[Julho]
Balimaya Project - Wolo So (jazz re:freshed)
Londres nunca esteve tão demarcado no mundo como neste preciso momento. As vibrações de tantos outros projetos que têm iluminado este ano tão ofuscado de depressão, ressoam-se agora com a chegada de um novo mas promissor nome no panorama. Balimaya Project é um coletivo GRANDE, composto por mais de 16 artistas e músicos, entre os quais se incluem membros de KOKOROKO e The Seed Ensemble, que apresenta agora a sua estreia com Wolo So, um futuro afirmativo cultural que se deixa sobrevoar além da banalíssima e redundante etiqueta de world music. Wolo So é imensamente mais que isso. É uma árvore genealógica composta por tambores, ritmos impossíveis de conter e um conjunto de sopros capazes de criar a mais refrescante lufada de ar fresco num abrasador dia de calor. A energia crua e toda a cor que esta traz vem sublinhar a importância de elevar o valor de uma família/comunidade que se conecta via experiências, vivências e fraternidade. Depois de passarem pelas bravíssimas sete faixas, é repetir e repetir mais uma vez. Um verdadeiro templo de jazz e música africana. - JMA
Dos Monos - Dos Siki 2nd Season (Warner Music)
O mais recente EP de Dos Monos é como dar uma volta ao mundo em 16 minutos, na medida em que se experiencia uma pletora de culturas com sonoridades que, enquanto ostentando características supostamente imiscíveis e que jamais se deveriam cruzar, funcionam, todavia, numa sintonia extravagante, e até incongruente. Perdoe-se o oxímoro, mas num projeto tão alheio e desvinculado de convenções, onde a cada momento se dispõe uma curva que antecede uma contracurva ainda maior, não haverá melhor modo para o descrever. É nessa imprevisibilidade e na versatilidade de estilos e métodos que Dos Siki 2nd Season melhor se destaca. Mesclados estão elementos de hip-hop experimental, jazz de casta latina, glitch, eletrónica, prog rock (com participação especial e mais que profícua de black midi) e tantos outros, mas tal amálgama nunca ocorre da maneira que aparenta ser mais coerente e racional. Justamente, aniquila-se qualquer possibilidade de antever o que está por vir, qualquer expectativa de qual será a próxima carta que será jogada antes desta se dar finalmente como batida. E ainda assim, este EP consegue, no meio de toda a sua descoberta, propor momentos que, não obstante o seu caráter excentricamente degustativo, se apresentam bem explorados e desenvolvidos. - JG
King Woman - Celestial Blues (Relapse)
Ainda é difícil acreditar que Created in the Image of Suffering foi lançado há quatro anos. A sua força no meio do doom metal teve tal impacto que elevou o nome da banda a uma posição equiparável ao de nomes como Chelsea Wolfe, Lingua Ignota ou até A.A. Williams. Porém, apesar desses anos de espera por um novo disco, dificilmente se sentiu a ausência da vocalista e compositora Kristina Esfandiari. Isto porque esta é também a mastermind de uma panóplia de outros projetos paralelos como NGHTCRWLR (experimental), Miserable (shoegaze), Dalmatian (hip-hop) e Sugar High (experimental), desdobrando a sua voz mística e por vezes bíblica numa variedade de géneros musicais. Celestial Blues é o segundo álbum de estúdio de King Woman e foi lançado a 30 de julho, trazendo consigo um trabalho tão ou mais conciso que o seu antecessor. O disco acaba por tirar partido do talento multifacetado da sua vocalista, reunindo todas essas encarnações numa explosão de sonoridades a fundir post-rock, grunge e doom. A obra imersiva apresenta letras profundamente visuais de figuras celestiais como Lucifer e até mesmo Deus, servindo como uma experiência espiritual e chegando mesmo a ter um teor apocalíptico. - CN
Luggage - Happiness (husky pants)
Reencontram a superfície após um intervalo de três anos, e Happiness surge como um acumulado onde a aspereza de Luggage espuma, difundindo-se neste disco e tornando-o num dos mais austeros que a banda apresentou até hoje. É, essencialmente, um disco direto, contundente e interessante. Opta inchar a um ritmo pacientemente constante, ganhando peso. E pesa mais pela densidade e inquietação, e não tanto por se agarrar com força à distorção e à informação sonora. Seguem uma abordagem estruturalmente minimalista que acaba por trazer uma exposição cinematográfica à narrativa do disco. Estes servem-se de uma espécie de radicalização do seu som em camadas de noise que o torna confrontacional, enquanto explora uma esfera temática de desilusão gritante, perfeitamente palpável no som do disco. Luggage aparecem como eles próprios, com o ego da moodiness cínica e do pessimismo patológico de Chicago infiltrado na veia. - BF
Possum - Lunar Gardens (Idée Fixe)
Este delicioso registo do coletivo canadense Possum respira e transpira toda uma aliciante profusão de desiguais géneros musicais. Neste labiríntico, colorido e camaleónico novelo musical que se vai desfiando de forma fluída e inventiva, é-nos possível identificar e degustar um tribal, caleidoscópico, exótico e tropical psychedelic rock de acidez sessentista, um ritmado, espirituoso, aventuroso e aprumado jazz-rock de solavancos funky, um magnetizante, edénico, estético e contagiante krautrock tricotado a texturas dronescas, e ainda um tranquilizante, cósmico, melódico e edificante progressive rock de roupagem vintage. Toda uma vistosa e apetitosa iguaria gourmet que combina o frutado tropicalismo do virtuoso Herbie Hancock (na sua fase Head Hunters), com a aristocrática fineza dos carismáticos The Doors, a espalhafatosa alquimia dos britânicos Soft Machine, a sublimidade fabular dos clássicos Camel, e ainda a epidémica ritmicidade dos contemporâneos australianos King Gizzard & the Lizard Wizard. De pálpebras seladas, lábios salivados e narinas dilatadas deixem-se absorver, descontrair e embevecer nesta embriagante monção de aromas em alucinante dispersão. Ofusquem-se nele. - NT
(Lê a review completa a este disco no blog El Coyote)
Ushangvagush - Mntu (Vigor Deconstruct)
Eis um que provavelmente poucos de vós devem conhecer. Ainda fresco à luz do dia, Mntu chega como o segundo disco de originais do projeto de black metal americano Ushangvagush. Não há muito que se possa desenvolver: a música é rápida, flamejante, dilacerante e extremamente emotiva. Como um ritual de iniciação em procura do interno, o som ruge como uma serra a interromper um céu desocupado. Concebido com uma considerável crueza tónica, Mntu acaba por oferecer um pouco de tudo aos devotos do black metal. Velocidade, melodia, lamaçal e inovação. Talvez o maior ponto de interesse seja a frescura na inspiração, estética e toda a aura em torno da cultura de Miꞌkmaq – povoação indígena exclusiva à região arborizada do nordeste do Canadá. A combinação tem demorado a surgir no panorama de black metal americano, mas é cada vez mais notória a quantidade de artistas de descendência indígena a trazer a sua cultura à música extrema, e além de extremamente bem-vinda, também é extremamente necessária. - JMA
Year of No Light - Consolamentum (Pelagic)
Em Consolamentum, o sexteto de post-metal oriundo de Bordéus expande, com grande eficácia, o trabalho já começado nos anteriores Ausserwelt e Tocsin. Se no seu álbum de estreia, Nord, os Year of No Light se propunham a ser uma banda de sludge metal com incursões nos territórios do post-rock e shoegaze, após uma decisiva mudança de alinhamento em 2008 reinventaram-se num projeto puramente instrumental que eximiamente amalgama black metal, doom, drone e dark ambient. “Objuration”, primeira faixa do álbum, articula sintetizadores quase industriais com austeros riffs de post-black metal reminiscentes de uns Altar of Plagues, com quem, aliás, já partilharam vários splits. Já “Alétheia” é mais introspetiva na sua primeira metade, transitando para um frenético redemoinho na segunda. Em “Interdit aux Vivants, aux Morts et aux Chiens”, voltamos ao drone pesadão e monolítico de uns Conan, justaposto com passagens de furioso e trepidante black metal. Este diálogo, ordenado ao início, logo descamba para uma opressiva e dissonante cacofonia. Este tipo de desenvolvimento minimalista e circular, tão emblemático de uns Amenra, resulta aqui graças à mestria com que os franceses exploram texturas e densidades sonoras. No decorrer do álbum, há, aqui e ali, passagens de uma beleza delicada e quase efémera – o início de “Objuration” e “Alétheia”, por exemplo –, mas são apenas ilusões, distrações, que são logo violenta e definitivamente silenciadas. - JMA
Yves Tumor - The Asymptotical World (Warp)
Com este belíssimo novo EP, Yves Tumor volta a provar que é um dos mais assombrosos compositores desta geração, alguém capaz de adicionar diferentes camadas a uma personalidade artística em constante mutação sem deixar de soar profundamente genuíno. Cada lançamento parece existir enquanto reação ao que foi feito anteriormente, como se toda a sua obra formasse um puzzle que o próprio vem construindo lentamente, em tempo real, num eterno processo de autodescoberta. Não é nada estranho ou chocante, portanto, vê-lo navegar pelos mares do shoegaze, do post-punk e mesmo do glam, ao mesmo tempo que abraça atmosferas dissonantes de modo a conjugar sensibilidade pop com um experimentalismo incontido e arrojado. Uma espécie de resumo do percurso até agora percorrido e uma amostra do que poderá vir no futuro, numa obra que não só reúne algumas das melhores músicas que o músico alguma vez escreveu (“Jackie” ou “Tuck”, esta última com a participação de NAKED), como liberta letras de uma urgência emocional arrepiante (“Can we talk/ It can be about whatever” é uma passagem incrivelmente tocante). Apaixonante e ambicioso, Yves permanece intocável como o deus que é. - JA
[Agosto]
Acid Rooster - Irrlichter (Cardinal Fuzz, Little Cloud and Sunhair Music)
Norteado por um absorvente, magnético, estético e concupiscente Krautrock de satélites apontados a referências seminais do género como Can e Neu!, um exótico, delirante, inebriante e caleidoscópico psychedelic rock de elevada toxicidade, e ainda um meditativo, arejado, espaçado e lenitivo space rock com vista panorâmica para a noite sideral, este viajante, camaleónico e estimulante EP denominado Irrlichter é povoado por quatro temas desiguais que estreitam relações entre a narcótica dormência e a vulcânica efervescência, a ritualística serenidade e a catártica explosividade. São 23 minutos ensopados em colorido ácido lisérgico que nos dilata as pupilas e emancipa a consciência num vertiginoso e aventuroso mergulho pelas infindáveis profundezas do oceano cósmico. Um registo de curta duração que nos mumifica num inquebrável estádio de transbordante fascinação. Deixem-se dissolver e embevecer pela psicotrópica radiância farolizada pelos germânicos Acid Rooster, e vivenciem na primeira pessoa todo o mágico esplendor de um dos mais sérios candidatos a melhor EP do ano. - NT
(Lê a review completa a este disco no blog El Coyote)
Between the Buried and Me - Colors II (Sumerian)
Imparcialidades à parte, quando soube que BTBAM iria lançar um assumido sucessor do épico Colors, temi. Um temor semelhante ao provocado pela sequela Blade Runner 2049, por exemplo. Para quê “mexer no que está quieto”? Felizmente, o quinteto da Carolina do Norte é a maior força criativa que alguma vez existiu no ramo do metal progressivo. O agrado que a audição de Colors II provoca está numa escala muito superior à que senti depois de ver o filme de Villeneuve. É transcendental o quanto este álbum nos faz lembrar o seu irmão mais velho, sem nenhuma referência óbvia, sem nenhum título alusivo, sem nenhuma melodia ou ideia rítmica do passado in your face. Lembro-me de sentir uma unidade impossível em Colors, de chegar ao fim do álbum e pensar que tinha terminado apenas a primeira faixa, num qualquer transe que nos tolda a noção espaço-tempo. Com Colors II temos o mesmo efeito. Mais maduros, com truques novos na manga, mas o mesmo selo criativo que faz deles uma equipa musical com laivos de divindade mitológica. - PS
Boldy James & The Alchemist - Bo Jackson (ALC)
Um ano após a bem recebida segunda colaboração entre o rapper de Detroit Boldy James e o prolífico produtor/beatmaker de LA The Alchemist, chega por fim Bo Jackson, uma continuação e posterior incremento criativo de The Price of Tea in China. Não há falta de evidência: o trabalho que The Alchemist tem feito nesta última década dificilmente passará despercebido até aos mais puristas do cenário de hip-hop. Os seus pontos fortes, bem como a sua fortaleza de batidas e samples de esquadria, denotam-se em grande plano de início ao fim de Bo Jackson. As intervenções de Boldy convivem numa entrega de cadência e métrica descontraída, uma simbiose que encaixa que nem uma luva na approach de Daniel Alan. O resultado final edifica-se numa pletora de músicas extremamente bem conseguidas, com uma homogeneidade que não sacrifica a sua extrema diversidade em prol da consistência. Faixas como “E.P.M.D”, “Speed Trap”, “Steel Wool” ou até mesmo “Fake Flowers”, que contam duas passadas colaborações entre Freddie Gibbs e Curren$y, são exemplos claros do génio deste trabalho. Depois de HARAM (com os Armand Hammer), Alfredo (com Freddie Gibbs) e LULU (com Conway the Machine), já começa a ser necessário atribuir algum respeito ao senhor alquimista. - JMA
GOAT - Headsoup (Rocket)
O mais recente álbum de estúdio dos suecos GOAT, Headsoup, alimenta-se mais uma vez da qualidade jam-voodoo-experiência-fora-do-corpo que a banda consegue atingir. Entre géneros que se focam na aleatoriedade e repetição tribal, estas músicas não são novidade entre os mais conhecedores do coletivo. Na verdade, este disco trata-se de uma compilação de várias músicas já lançadas como B-sides, singles, algumas raridades nunca gravadas em estúdio e duas novas faixas: “Fill My Mouth” e “Queen of the Underground", que dão esperanças de um novo álbum de originais para breve. As imagens de marca continuam lá: as flautas hipnotizantes, a psicadelia, algum funk dos anos 70 e afrobeat. Apesar de não ser um trabalho com uma linguagem concisa e correlacionada, os GOAT conseguem mostrar a sua versatilidade e misticismo, revelando mais do seu lado de monstros de palco em disco. Desta forma, este é um deleite para os fãs que ficaram sem poder vislumbrar a energia contagiante do grupo escondido entre máscaras de estilo pagão durante o último ano e meio. E provam continuar tão cativantes como antes. - CN
Jinjer - Wallflowers (Napalm)
Da Ucrânia, com amor, chega-nos a cena do momento no que diz respeito às sonoridades mais pesadas. Com Wallflowers, o quarto álbum do quarteto, percebemos uma tenacidade criativa, uma necessidade de mudança, e, indelevelmente, uma influência desconcertante do impacto que a clausura teve na composição da banda. Mais extremistas, ora no pesado ora no suave, mais assumidos, e mais em paz com o que querem (e sabem) fazer. Pela voz de Tatiana Shmayluk é-nos narrado um pouco do que foi a experiência de um grupo que estava habituado a percorrer palcos e recintos freneticamente, e que foi forçado a um habitat pouco natural. Temas como “Vortex”, “Wallflower” e “Mediator” são o reflexo auditivo dessa frustração, transformada habilmente tanto em raiva como em gozo. - PS
Leprous - Aphelion (InsideOutMusic)
Mutantes. Não é recente a passagem de Leprous por terrenos menos agressivos, pela calma em vez do frenesim, pelo suave e não pelo duro. Distantes são os anos que separam Aphelion da brutalidade de Tall Poppy Syndrome, mas podemos dizer sem medo que este tem sido um envelhecer com muita qualidade. Um maturar. O álbum é repleto de refrões inesquecíveis, de melodias vocais brilhantes e vem dotado de uma orquestração sublime. Para os saudosistas do seu nascimento mais pesado, destaque para “Nighttime Disguise”, faixa que encerra o disco, onde Einar Solberg nos relembra o poder que (ainda) tem o seu gritar, momentos antes do término do álbum. Presságio para um regresso ao peso? - PS
Lingua Ignota - Sinner Get Ready (Sargent House)
O nome traduz-se para língua desconhecida, mas Kristin Hayter já nos é familiar. All Bitches Die e Caligula introduziram-nos às suas incursões no noise operático e experimentalista, sempre guiadas por histórias de real dor e reconstrução, mas neste quarto álbum, Hayter revela uma faceta que ainda não lhe conhecíamos. Um lado orgânico, quase rural, ligado tanto às suas origens quanto às atuais vivências, onde o mais tradicional folk norte-americano se reúne com inúmeras influências neoclássicas. Adiciona-se ao repertório mais um trabalho conceptual, onde se explora uma dualidade da espiritualidade e a implícita ligação entre a religião e a condição humana. Ouvem-se sinos, banjo, órgão e samples de fiéis, que em muito contribuem para que se construa uma atmosfera única, com tanto de apaziguadora como de desconcertante. O inferno melódico é criado recorrendo à voz teatral e a letras que discutem conceitos de proteção, justiça e confronto, onde se apresenta o fanatismo religioso sob uma perspetiva de vulnerabilidade e compaixão. Heresia e absolvição. Sinner, you better get ready indeed. - AT
Monobrow - A Decorative Piece of Time (Trill or Be Trilled)
Capitaneado por um viajante, místico, estético, ritualístico e delirante psychedelic rock de revitalizante frescura astral, fibrado, inflamado e enegrecido por um chamejante, tumultuoso, rochoso, trevoso e impactante stoner doom de asfixiante clima infernal, este novíssimo registo de longa duração – forjado pela turma sediada na metrópole de Ottawa (Ontário, Canadá) – ricocheteia numa alternância de contrastados estados de espírito. Atrelados a um constante pêndulo que tanto nos anestesia, descontrai e arremessa para o interior da boca de um Cosmos despovoado, soturno e enregelado, dissolvendo-nos e naufragando o nosso corpo insensibilizado numa nebulosa e morfínica narcose, como nos mergulha no borbulhante caldeirão de um furioso vulcão em monstruosa erupção que nos sobreaquece de selvática e estonteante adrenalina, somos facilmente enfeitiçados e prontamente gravitados em órbita de Monobrow. A Decorative Piece of Time é um registo de essência altamente intoxicante que nos seduz e conduz aos abismos de uma turbulenta introspeção. Apertem bem os cintos, respirem fundo e embarquem nesta camaleónica, sónica e acrobática montanha-russa que vos embaciará a lucidez, rasgará as vestes da sanidade mental e desaparafusará a consciência num poderoso vórtice de sucção espacial. - NT
(Lê a review completa a este disco no blog El Coyote)
Nightmarer - Monolith of Corrosion (Total Dissonance Worship)
Tridente filho de Portland, Oregon, Nightmarer retornam ao abismo com o seu primeiro disco em três anos, após o extenso Cacophony of Terror. Nesta volta, o trio volta ao comando em assalto com uma metamorfose de avant-garde black metal a lembrar referências como Deathspell Omega ou Blut Aus Nord, sobrepondo a clareza e transparência da estrutura acima do caos desgovernado. A contar com a colaboração de Nicholas McMaster (Krallice, Geryon) no baixo, a sonoridade da banda parece só ter ficado ainda mais rica e tombante, bem como mais criteriosa na sobreposição de camadas e tom. A impor riffs que extravasam com dissonância sem sacrificar os tão valiosos power chords em prol do corpo e do volume, os Nightmarer parecem ter encontrado um balanço importante que ainda poucos haviam conseguido conquistar no estilo. Monolith of Corrosion é tão encorpado e imponente, como é desnorteante e transformador. - JMA
Ouzo Bazooka - Dalya (Stolen Body)
À imagem do que acontece com os seus registos precedentes, Dalya convida o ouvinte a embarcar numa catártica digressão à boleia de um tapete mágico pelos amarelecidos céus da velha Pérsia. Tricotado e capitaneado por um enfeitiçante, exótico, afrodisíaco e dançante psychedelic rock de paisagens western, cores vibrantes e doces aromas orientais, este quinto trabalho de longa duração celebrado pelos druidas Ouzo Bazooka tem o dom de nos deleitar e embalar numa vertiginosa, caleidoscópica, utópica e espirituosa alucinação. Embrenhados numa intensa fascinação que nos prende com a mesma força gravitacional com que a ondeante flauta indiana exerce sobre a serpente Naja, somos redemoinhados numa sagrada dança de pés empoeirados pelas bronzeadas areias do deserto, braços hasteados na direção do Sol reluzente e espírito eclipsado por um intenso transe religioso. Este é um álbum verdadeiramente sedutor, refrescante e purificador. Um grande bazar sonoro de vibrante, prismática, mística e deslumbrante coloração, saturada a étnico psicadelismo, onde nos perdemos, arrebatamos e naufragamos. Inalem os terapêuticos vapores deste turíbulo dançarino e experienciem um dos registos mais excitantes do ano. Não vai ser nada fácil – ou sequer desejado – convencer o génio a regressar ao interior da lâmpada mágica. - NT
(Lê a review completa a este disco no blog El Coyote)
Pink Siifu - Gumbo!
O rapper e produtor multifacetado de Birmingham, Alabama Pink Siifu tem dado muito que falar. Quer seja pela própria prolificidade diante de uma discografia que em tão pouco tempo já cresceu imenso, ou até mesmo pela experimentalidade cunhada em cada projeto novo que lança – quer seja a solo ou em colaboração com o querido colega Fly Anakin –, Siifu não tem carenciado de mérito para que seja louvado. Gumbo! chega como o primeiro disco do americano em 2021, e surge sob formato de mixtape como um conjunto de faixas não-sequenciadas em que cada uma dessas 18 conta com um produtor diferente. Um fator que, apesar de não inspirar a melhor das expectativas para um disco coerente e homogéneo, acabou por jogar a favor das condicionantes. Sem saber exatamente o jogo de curadorias nas batidas e sem escavar muito nesse ecossistema, o resultado final é charmoso e contagiante. Faixa atrás de faixa, a métrica parece encontrar os pontos de colocação perfeitos para a presença de Siifu. Tanto a navegar numa neblina de sintetizadores, ou a usar samples de batida repetida, a abraçar a calmaria do lounge ou até mesmo na providência divina do gospel, Gumbo! parece nunca perder conhecimento de o que é e do que quer fazer. Pink Siifu é o autêntico camaleão da prova e merece todo e mais algum aplauso pelo conseguido aqui. - JMA
Space Afrika - Honest Labour (Dais)
Dupla visionária de Manchester, Space Afrika fazem parte daquela célula do universo musical que não poupa na expressividade, em prol de uma experiência sensorial como a que Honest Labor representa. Embrulhado pelo reverb e o delay, os seus overlapping moments são uma coleção surreal de música em pensamento livre. Uma costura de soundbites carregadas de importância sociopolítica, estética e emocional, espaçadas por beats estonteantes, ou isoladas no calor cósmico escurecido. São futuristas à procura da imersão total, interessados na transformação do barulho em ritmo, emoção em sensibilidades orquestrais ou na extração da beleza do caótico. Honest Labor expõe-se como cinema sonoro, onde Space Afrika se deixam inspirar por tudo. - BF
The Bug - Fire (Ninja Tune)
Eletrónica doentia para tempos doentios, é este o sentimento que nos invade a alma quando nos entregamos a esta fodida (não há adjetivo que melhor descreva atmosfera destas faixas, acreditem) sova sonora que é a nova proposta de Kevin Martin, mais conhecido por The Bug. Terapia musical surrealmente catártica para todo o mal que reside atualmente no mundo, desde a pandemia e o agonizante confinamento a que obrigou, a todas as tensões políticas e sociais vividas nos dias de hoje; um álbum de uma natureza punk tão enraivecida, tão assustadoramente inquietante, que ultrapassa a intensidade de muitos discos de música pesada – só as batidas deste senhor são de tal forma pujantes e “físicas” que, por vezes, temos de baixar o volume para poupar um pouco os nossos tímpanos. Nesse sentido, Fire acaba por se aproximar imenso da experiência deliciosamente ensurdecedora que é ver The Bug ao vivo, sendo que os convidados aqui presentes (Moor Mother, Flowdan, Roger Robinson, entre outros) enriquecem substancialmente uma proposta ora mais dançável, ora mais “arrastada”, mas sempre negra, volátil, constantemente entre a tensão e a explosão. - JA
Wolves in the Throne Room - Primordial Arcana (Relapse)
Sucedendo-se ao não extraordinário mas mais do que satisfatório Thrice Woven, Primordial Arcana é a mais recente empreitada do trio constituído pelos irmãos Aaron e Nathan Weaver e Kody Keyworth. Desde praticamente o seu começo, com o exímio Diadem of 12 Stars, que havia algo de inegavelmente único na música dos canadianos. O seu cascadian black metal, que pretendia canalizar todo o seu amor pelas florestas e rios do noroeste pacífico ao qual chamam casa, parecia surgir como uma resposta quase antitética ao gélido black metal norueguês. No entanto, há uma palpável falta de substância que permeia este álbum de ponta a ponta. Outrora pioneiros, agora os WITTR parecem incapazes de inovar, resignando-se a canibalizar o seu já respeitável catálogo em busca de novas ideias. “Mountain Magick”, primeira faixa do álbum, começa de forma promissora, mas logo se revela algo superficial, faltando-lhe algum daquele encanto quase hipnótico e tão característico da banda. Tal como um bom vinho, as composições dos WITTR precisam de tempo para amadurecer e de espaço para respirar, e, em geral, com apenas uma faixa superando os dez minutos de duração, há aqui uma certa brevidade que roça a pressa. Em “Spirit of Lighting”, apenas o ostinato de uma corda beliscada quebra a monotonia do que de outra forma não é mais do que uma corriqueira faixa de black metal. Um álbum que foi composto, gravado e produzido pelo trio na solitude da floresta, talvez tenha pecado justamente por uma falta de input externo. - HM
Artigo escrito por: Andreia Teixeira (AT), Beatriz Fontes (BF), Catarina Nascimento (CN), Hugo Moreira (HM), João “Mislow” Almeida (JMA), Jorge Alves (JA), José Garcia (JG), Nuno Teixeira (NT) e Pedro Sarmento (PS).