa vontade de Barwick em construir um lugar estável no presente (literalmente, já que abandonou Nova Iorque e passou a viver em Los Angeles) para se livrar dos fantasmas do passado. O resultado? Música etérea, meditativa e transcendente que se serve da eletrónica exploratória para comunicar as mais frágeis sensações. A voz, aqui manipulada para criar a ilusão de estarmos a escutar várias ao mesmo tempo (ou então uma só, cheia de reverberação), evoca, como já é habitual na sua obra, as memórias dos tempos passados a cantar em coros de igreja, adaptando essa atmosfera celestial a um manto ambiental onde o experimentalismo soa tão familiar quanto alienígena. Sonhador, mágico, mas também ocasionalmente visceral, feito à base de repetições vocais hipnóticas e enriquecido pelas colaborações de Jónsi dos Sigur Rós, Nosaj Thing ou Mary Lattimore, Healing Is a Miracle celebra o encanto das emoções puras e cruas. - JA
Khthoniik Cerviiks - Æequiizoiikum (Iron Bonehead Prods.)
Correndo o risco do passo parecer maior que a perna, permitam-nos dizer que Khthoniik Cerviiks faz com o blackened death aquilo que Voivod um dia fez com o thrash. Mesmo longe deste “prog meets sci-fi” ser novidade, a música é quase tão difícil de digerir quanto os nomes de pronunciar. Nada que mais algumas audições não resolvam. Como se conjugar black e death numa das suas mais dantescas, e ao mesmo tempo elegantes, formas não fosse suficiente, ainda se lhe agregam uns sintetizadores, campainhas, coros e outras tantas tonalidades exploradoras. Um possante baixo desbrava terreno para repetidas descargas de blast beats absolutamente castigadoras e alguns dos riffs mais inventivos que ouvimos este ano. As passagens engenhosas e a dinâmica entre os temas tornam impossível deixar uma destas viagens a meio. Agressão e complexidade. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. - AT
King Gorm - King Gorm (Church)
Este homónimo álbum de estreia, forjado e orquestrado pela jovem, trovadora e talentosa formação norte-americana, vem talhado e pincelado por um glorioso, épico, estético e majestoso heavy prog desdobrado a vistosas, imponentes e espalhafatosas galopadas de esporas afiadas e à rédea solta, e um lenitivo, profético, edénico e introspectivo psychedelic folk de enternecedoras, envolventes, eloquentes e sonhadoras baladas emolduradas a beleza medieval, paisagens bucólicas e clima outonal. A sua apaixonante sonoridade de essência ritualística e devoção ocultista – tecida, acolchoada e condimentada a um carismático revivalismo emprestado pelo frutífero e dourado território setentista – ostenta elaboradas, caprichadas, principescas e ousadas composições que imediatamente fascinam, deleitam e transportam o ouvinte para uma sublimada, genuína e imaculada época ancestral caída há muito em desuso. Pressagia-se uma longa e apoteótica vida ao reinado deste fantástico e deveras auspicioso quarteto californiano que tem em King Gorm uma estreia discográfica de sonho. - NT
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Lantern - Dimensions (Dark Descent)
Oriundos dos confins da região de Kuopio, Pohjois-Savo, os alquimistas finlandeses Lantern trazem-nos o sucessor do seu muito aclamado e acarinhado II: Morphosis. Dimensions é o terceiro disco do quarteto sob o carimbo da Dark Descent Records, e este destaca uma banda repleta de ideias que elevam o pré-histórico death metal cavernoso por percursos astrológicos menos batidos. Recusando as típicas convencionalidades do género, Lantern recorrem muito à virtuosidade das guitarras para fazerem brilhar uma avalanche de solos e riffs tempestuosos. Um elemento que eleva e une a sofisticada performance de uma secção rítmica de luxo a uma narrativa berrada do confinado do abismo. As letras, a estética e toda a aura por trás do disco agem e reagem com um resultado final memorável e bem conseguido. Com todos os requerimentos para tal, Dimensions pode muito bem tratar-se de um futuro clássico in the making. - JMA
Maggot Heart - Mercy Machine (Rapid Eye)
Se só através da capa do álbum tivermos a previsão de um disco sombrio, distópico e temperamental a vir na nossa direção, estaremos absolutamente certos. Mercy Machine é o segundo LP da carreira a solo de Linnéa Olsson, e é um álbum ofegante e apaixonadamente convulsivo, a apostar na intemporalidade do grunge-punk com escalas de groove metal e com as mandíbulas presas ao doom sempre que necessário. Tem um sonoro sujo, cru e esfumado, com hooks corrosivos e uma presença firme e imperecível de um baixo descomedido na sua potência. A bateria de Bruniusson (Black Salvation), sempre pronta a respostas rápidas, dá a este disco uma pigmentação instantânea de estabilidade, ao acompanhar os riffs com um sabor a ferro. O balanço perfeito para uma atitude desafiadora e badass, puxada pela voz de Olsson. É esta atitude que dá a Mercy Machine um núcleo de autenticidade em cada um das faixas. - BF
Permanent Clear Light - Cosmic Cosmics (Sulatron)
Este seu demorado e ansiado regresso à produção de registos de longa duração traz-nos uma sonhadora e entorpecedora amálgama musical de onde se reconhece e degusta um relaxante, lisérgico, estético e flutuante neo-psych de roupagem sessentista, um exótico, intoxicante, atordoante e ritualístico space rock de idioma alienígena, um estival, campestre e medieval acid folk emoldurado e oxigenado por enternecedoras baladas de natureza fabular, e ainda um hipnótico, futurista e omnipresente experimentalismo electrónico que condimenta toda esta fantástica digressão pelo aveludado, misterioso e embrumado negrume astral. A sua sonoridade autenticamente anestésica, inebriante, extasiante e sidérica causa em nós uma etérea envolvência que nos mumifica os membros e sentidos numa febril dormência. De espírito compenetrado e embevecido num imperturbável estádio de transe induzido, testemunhamos e comungamos o progressivo entorpecimento em nós plantado e sustentado pelos Permanent Clear Light que nos nebuliza e canaliza num caleidoscópico mergulho sensorial ornamentado a texturas magnetizantes, aromas frutados e colorações berrantes. - NT
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Protomartyr - Ultimate Success Today (Domino)
Ultimate Success Today é, talvez, usado de forma sarcástica para definir este álbum. Sim, é certo que em certas alturas é extremamente otimista, mas consegue rapidamente chegar a um ponto de abismo. Uma banda como Protomartyr está, cada vez mais, a entregar álbuns consistentes e mais completos. Não é à toa que, após descobrirem o quão bem um saxofone se encaixava nas suas músicas, cada canção parece uma verdadeira expedição. São as alterações bruscas de ritmo e forma que dão vida a várias composições, resultando num álbum catártico e experimental que atinge instrumentalmente o seu auge. Com isto, não se pode menosprezar o poder poético que a banda de Detroit tem. É um post-punk que fala de temas pesados com uma atmosfera claustrofóbica mas necessária. - CN
Static-X - Project Regeneration Vol. 1 (Otsego)
Wayne Static faleceu em 2014, mas ouvimo-lo em boa parte das doze canções que formam o primeiro álbum dos Static-X em onze anos, criado a partir de várias demos que o malogrado frontman deixou para trás e que os restantes elementos originais – o baixista Tony Campos, o guitarrista/teclista/programador Koichi Fukuda e o baterista Ken Jay – completaram, de forma a dizer um último adeus ao antigo companheiro. Contudo, muito mais do que uma mera homenagem terapêutica (ou com fins puramente mercantis), Project Regeneration Vol. 1 é um álbum surpreendentemente inspirado, que faz jus ao legado do grupo ao mesmo tempo que o renova com uma refrescante dose de inesperada vitalidade. Reunindo frequentemente o espírito industrial/nu-metal dos velhos tempos, mas recordando igualmente o tom mais alternativo e melódico do período intermédio da banda, alimenta-se de um palpável sentimento de carinho e até um certo respeito para com o ex-líder (XerO, o misterioso novo vocalista, aqui a “partilhar” as faixas com as performances imortalizadas de Wayne e com o lendário Al Jourgensen, soa tanto como o seu antecessor que nem sempre sabemos exatamente quem é quem), revelando-se perfeito para fãs de Static-X e nu-metal. - JA
Artigo escrito por: Andreia Teixeira (AT), Beatriz Fontes (BF), Catarina Nascimento (CN), João "Mislow" Almeida (JMA), Jorge Alves (JA) e Nuno Teixeira (NT).