Acid Mess - Sangre de Otros Mundos (Spinda)
Alicerçado num bem-sucedido e apetitoso sortido sonoro de onde facilmente se reconhece e apalada a épica majestosidade de um vistoso, melódico e caprichoso heavy prog de tração setentista, a fogosa efervescência de um excitante, caleidoscópico e inflamante heavy psych que faz o mercúrio cabecear os limites máximos do termómetro, e ainda a mística beatitude de um profético, perfumado e estético folk fielmente resgatado da velha Andaluzia, este surpreendente regresso de Acid Mess prende um poderoso afrodisíaco de calor latino e vapores ritualísticos que não deixará ninguém indiferente. Alternando entre plácidas, noturnas e delicadas baladas de onírica e sublimada envolvência, e provocantes, dinâmicas e estonteantes galopadas de instrumentos em selvática debandada, a complexa musicalidade de Sangre de Otros Mundos mantém o ouvinte atrelado a um inesgotável estádio de intensa fascinação. Este é um álbum de composições ambiciosas, rebuscadas e prodigiosas que mantêm as nossas glândulas salivares em constante produção. Um trabalho simultaneamente agressivo e meditativo, eufórico e anestésico, luminoso e umbroso, de beleza e destreza irretocáveis, que resvala nas costuras da perfeição. - NT
(Lê a review completa a este disco no blog El Coyote)
Aesop Rock - Spirit World Field Guide (Rhymesayers)
O próprio deixa-o claro: entramos no universo alternativo de Aesop Rock, um mundo espiritual, para o qual ele nos dá um guia para podermos navegá-lo em segurança. Neste mundo, encontramos uma longa lista de faixas carregadas de informação, cheias de momentos de força, mas as texturas de Spirit World Field Guide servem só para adicionar uma potência quase constante às faixas. O flow excelente de Aesop fala-nos sobre o sobrenatural, aflições pessoais, desconforto, observações absurdas, o mundo espiritual e reflexões sobre o mundo físico. Unindo o elétrico, o acústico e o eletrónico, com uma bateria consistente, drones, chiptunes, um groove encorpado no baixo, samples fora do comum, linhas de guitarra intensas e viciantes, a um background da época de noventa que se mantém firme na exploração e transformação do som, tudo isto é inerente ao nível de qualidade de Aesop Rock como músico e produtor. Este é um disco que nos agarra com força, e as repetidas audições só lhe aumentam essa magnitude. - BF
Bas Rotten - Surge (Raging Planet, Destroy It Yourself, etc.)
Ando aqui há tempos a tentar encaixar Bas Rotten e o seu álbum de estreia Surge num dos rótulos que me deixa confortável. Não é possível. Surge são 17 faixas em 21 minutos de escardoçada bruta, de uma violência inane horripilante. Da raiva que todos levamos nos dentes e nos punhos, e que precisamos urgentemente de descarregar num concerto. Bas Rotten puxam-me de volta aos anos em que era feliz e não sabia, a lavrar com os cornos semana sim semana também, urgh! O nome inspira a saudade de quando ouvia Aus Rotten religiosamente (passo a redundância) e o som inspira... O som inspira raiva, uma raiva primitiva e tribal. Que maravilha de degredo. É rápido, é repulsivo, os vocais estão no ponto rebuçado entre o punk hardcore e o grindcore – leia-se, badalhoco o suficiente para não se discernir as palavras, mas limpo o suficiente para não ser um grunhido ininterrupto. Dá para todos os ogres desta nossa tribo – tem grind, tem thrash, tem speed, tem crust, tem hardcore punk. É o que precisamos nestes tempos tão letárgicos – um murro nos dentes. - ZM
Blunt Razors - Early Aught (Deathwish inc.)
Formados por Gared O’Donnell e Neil Keener, membros dos Planes Mistaken for Stars, os Blunt Razors reúnem nesta estreia um conjunto de seis temas gravados durante o confinamento (entre os quais uma espantosa cover de “Under Ice”, original de Kate Bush) e que se revelam profundamente tocantes e emotivos. Refletem a solidão desoladora de 2020 e remetem-nos para o típico ambiente de banda sonora – não de um filme, mas de um sentimento bem concreto de melancolia poética, de saudades pelos dias pré-pandemia que cada vez mais parecem memórias distantes de um mundo utópico. Situam-se no campo do slowcore e ocasionalmente abraçam o post-rock e até o shoegaze, soando contemplativos ao mesmo tempo que carregam dentro de si uma força tímida mas palpável. Poderá passar ligeiramente despercebido devido à altura “tardia” em que viu a luz do dia, mas Early Aught é uma das maiores pérolas de 2020, um EP de uma emoção arrebatadora e uma qualidade soberba. - JA
Camila Fuchs - Kids Talk Sun (Felte)
Kids Talk Sun é o sinal de chegada de uma belíssima dupla formada pela mexicana Camila De Laborde e o alemão Daniel Hermann-Collini. Entenda-se, no entanto, que este não é o disco de estreia da dupla. Tendo já dois álbuns debaixo do cinturão – deve-se enorme respeito aos seus antecessores –, Kids Talk Sun acompanha a chegada da dupla à capital portuguesa. Atualmente baseados em Lisboa, Camila Fuchs constrói neste seu novo disco um portal sonoro que imediatamente lembra nomes como Björk, The Knife, Nosaj Thing e muito mais. Entre flancos despidos com batidas minimalistas e compassos frequentemente montados a partir de sintetizadores e instrumentos de teclas, as cores e as texturas formam-se como ambientes em molduras a transbordar de emoção e vulnerabilidade. Estranhamente aberto e ambivalente, torna-se desafiante tentar apetrechar um estilo ou género à figura anatómica do álbum, mas mesmo lutando com esse processo, não há como evitar a sufocante presença sonora daquilo que Camila e Daniel aqui criaram. Algo muito especial. - JMA
Causa Sui - Szabodelico (El Paraiso)
O título diz quase tudo. Gábor Szabó foi a referência escolhida como destaque no sexto álbum de estúdio dos dinamarqueses, entre tantas outras que facilmente se reconhecem na sonoridade deste projeto. Aqui, o psych rock, o krautrock e o jazz andam de mãos dadas desde 2004, mas nem por isso se compromete a originalidade nas composições. Sem grandes surpresas, é a guitarra que guia esta vibrante viagem experimental, acompanhada por um baixo e uma bateria com vidas muito próprias, relembrando em certos momentos o calor e o conforto da bossa nova. Synth e flauta adicionam novas cores e texturas à paisagem sonora e conquistam espaço a cada audição. Uma experiência sónica digna dos 70s. - AT
HWWAUOCH - Protest Against Sanity (Prava Kollektiv)
Ainda apresentado como uma entidade anónima e percussiva ao vácuo de uma nova onda de black metal que está atualmente a revitalizar o cenário da música extrema, a Prava Kollektiv tem, nestes últimos dois anos, apresentado mais do que argumentos para serem correspondidos com o devido respeito. Com a última fornada de lançamentos (sempre em simultâneo e em grandes números) a testemunhar a luz do dia, Prava assinala assim o retorno de Voidsphere, Mahr, Pharmakeia, Arkhthinn e HWWAUOCH. Entre os cinco monólitos assinalados, venha o diabo e escolha qual deles é o melhor, mas, por estes lados, foi francamente difícil resistir à revoltante monstruosidade que é HWWAUOCH. Protest Against Sanity é o terceiro disco desta força anónima que conduz uma das inúmeras identidades da Prava. Para além de ser a mais pujante, agressiva, definida e calculada – assolando tempestuosos assaltos de blast beats e riffs gélidos pela atmosfera fora – são os vocais, nada convencionais, que sangram dor e catarse ao longo destas subatómicas seis faixas, que fazem qualquer adepto de black metal puro e duro ansiar por mais. - JMA
Joana Guerra - Chão Vermelho (Miasmah)
Joana Guerra é daquelas artistas cujo talento – podemos mesmo falar em dom – nunca foi, até agora, verdadeiramente reconhecido por cá, pelo menos não ao nível que seria desejável. No entanto, ao ouvirmos os dez temas que compõem o seu magnífico novo álbum, sentimos que esse cenário poderá futuramente mudar. Exibindo uma melancolia outonal que se adequa aos dias de hoje, alimenta-se de vários contrastes – luz e escuridão, melodia e ruído – para construir um mundo que é somente seu, onde o clássico e o experimental se juntam para, num eterno abraço, formar um só. O violoncelo continua presente, mas é também a voz de Joana que guia o disco e o vai enchendo de vida, luz e paixão; uma voz que tanto soa doce e angelical, como arrepiante e inquietante – exemplo disso é “Pedra Parideira”, cujo registo macabro parece saído de um filme de terror. Pelo meio vão surgindo outros instrumentos (guitarras elétricas e portuguesas, teclados, violinos, percussões e até objetos do quotidiano) que dão ainda mais cor a este universo e o revestem de um sentimento de banda refrescante, mas que em nada sacrifica a visão singular deste íntimo manifesto artístico. - JA
Kimono Drag Queens - Songs of Worship (Copper Feast)
Deste sumarento, frutado e apaladado refrigerante borbulha e emerge toda uma apaixonante profusão de desiguais géneros musicais que, em afrodisíaca simbiose, provoca no ouvinte toda uma inesgotável fascinação, imperturbável êxtase, e ardente comoção. De corpo serpenteante, cabeça baloiçante, pálpebras rebaixadas, sorriso golpeado no rosto e espírito integralmente absorvido num perfeito estádio de febril deslumbramento, somos convidados a ingressar num místico e paradisíaco ritual de afago sensorial, superiormente celebrado por um perfumado, catártico, ataráxico e ensolarado psychedelic rock de coloração sessentista e tempero West Coast, um provocante, exótico, erótico e contagiante world music predominantemente musicado no idioma Tuaregue, e ainda um imersivo, estético, hipnótico e contemplativo Krautrock de odor oriental que resvala nas orvalhadas fronteiras de um embrumado, sussurrado, melancólico e fantasmagórico shoegaze. A sua apetitosa, açucarada, caleidoscópica e caprichosa musicalidade passeia-se formosa e progressivamente numa delicada, leve, onírica e embriagada fluidez que nos massaja todas as zonas erógenas do cérebro. - NT
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Luis Pestana - Rosa Pano (Orange Milk)
Este mês não temos poupado nos discos portugueses. Além de Joana Guerra, Mögnö, Rita Braga, Paisiel e ainda Névoa – não incluído neste Overall mas digno de uma review só sua –, Luis Pestana é outro compatriota a surgir nesta alegre família de novembro. Rosa Pano é o seu disco de estreia, com edição orientada pela americana Orange Milk Records, e é um contributo digno da vossa audição. Composto por uma miríade de paisagens sonoras, texturas, frases, sintetizadores, projeções vocais, sinos e até mesmo um cante alentejano, não há como não nos sentirmos em casa a ouvir este disco. Curiosamente, Rosa Pano transcende com uma denotada “obsessão” pelo passado, que por mais nostálgico que possa parecer, verdade é que Luis cria aqui algo fundamentalmente moderno e arrebatadoramente refrescante. - JMA
Madhouse Express - Surreal Meadow
Surreal Meadow equilibra-se por entre uma efervescência vulcânica que nos sobreaquece de ardente euforia, e uma nebulosidade melancólica que nos arrefece de inebriante letargia. A sua obcecante sonoridade, orvalhada a purificante misticismo, texturizada a transbordante psicadelismo e trajada a extravagante revivalismo, desprende o floral aroma primaveril de um intoxicante, solarengo e extasiante neo-psychedelic rock de estirpe sessentista, e a refrescante brisa salgada suspirada por um extravagante, serpenteado e dançante surf rock de ritmos garageiros, ventos westerneanos e arábicos devaneios. Influenciado por carismáticas referências dos vistosos 60's tais como The Doors, Jefferson Airplane e Ultimate Spinach, e climatizado por uma atmosfera onírica que nos mergulha num profundo estádio de imperturbável sonambulismo, este primeiro trabalho de longa duração hasteado pela refinada formação checa liberta toda uma mágica profusão de toxinas. São 44 minutos de pura sinestesia que nos escancara as portas da perceção e esvaia toda a nossa consciência pelos infindáveis desertos da introspeção. Recostem-se confortavelmente, respirem pausada e profundamente, relaxem os membros, e desmaiem neste encantado universo sensorial de Aldous Huxley. - NT
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Mizmor & Andrew Black - Dialetheia (Gilead Media)
Esta colaboração juntou a imponência e incisividade de Mizmor com as tendências de Andrew Black para priorizar o minimalismo no ambient e extrair uma aura de fantasia das melodias. Dialetheia é um disco de força e elegância que expõe o sentimento de isolamento com intromissões cautelosas de sonoridades, feito de reverberações pendentes. “Looking At / Looking In” é uma música de uma beleza quase assoberbante, que atinge dimensões enormes, e que consegue soar delicada mas sempre com uma camada inferior de pressão a fazer-se sentir presente. “Nostalgic Dystopian” chega ao ponto de ebulição na entrada da distorção que quase tapa as notas suaves de um xilofone conforme a força aumenta. Esta colaboração resultou na banda sonora da perceção transtornante de alguma coisa, da compreensão de algo como verdadeiro e falso em simultâneo, e o consequente pairar numa estratosfera de consciência, onde não há consolo mas há alguma paz. - BF
Mögnö - Gaia
Depois de uma longa e duradoura espera, o Montijo vê por fim o culminar de um dos projetos mais queridos do seu cenário local. Apesar de só agora fazer chegar ao mundo a real representação da sua forma, Mögnö são tudo menos novatos no panorama nacional. Tanto quanto sabemos, o projeto existe há anos mas tem vindo a sofrer sucessivos atrasos na produção do seu trabalho. Mudanças recorrentes de alinhamento não é de todo uma combinação ideal quando se procura uma escrita dedicada, paciente e rigorosa. No entanto, Gaia não mostra quaisquer sinais dessa adversidade. Este é um disco que se catapulta pelas atmosferas do post-rock português, e fá-lo de uma forma quase triunfante e sem grandes paralelos. Mesmo seguindo uma filosofia DIY, o resultado final culmina de forma épica e monolítica, emoldurado a partir de três partes centrais, onde a ampliação sonora sobrevoa sob o declínio da mente humana, recorrendo sempre aos elementos da natureza para pintar toda a fragilidade neste mundo. A execução, e todo o panorama que conclui a viagem de Gaia, são dignos da atenção de qualquer um. - JMA
Of Feather and Bone - Sulfuric Disintegration (Profound Lore)
Denver, Colorado tem sido crucial este ano. Não faltando exemplos, desde os recentemente louvados Wayfarer, à imersão catastrófica dos Primitive Man, e até mesmo à criação de Black Curse (projeto formado por membros de Spectral Voice, Primitive Man, Khemmis), é notória a abundância criativa que tem colocado a cidade como um dos epicentros da música pesada americana. Novembro traz consigo outro nome desse cenário, e certamente que não fica nada atrás com a sua animosidade. Of Feather and Bone, trio formado por Alvino, Preston e Dave Grant, mantêm-se sólidos desde os primórdios do projeto. Sulfuric Disintegration é, sem sombra de dúvida, um dos grandes colossos do death metal deste ano. Monstruoso, pulsante e determinado para a destruição total, não há um único momento para respirar. Entrópico, necrófago e impiedoso, com meia-hora que compõe a abrasiva disformidade deste disco, é uma real maravilha testemunhar tamanha brutalidade por qualquer adepto de death metal à antiga. É sofrer até à última, nada mais, nada menos. - JMA
Paisiel - Unconscious Death Wishes (Rocket)
Composto por uma única faixa de trinta e nove minutos, Unconscious Death Wishes traz a base que nos fez gostar do homónimo que o precede e acrescenta-lhe um tom emocional mais desconcertante. À boa maneira de João Pais Filipe, chega-nos uma outra viagem instrumental única, infundida numa mais que vasta variedade de influências, e onde se mantém a junção heterodoxa de géneros musicais que dão a Paisiel a estranheza brilhante que lhes é característica. Nos primeiros minutos de faixa não sabemos onde estamos, estamos desorientados e a recuperação dos nossos sentidos acontece nos detalhes minimalistas da introdução. Tudo vai ganhando movimento, com o empurrão do tribalismo na percussão seca e com as vibrações metálicas dos pratos – um toque industrial que nos prepara para a evolução deste disco. Movido a tons orientais, o saxofone de Julius Gabriel assenta sobre o restante instrumental para brincar com as proporções da faixa, para forçar impulsos e para provocar as mudanças de temperamento deste disco, num pedido de abandono de controlo. Ao transferir constantemente o ouvinte para novas paisagens sonoras, Unconscious Death Wishes ganha uma escala multidimensional, e sublinha a importância de uma experiência xamanística onde elementos de jazz, industrial, eletrónica e early days afrobeat nos dão um pouco de tudo do que não estamos à espera. - BF
Rita Braga - Time Warp Blues (Underground Institute)
Absolutamente deslumbrante o novo álbum de Rita Braga, cantora e multi-instrumentista sediada no Porto que aqui oferece uma excêntrica mas esplêndida viagem por diferentes sons e épocas, que tanto nos transporta para a era do vaudeville como para uma estética new wave, referenciando o passado para o desconstruir no presente. Olhamos para a capa e pensamos imediatamente em Norma Desmond, a personagem de Gloria Swanson no magnífico Sunset Boulevard, enquanto que uma inebriante música onde convivem sintetizadores, violino, órgão ou ukulele, entre outros instrumentos, nos introduz a um universo sui generis. Há temas originais, há versões originais de canções do passado (Peter Ivers ou Miharu Koshi, por exemplo, cantadas nas línguas em que foram escritas) e há uma visita guiada por episódios soltos da história da música e da cultura pop, tudo isso adaptado à peculiar personalidade da sua criadora. Estranho? Sim. Genial? Com certeza. - JA
Shygirl - ALIAS (Because Music)
No mesmo ano em que participou no mais recente disco de Arca, a londrina Shygirl volta a dar cartas com o lançamento de ALIAS, um EP de sete temas tão estranhos quanto maravilhosamente futuristas, dançáveis mas também desconcertantes e bizarros. Toda esta experiência é do mais surreal que se pode imaginar, quase impossível de descrever usando apenas palavras: pense-se num hip-hop que presta tributo ao legado da club music, mas feito com um experimentalismo de tal forma ousado que nos sentimos a dançar numa discoteca sob o efeito de drogas – é assim tão insólito, é assim tão fascinante. Contando com a ajuda de colaboradores como SOPHIE ou Sega Bodega, Shygirl assina aqui alguma da música mais enigmática e incrivelmente visionária que ouvimos recentemente; recomenda-se a todos os que na arte procuram algo diferente e nem sempre necessariamente confortável. - JA
Tiago Sousa - Oh Sweet Solitude
Muito se tem por aqui falado de criatividade cultivada em tempos de pandemia, e o mesmo volta a acontecer com o novo disco de Tiago Sousa, uma obra poderosa onde o diálogo com o piano é majestoso e fluido. É música improvisada de forma calculada, que segue diretrizes básicas para depois se aventurar pelos caminhos inesperados que decide tomar, música minimalista de inspiração clássica que adota uma postura jazz no modo como assume a sua liberdade. Cada composição, mesmo no seu formato instrumental, parece contar uma história, e cada uma encanta, sobretudo quando nos deixamos contagiar pelo silêncio que nos rodeia em momentos de solidão – a doce solidão mencionada no título do álbum – e absorvemos a magia introspetiva deste conjunto de temas. - JA
Trace Amount - Endless Render
Trace Amount é o projeto do músico e produtor americano Brandon Gallagher, que com este EP de seis temas nos conduz a uma das mais alucinantes experiências sonoras que 2020 teve a coragem de proporcionar. Dizer que se trata de uma coleção de músicas intensas seria um eufemismo, pois o nível de insanidade aqui presente (só na última faixa é que uma melodia serena e apaziguadora invade este corpo artístico) é francamente assustador. Industrial/noise visceral, esquizofrénico e incrivelmente denso, que recorda frequentemente Prurient ou Author & Punisher, mas onde também arriscamos sugerir o caos organizado, ainda que musicalmente distinto, de The Dillinger Escape Plan – até pela participação, em dois temas, do baterista Billy Rymer. Um dos melhores e mais surpreendentes lançamentos deste ano, não haja dúvidas: escutamo-lo, arrepiamo-nos e repetimos a experiência – a catarse é viciante. - JA
Voidsphere - To Sense | To Perceive (Prava Kollektiv)
Tendo em conta que foram cinco os novos lançamentos da Prava Kollektiv, não me atrevia a mencionar apenas um. Ao lado de todos os que havia mencionado em HWWAUOCH, Voidsphere é outro que é obrigatório de se mencionar, tendo até em conta o fortíssimo ressurgimento do raw black metal nestes últimos anos. Composto por duas faixas distintas: “The Void Senses” e “The Void Perceives”, a produção inconfundivelmente lo-fi e reverberante pulsiona grandes flancos de atmosfera e peso. Mesmo cru, mesmo enevoado e cavernoso, são as frequências baixas que conduzem a melancólica e esmagadora arquitetura de Voidsphere ao longo das suas extensas e galopantes progressões cósmicas. Relembrando os alemães Trist, que frequentemente navegavam por grandes e repetitivas composições, Voidsphere foca todas as suas energias numa comunicação sem língua, sem sujeitos e sem qualquer interpretação verbal. O seu propósito ressoa em direção ao vazio total, e To Sense | To Perceive faz toda a justiça nessa mesma premissa. - JMA
Artigo escrito por: Andreia Teixeira (AT), Beatriz Fontes (BF), João “Mislow” Almeida (JMA), Jorge Alves (JA), Nuno Teixeira (NT) e Zita Moura (ZM).