Alessandro Cortini - Scuro Chiaro (Mute)
Não é nada fácil arranjar os adjetivos certos para descrever o novo álbum de Alessandro Cortini, o homem que, paralelamente à sua carreira como membro dos Nine Inch Nails, tem construído um interessante percurso na área da eletrónica ambiciosa e exploratória. O tom sonhador, com algo de celestial, de algumas destas peças remete para o universo de Ben Frost, mas seria demasiado redutor colocá-lo nessa gaveta, pois este é o registo de alguém que olha para a música eletrónica como uma paleta de sons ilimitada que lhe permite descobrir o seu verdadeiro “eu”. Essa procura pela individualidade reflete-se na decisão de Alessandro em usar um sintetizador que o próprio construiu em colaboração com Tony Rolando, e que usa para explorar diferentes camadas sonoras e atravessar diferentes estados de espírito – desde os tons oníricos de “VERDE” até aos ambientes inquietantes e simultaneamente orquestrais de “SEMPRE” –, revestindo esta proposta de um palpável tom cinemático, como se tudo fosse uma emocionante e extraordinária viagem pela complexidade das emoções humanas. Scuro Chiaro é um exemplo de arte no limite da sua beleza poética, de eletrónica a permitir que a sua superfície maquinal seja iluminada pelo mais quente toque humano. - JA
Backxwash - I LIE HERE BURIED WITH MY RINGS AND MY DRESSES (Ugly Hag)
Para quem julgava que God Has Nothing to Do With This Leave Him Out of It, o último disco de Ashanti Mutinta, profissionalmente conhecida sob o nome de Backxwash, assentava como o derradeiro marco da expressividade torturada da rapper zambiano-canadense, chega agora I LIE HERE BURIED WITH MY RINGS AND MY DRESSES, prova viva das fantásticas atrocidades que a artista andava a esconder por detrás do seu véu sombrio. Pairam aqui os sentimentos de delírio e depressão excruciantes, à medida que somos conduzidos numa autêntica cruzada por um mundo inumado na negridão do ser. Conjuram-se todas as forças capazes de descrever um inferno térreo, pendurado numa narrativa que, apesar de pungente e angustiante, crava as suas garras em quem ousadamente a experiencia até ao seu momento finito. ILHBWMRAMD segue uma ética impetuosa e sem escrúpulos, com versos que entram de rasgão e sem meias medidas, versos estes que até na sua qualidade metafórica, enigmática e penetrante, se demonstram brutalmente frontais e elucidativos. Um disco vil por natureza, capaz de afundar o mais inabalável dos espíritos sob a sua estatura colossal, alucinante e demoníaca. - JG
Birds of Maya - Valdez (Drag City)
Naquele que é o seu primeiro registo discográfico em oito anos, os Birds of Maya reúnem aqui uma coleção de material gravado em… 2014. Pois é, nesse estranho limbo entre a novidade e a edição inédita de música antiga vive atualmente o coletivo de Filadélfia, mas nada disso interessa quando o resultado é um dos mais selvagens, espontâneos e eufóricos discos de rock dos últimos tempos. Imagine-se uma explosiva e alucinante mistura de The Stooges da era Fun House com Comets on Fire e um cheirinho a Fu Manchu ou Kyuss, e fica-se com uma excelente ideia da receita destes senhores: garage rock bem noisy e de feeling punk, que se entrega de corpo e alma ao espírito da eterna jam session e que soa perfeito para ser curtido ao máximo numa praia ou piscina – na verdade, facilmente vemos estes tipos a dar tudo num SonicBlast. Enfim, “malhas” de alta qualidade com uma produção poderosa e “suja”, mas sempre extremamente percetível (até as linhas de baixo soam cristalinas). Bora lá saborear a onda do riff. - JA
Cerebral Rot - Excretion of Mortality (20 Buck Spin)
Dispostos como uma das grandes figuras do death metal atual por parte da cada vez mais crucial 20 Buck Spin, Cerebral Rot vão precisando cada vez menos de grandes apresentações. Depois de uma estreia sanguinária que os meteu no mapa do metal extremo americano, retornam agora com Excretion of Mortality, uma reafirmação da sua refrescante presença neste tão competitivo mercado de death metal moderno. Composto por cerca de seis faixas, todas colmatadas em menos de 50 minutos, é impossível ficar indiferente à destemida energia pulverizada sob forma de um baixo afogado em distorção, guitarras afinadas até à recôndita cave deste planeta, juntamente com uma tarola capaz de estalar qualquer osso. No entanto, o ponto forte de Cerebral Rot não recai somente no talento de composição – que, por sua vez, sustentou múltiplas secções com escrita genuinamente bem conseguida e memorável –, mas também na capacidade de elevar essa mesma inspiração sem sacrificar o puro terror das tripas a céu aberto. - JMA
Darkthrone - Eternal Hails... (Peaceville)
Pace yourselves, Darkthrone is back. Pun intended, tendo em conta as nuances doom and gloom à la carte. Embora os rótulos tenham sido já postos de parte há muito tempo, o duo mantém uma dinâmica única e o seu típico compasso gelado, ao mesmo tempo que a melodia nos remete para uma atmosfera nostálgica, seguindo a linha dos mais recentes trabalhos. Inspirados por Uriah Heep e Candlemass, com apontamentos de Pentagram e Celtic Frost, criaram cinco temas que encaixam quase demasiado bem no conceito “epic black heavy metal”, aplicado pelos próprios. Chunky beats e riffs simples e repetitivos q.b. parecem ser a receita ideal para criar earworms que, emparelhados com uma voz ríspida e fria, abrem um portal direto para o underground dos anos 80. Do crust punk ao NWOBHM e epic doom, provam-se novamente capazes de fazer qualquer regresso aos primórdios valer a pena. - AT
Deathchant - Waste (Riding Easy)
Cruzando um musculoso, motorizado, destravado e oleoso heavy rock cadenciado a um dinâmico coice punk e sintonizado na mesma frequência de Thin Lizzy e Motörhead, com um imperioso, melódico, enigmático e umbroso proto-metal revolvido a efervescente psicadelismo, e ainda um chamejante, corrosivo, eruptivo e excruciante grunge de febril fogosidade a fazer recordar Melvins e Corrosion of Conformity, este impactante Waste estreita os contrastes entre o peso e a leveza, a desaceleração e a aceleração, a ternura e a aspereza. São 30 minutos trilhados a alta rotação e climatizados a escaldante comoção. Este Waste é um registo verdadeiramente ofensivo, intempestivo e demolidor – de faca nos dentes e forte odor a gasolina – que me esporeara, estremecera e empolgara do primeiro ao derradeiro tema. Agarrem firmemente as rédeas desta possante cavalgada de espadas desembainhadas, narinas fumegantes e lanças empunhadas, e deixem-se consumir pelas negras e infernais labaredas de Deathchant. No final, restará um corpo ofegante, respingado de suor e com o coração desesperado, agarrado ao gradeamento torácico. Um dos meus álbuns favoritos de 2021 está aqui, no polvoroso desassossego destes quatro cavaleiros do apocalipse. Amotinem-se nele. - NT
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Drug Church - Tawny (Pure Noise)
Tawny não surge como uma entrada de escala completa no repertório dos Drug Church, mas mais para acalmar os ânimos daqueles que ansiosamente esperavam por material novo do quinteto nova-iorquino desde Cheer, lançado há três anos atrás. Enquanto este EP não marca necessariamente o virar da página para a banda em termos estilísticos e sonoros, não irá, contudo, desmanchar os prazeres de quem se toma por apreciador de refrões extremamente inflamáveis e versos declaradamente niilistas pronunciados ao tom da indiferença. A estirpe de hardcore punk efervescente que há largos anos tem caracterizado o som único da banda ainda se denota aqui como o alicerce fundamental de Tawny, que mesmo em toda a sua efervescência arranja sempre espaço para exibir o seu lado mais dócil. Como tal, o que temos aqui não é um trabalho que, em termos menos formais, ora dá uma de punk, ora outra de pop, pouco se importando com o balanço que cada componente fornece ao panorama integral deste EP. Pelo contrário, expõe, sem medidas dicotómicas, o que de melhor se pode retirar dos dois mundos, regenerando-os numa fórmula tanto intensa quanto mordaz, sem esquecer ainda o tom contraditório das suas melodias joviais e esperançosas em contraste com a lírica subliminarmente absurdista. - JG
Expo Seventy - Evolution
Orvalhado por uma densa nebulosidade psicotrópica e magicado por um imaginativo experimentalismo sónico, Evolution representa todo um exótico sortido sonoro que combina um hipnótico, misterioso e caleidoscópico krautrock de propensão estelar, um absorvente, mântrico e convincente drone de deslumbramento sensorial, e ainda um fumarento, obscuro e lamacento psych doom de intensa toxicidade. De radares apontados à contemplativa digressão pelos desertos galácticos dos australianos Ahkmed e à incisiva combustão deflagrada pelos efervescentes britânicos Blown Out, este druídico power trio com bateristas rotativos dissolve e revolve o ouvinte numa inescapável narcose sem fim à vista. Toda uma demorada, embriagada e evolutiva viagem de efeito desorientador e clima devocional, que tanto nos afaga e embala numa lisérgica e meditativa hipnose pelo admirável e interminável negrume cósmico, como naufraga e eletrifica numa apocalíptica tempestade que atormenta um relampejante quasar. Evolution é uma experiência imensamente redentora, obsessiva, explorativa e enlouquecedora que nos dilata a consciência e emudece os sentidos. Percam-se e encontrem-se por entre a morfínica euforia de Expo Seventy, e vivenciem com inquebrável fascinação um dos opiáceos sonoros mais poderosos do presente ano. - NT
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Gustavo Costa - Entropies and Mimetic Patterns (Lovers & Lollypops/Sonoscopia)
Verdadeiramente fantástica a escuta deste disco a solo de Gustavo Costa, desafiante proposta que nos leva numa soberba viagem pelas possibilidades criativas da percussão através de um registo ousadamente experimental e frequentemente surrealista. A descrição pode perfeitamente originar comparações a João Pais Filipe, e estas não deixam de fazer algum sentido, já que ambos usam a percussão como fonte de exploração sonora, mas se o primeiro opta por um tribalismo hipnótico, Gustavo valoriza a imprevisibilidade e a complexidade rítmica. É verdade que tanto um como o outro evocam algo de intensamente espiritual e ritualista com as suas composições, mas as de Gustavo são mais diretas e concisas (sem deixarem de ser pormenorizadas), com exceção da apoteótica peça final, acabando por funcionar como uma coleção idiossincrática de “colagens” percussivas, quase como o estudo de ideias que vão ganhando forma na mente do seu criador. Um álbum onde as músicas mais parecem sugestões, que vive pacificamente entre a improvisação e a elaboração cuidada, e que constitui uma oferta absolutamente recomendável. - JA
Hiatus Kaiyote - Mood Valiant (Brainfeeder)
E aqui reaparecem eles, submersos no seu próprio groove colorido de néon. Um neo soul enriquecido, volátil no estado de espírito. Narrativas focadas na nostalgia, na perda, na dor, no destemor e nas maravilhas da vida e da morte, têm atrás um cenário bem preenchido pelo magnetismo do jazz, o calor do soul, as cores vibrantes do pop e o impulso ofegante da eletrónica, que se consegue tornar monumental na sua tendência crescente, policromática e harmoniosa, com dinâmicas que lhe permitem também vaguear no sereno da sensibilidade. À procura do incomum no ritmo, um ponto sempre forte em Hiatus Kaiyote, Mood Valiant teve a mão de Arthur Verocai em alguns arranjos que trouxeram o samba à mistura. Habituados a procurar inspiração nos cantos recônditos da cultura musical, abraçaram o experimentalismo e a curiosidade criativa com mais força do que nunca. Mood Valiant é a digestão do sofrimento em arte e beleza. - BF
Japanese Breakfast - Jubilee (Dead Oceans)
Sobre Jubilee, terceiro álbum do projeto indie fundado e liderado pela escritora e multi-instrumentalista norte-americana Michelle Zauner, esta teve a dizer que, após ter passado cinco anos a escrever ininterruptamente sobre os sentimentos de luto e perda associados à morte da sua mãe por cancro do pâncreas – algo refletido nos anteriores Psychopomp e Soft Sounds From Another Planet –, queria que este álbum fosse sobretudo um álbum “alegre”. E, fazendo jus a este prefácio, é exatamente disso que este álbum se trata. “Paprika”, a primeira faixa do álbum, é de uma complexidade e riqueza extraordinária, com os vocais Björk-ianos de Zauner aqui acompanhados pelos sopros de metal jazzy de um álbum de chamber pop dos anos 2000. Inspirada pelo homónimo filme de animação realizado por Satoshi Kon, “Paprika” contém alguns dos momentos mais criativos de Zauner até agora, tecendo uma atmosfera dreamy e etérea. As faixas seguintes vêm reafirmar essa primeira impressão. “Be Sweet” faz lembrar o boogie de uns Foxygen com os seus ritmos electropop dos anos 80, mas salpicada com arranjos e harmonias um tanto ou quanto mais experimentais, enquanto em “Kokomo, IN”, cordas reminiscentes de Blonde Redhead acompanham o que é essencialmente uma balada indie pop. No geral, há uma energia simplesmente infeciosa que permeia este álbum de uma ponta à outra. - HM
John Grant - Boy from Michigan (Bella Union)
Este disco centra-se no pessoal, no emocionalmente terno mas complicado, que compacta a memória em eletrónica de traços futuristas com uma perspetiva dos anos 80 – uma sonoridade em direção à qual John Grant se tem vindo a magnetizar cada vez mais naquilo que é o passado recente da sua discografia. O som embrutece no ritmo e dá encosto a um analista opinativo. Os entretons pop da produção lisonjeiam o tom impecável usual de John Grant, limpo e seguro, a vir romantizar as letras por defeito. Vemo-nos então engolfados por um teto de sintetizadores e batidas em constante expansão, que fazem com que Little Dark Age e Outside venham à mente, com refrões teatrais que entrelaçam tudo isto na marca d’água que é a sensibilidade ostensiva de Grant. - BF
Kollapse - Sult (Fysisk Format)
Uma jóia escondida, Kollapse são uma banda dinamarquesa que nos apresenta Sult, o seu segundo disco. Feitos de um instrumental que dá uso ao post-hardcore, à cólera massiva do noise, à sujidade do sludge e a um certo hipnotismo doom, o projeto dá, com este álbum, um salto para o gigantismo. O instrumental carregado, que se vê de peso aumentado pelo groove rígido do baixo e pelo escaldar da percussão, forma uma cacofonia alucinada e impenetrável com mais do que muitos exemplos de riffs estrondosos e deslumbrantes. Kollapse apresentam-nos ao isolamento de porções melódicas ominosamente calmas e lamentosamente psicadélicas. Na sua língua-mãe, a voz embrulhada em distorção fixa a agonia como cenário principal deste disco, à semelhança do que se representa na capa do álbum. Com esta beligerância elementar bestial, Sult alimenta-se de uma profundidade emocional martirizante, que dá à sua própria paisagem sonora purgatória um fascínio tremendo. - BF
Rita Vian - CAOS’A
Que magnífica revelação é este EP de Rita Vian, uma obra que caminha doce e suavemente pelo passado e o presente e que encanta na maneira como mistura vozes inspiradas pelo fado com tranquilizadoras batidas eletrónicas urbanas. As memórias dos fados que eram cantados em casa dos avós ajudam a erguer uma inevitável identidade “portuguesa”, mas tudo é apresentado num formato conscientemente futurista, adaptado a um imaginário pop, e que espiritualmente se situa no mesmo campo vanguardista, mas com base na tradição, de artistas como Pedro Mafama ou Conan Osiris. Depois, claro, há aquela voz – já bem conhecida das colaborações com Beautify Junkyards ou Mike El Nite – que se revela poderosa, apaixonada e livre, mas que carrega simultaneamente uma intimidade emocional absolutamente penetrante, capaz de nos aconchegar a alma numa onda de ternura infinita. Contudo, se Rita é a alma do projeto – a sua fonte de poesia sonora, digamos –, muito crédito deve ser também dado a Branko (Buraka Som Sistema) pelo modo magistral como tempera estas composições com uma produção firme e requintada, oferecendo cor e forma às melodias que habitam o mundo musical de Rita. - JA
Rose City Band - Earth Trip (Thrill Jockey)
Este terceiro álbum de Rose City Band vem ensolarado por um embalante, desértico, profético e aliciante country de ambiência Western, arejado por um bucólico, estival, ornamentado e estético folk de clima veraneio, e perfumado por um intimista, sedutor, sonhador e revivalista psychedelic rock de espírito West Coast. A sua sonoridade relaxante, frágil, gentil e extasiante – bronzeada a ébria e etérea nostalgia – desdobra no imaginário do ouvinte todo um idílico tapete verdejante, estriado por frescos riachos de água marulhante, pincelado por uma colorida floração de deslumbrante vistosidade, sobrevoado por alegres pássaros de tom cantante, e trilhado na primeira pessoa por pés desnudos e de sensibilidade aguçada. De espírito mitigado, sorriso imortalizado, e olhar içado no longínquo firmamento onde se debruça o vigilante Sol de resplandecência crepuscular, caminhamos pelas pilosas planícies, debaixo de um vasto céu azul turquesa, em devocional harmonia com a imaculada natureza envolvente. Earth Trip é um sonho musicado de John Muir, um registo talhado a beatitude que vive da doçura, singeleza e ternura, um paraíso naturista onde todas as almas se incensam de plena ataraxia. Esta é a banda-sonora perfeita para encaixilhar finais de tarde solarengos. Esta é a minha praia. - NT
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Seputus - Phantom Indigo (Willowtip)
Formado por três dos membros que compõem Pyrrhon – cujo mais recente registo, Abscess Time, mereceu menção no Overall de junho do ano passado –, Seputus surge como o projeto pessoal do baterista Steve Schwegler, responsável pela composição e escrita por trás deste entrópico Phantom Indigo. Juntamente com uma performance vocal sem precedentes por parte de Doug Moore, bem como a presença indispensável de Erik Malave no assalto hidráulico no baixo, Seputus retornam com um novo registo seis anos após a sua estreia. Demora essa que se viu redondamente esmagada por uma série de discos entretanto lançados com os Pyrrhon, que ocuparam grande parte do tempo no estúdio e na estrada. Algo que até acabou por contribuir para um triunfante retorno, marcado pela ascensão de um som único e intransigente. Composto por um verdadeiro assalto aos sentidos, Seputus navegam por uma miríade de cores e texturas. Quer seja pelo death, grind, noise ou prog, o paredão de som torna-se de tal forma sufocante e imponente que pouco importa saber de etiquetas e classificações. Com praticamente todas as faixas acima dos 5 minutos, e metade delas acima dos 8, é notória a incansável energia que alimenta o fogo de Phantom Indigo. Fogo esse que é capaz de imolar e irromper qualquer coisa que lhe surja à frente. - JMA
Spiralist - THE FUTURE (Trepanation)
Nome já algo sonante nas redondezas do underground portuense, Spiralist dispensa grandes apresentações. O projeto é liderado pelo multifacetado Bruno Costa, cuja visão e ambição o tem levado a compor alguns dos registos mais aventurosos que já havíamos testemunhado na cidade Invicta. THE FUTURE marca não só o regresso do projeto dois anos após o seu último registo (THE CHURCH DYED BLACK), como a colaboração – pela primeira vez na história do projeto – com outros nomes a contribuir nos seus pólos. Desde José Soares nas baterias, ao nosso querido Benjamim Gomes no baixo, bem como os The Armed (sim, OS The Armed) em “Apocalypse Song”, com a própria produção mais uma vez tomada a cabo pelo senhor André Gonçalves (Juro André, começo a ficar farto de te mencionar. Tira umas férias, por favor!) Todos estes ingredientes e mais alguns culminaram num resultado final verdadeiramente expansivo e labiríntico, como uma prenda de natal cujo embrulho parece nunca mais acabar. Se THE FUTURE é premonitório de um grande projeto a vir por parte de Bruno e toda a sua entourage, então prestem bem atenção porque a espera vai valer a pena! - JMA
Sundrowned - Become Ethereal (Fysisk Format)
O álbum de estreia dos Sundrowned contempla uma palete de sonoridades que, embora rigorosamente análogas entre si, se dispõem de maneira inegavelmente agradável. O grupo norueguês destaca-se pela aposta forte num som atmosférico que não se deixa ficar pelos meandros do blackgaze, nem tampouco se contenta em seguir à risca as convenções mais pesadas do post-metal. Em que nem as vocalizações afogadas, porém duras, nem as secções dominadas por rajadas de blast beats conseguem desfazer a delicadeza das instrumentações transcendentes e airosas. Retira-se algo do poderio da instrumentação para que se lhe garanta, antes, um perfil baixo e nada intrusivo. Ainda assim, não estamos de todo perante um disco com falta de autoridade. O seu som caloroso e acolhedor emite, sem grande esforço, uma aura vivaz que troca excessividades por subtileza. É um disco emotivo sem ser melodramático, minimalista sem ser monótono, forte sem ser bruto. À figura da paisagem nórdica, na qual toda a rigidez se ofusca perante a sua beatitude e claridade coletiva, Become Ethereal assegura igualmente que, mesmo nos seus momentos mais frenéticos e arrojados, se devolvem concomitantemente melodias etéreas em porções redobradas. - JG
Turnstile - TURNSTILE LOVE CONNECTION (Roadrunner)
Com uma evolução mais que notável, Turnstile tem-se demonstrado uma banda que adapta o seu som aos tempos em que se faz ouvir. Atual e em reconstrução constante, nunca coloca em causa o caráter autêntico e emblemático facilmente reconhecível que o grupo proveniente de Baltimore tem construído ao longo da sua existência. TURNSTILE LOVE CONNECTION é o rebento de longa data de tudo isto e algo mais. É um projeto ousadamente moderno, jovial e altamente contagiante. É uma coletânea que abre portas à imaginação dos seus autores, sem se esquecer das suas origens. Quer pelas suas instrumentações de arrojo supérfluo, quer pela inconfundível voz de Brendan Yates – revoltada, furiosa e mestrada no grito cantado e no canto gritado –, o novo EP do coletivo de Baltimore é perfeito para aliviar tensões e curar desânimos. TLC explora as mesmas cores de sempre em tonalidades diferentes. Como era de esperar, o hardcore punk interdito à veia criativa de Turnstile faz o seu retorno, mas traz consigo novos amigos: uma variedade de sintetizadores bem-dispostos, guitarras que albergam riffs eletrificantes e animadíssimos, e secções inesperadamente cravadas de melodias estilo dream pop. Apesar da sua brevíssima duração, este EP serve como confirmação, caso suspeitas do contrário por alguma razão existissem ainda, de que Turnstile é um dos nomes no hardcore contemporâneo que mais atenção merece. - JG
Tyler, The Creator - CALL ME IF YOU GET LOST (Colombia)
Apenas um ano depois do enormemente aplaudido retorno de Tyler, the Creator com IGOR, o rapper americano volta mais uma vez com um projeto novo. Não tão submerso numa produção lo-fi como o seu antecessor, CALL ME IF YOU GET LOST abraça a clareza de um dia de verão para deixar tudo a limpo. Tanto a vociferar por batidas altamente dançáveis pela pista noturna, quer a desembaraçar por momentos incrivelmente pessoais e de uma vulnerabilidade brutal, Tyler parece entregar uma intervenção memorável atrás de outra. Desde a über-rítmica “CORSO”, à mais introspetiva “WUSYANAME” ou até mesmo à sujíssima “JUGGERNAUT”, não há uma instância em que o baixo seja poupado, a potenciar não só o contraste das batidas como a própria consistência do disco. Do início ao fim, vê-se um Tyler sedoso, cada vez mais assumido, cada vez mais destemido e desavergonhado na sua procura de ser quem melhor sabe ser: ele próprio. Se IGOR já havia deixado uma marca muito positiva como um dos melhores trabalhos que Tyler já havia feito até então, este certamente não terá qualquer problema em entrar nessa lista também. - JMA
Artigo escrito por: Andreia Teixeira (AT), Beatriz Fontes (BF), Hugo Moreira (HM), João “Mislow” Almeida (JMA), Jorge Alves (JA), José Garcia (JG) e Nuno Teixeira (NT).