A Tribe Called Quest - We Got It From Here... Thank You 4 Your Service
We Got It From Here... Thank You 4 Your Service foi o misterioso título dado ao último registo dos A Tribe Called Quest por Phife Dawg, rapper falecido ainda no decorrer deste ano. Em jeito de homenagem, o lendário Q-Tip, Jarobi e Ali Shaheed Muhammad decidiram mantê-lo e afirmar convictamente que este seria o último disco do coletivo. Mas não o fizeram por menos: We Got It From Here é um disco perfeitamente atual, o que poderia ser estranho de prever tendo em conta que o auge de popularidade dos naturais de Queens se deu com The Low End Theory há 25 anos. Para além de atual ao nível da produção, como fica provado nas fantásticas "Solid Wall Of Sound" e "Dis Generation", também liricamente se mostraram mais interventivos politicamente do que nunca, como na quase profética "We The People". Mestres na sua arte, A Tribo fechou com chave-de-ouro (até ver) uma discografia invejável.

Anderson .Paak - Malibu
Os últimos doze meses só podem ter sido inacreditáveis para o californiano Anderson .Paak. Passou de convidado obscuro de Compton, o disco de regresso de Dr. Dre, para um dos nomes mais aclamados do R&B mundial, e para tal muito terá contribuído o lançamento de Malibu. Uma hora de canções praticamente imaculadas que se estendem do funk irresistível de "Am I Wrong" até baladas soul como "The Dreamer", passando por colaborações com históricos do rap como The Game em "Room In Here". Beats viciantes e uma boa-disposição contagiante: está coroada a rising star de 2016.
Angel Olsen - My Woman
Angel Olsen já não é a voz invulgar da folk campestre e melancólica, quase fúnebre, que nos mostrou em 2012 com Half Way Home. Nem é, tão pouco, a indie-rocker insegura e introspectiva de Burn Your Fire For No Witness, magistral disco de 2014. Confiante, direta ao assunto e provocadora, Angel em 2016 revelou a sua terceira persona autobiográfica num My Woman aveludado, adocicado e imaculadamente produzido. Hinos carregados de atitude como "Shut Up Kiss Me" e viagens pelo songwriting cínico e ao mesmo tempo genuíno de Angel como "Sister" ou "Woman" são canções que transformam um bom disco num grande disco. A menina fez-se mulher.
ANOHNI - Hopelessness
Quando a canção de protesto se fragmenta, quando ganha um novo ponto de vista, um novo som, encontramos Hopelessness. Deparamo-nos aqui com eletrónica de dentes aguçados e polidos por dois dos melhores produtores contemporâneos: Daniel Lopatin e Ross Bichard. Em ANOHNI encontramos uma presença ausente, um narrador que carrega em si e na primeira pessoa várias vozes: se em “Drone Bomb Me” Anohni é uma criança afegã que vê a sua família morrer num ataque drone e quer partir com ela, em “Obama” encontramos uma despedida agridoce do 44º presidente dos Estados Unidos da América, presidente que é acusado de trazer falsas esperanças a um país que ainda se pinta a cores de preconceito e a vermelho de “execuções sem julgamento”. Hopelessness é um grito de desespero, um grito de ânsia pela mudança que tanto demora a corporizar-se.
Car Seat Headrest - Teens Of Denial
Will Toledo passou os últimos 6 anos a gravar mais de uma dezena de discos de um rock com tanto de sonicamente sujo como de liricamente sumarento. Em 2016, as canções do natural da Virgínia continuam maravilhosas, mas o primeiro disco com uma verdadeira produção de estúdio trouxe os seus Car Seat Headrest à ribalta indie. Teens Of Denial consegue conjugar enérgicos hinos punk ("Fill In The Blank" ou "Drunk Drivers / Killer Whales") com baladas de junkie à la Beck dos primórdios ("Drugs With Friends") ou ainda com autênticas viagens pela brilhante mente de songwriter de Toledo ("Cosmic Hero" ou "The Ballad Of The Costa Concordia"). O humor desarmante de Toledo perante a depressão faz deste um disco de uma geração.
Childish Gambino – Awaken, My Love
Se estavam à espera de um álbum de rap, certamente ficaram desiludidos. Donald Glover já nos habituou a sermos surpreendidos por ser sempre talentoso na sua versatilidade, tanto nos ecrãs como na música. Em “Awaken, My Love” arrebata totalmente com as expectativas, fugindo da linha trágico-cómica de Childish Gambino e presenteando-nos com um álbum dedicado à cultura negra norte americana, à semelhança do que faz com a série Atlanta. De Funkadelic a Prince, este é um dos trabalhos mais inspirados e soberbos que no portefólio de Glover.
Conan – Revengeance
Guerra, sangue seco em crânios escavados. Machados de guerra e batalhões imensos em marcha, é aqui que os Conan, nascidos nas entranhas de Liverpool, são já conhecidos por nos trazerem histórias sobre tudo isto… com a particularidade de as intensificarem astronomicamente. Trazem às costas o peso dos 2 lançamentos monolíticos anteriores (Monnos e Blood Eagle), mas ainda assim conseguiram, em janeiro de 2016, oferecer-nos um trabalho ainda mais brutal e impiedoso que os anteriores: Revengeance. A verdade é que não se esperava nada menos de uma banda que afirma ser tão pesada como “interplanetary thunder amplified through the roaring black hole anus of Azathoth”.
Cult of Luna & Julie Christmas – Mariner
Para além de ser um álbum incrivelmente divertido de se ouvir, é um trabalho que demonstra a funcionalidade que os suecos Cult of Luna ganharam com a melodia, não só graças à voz da Julie Christmas, que foi crucial para o verdadeiro sucesso do álbum, mas também à cor e presença que as guitarras desenharam ao lado dela. Sendo constituído por músicas extensivas, é difícil nomear deixar uma faixa no esquecimento, até porque a química da colaboração passa a transportar força de peso e contraste faixa após faixa, cada uma a conseguir alcançar e realçar tremenda personalidade e identidade unitária, o que acaba por ajudar a diferenciar uma música da outra. Com consistência nas linhas de raciocínio, o trabalho desenvolve-se continuamente como um romance de sci-fi ou um navio a percorrer oceanos e a obstruir marés com o gigantesco porão de peso. Notam-se as transições e as mudanças de fundo, mas o percurso não muda direção.
Danny Brown - Atrocity Exhibition
Fenómeno underground pelas suas inúmeras mixtapes sobre a Motor City, mas também pela sua personalidade de misfit e curiosa catividade nas redes sociais, Danny Brown chega ao fim de 2016 como muito mais do que isso. Atrocity Exhibition eleva-o a um estatuto de aceitação global que XXX em 2011 e Old em 2013 já haviam prometido. Irreverente e provocador, Atrocity conseguiu combinar algum do hip-hop mais abstrato, inovador e experimental que pudemos ouvir este ano ("Downward piral", "Dance In The Water") com autênticos socos no estômago de hip-hop caótico ("Really Doe", "Ain't It Funny", "Pneumonia"). Danny Brown não sabe fazer mal, e mostrou-o novamente.
David Bowie - Blackstar
Blackstar não é um mero álbum: é a metáfora perfeita de uma vida que se fez de altos e baixos, que aprendeu com o que ela lhe deu e que agora repousa num lugar que é seu mas que não assume como eterno; é a aceitação de si e a ausência do medo do futuro que glorifica a penosa nostalgia da sua imortalidade. Um álbum de jazz e de rock, brilhante e negro, experimental e clássico, revoltado e conformado, que não precisava da morte do seu criador para ser um dos marcos maiores no panorama musical de 2016.
D.D. Dumbo - Utopia Defeated
O nome faz jus ao que D. D. Dumbo nos presenteia - uma total desconstrução da harmonia musical que geralmente procuramos e que nos agrada pelo seu tom de familiaridade. Absurdamente criativo, e estranhamente belo, este álbum caracteriza-se pela sua tremenda dificuldade em categoriza-lo, fazendo dele uma das mais ambiciosas e promissoras estreias que nos conseguimos lembrar.
Graves at Sea - The Curse That Is
Os Graves at Sea são uma banda formada em 2002 por Nick Phit and Nathan Misterek, tendo ao longo destes anos, mais ou menos ativos, lidado com algumas mudanças de alinhamento e até com a morte de um membro original. Apesar de terem já 15 anos de carreira e contarem com alguns EPs, Singles e Splits editados, este é o primeiro verdadeiro longa-duração de estúdio da banda norte-americana. Ao longo de mais de uma hora, The Curse That Is junta os mais lamacentos riffs de Doom com a maior podridão do Sludge, construindo assim uma atmosfera única de claustrofobia e crescendos épicos. Liricamente fala da tendência da banda para a dor, depressão e vícios, sendo a angustiante voz de Nathan Misterek, um gutural vindo das profundezas da sua existência, o ingrediente final que faz aumentar ainda mais o peso da música e sua carga emocional. Um must para qualquer fã do género.
Ian William Craig - Centres
Nos primeiros segundos de Centres somos imediatamente sugados para um turpor existencialista e contemplativo num álbum construído a camadas meticulosamente calculadas, vozes torturadas e manipuladas, sonoridades frágeis e eteréas que são manchadas a feedback e deterioração analógica que facilmente nos remete para William Basinski. Vagueamos entre sintetizadores analógicos, reel-to-reel machines e tape decks com defeito, vagueamos também entre vozes fragmentadas que nos murmuram pequenos grandes segredos: “We're machines of forgetting / Throwing all these things to time”. Todos estes fragmentos convergem para um centro uno, delicado e sem precedentes: Centres é um dos discos mais inovadores do ano sem nunca perder a comoção ou a convulsão, nele entramos num loop de melancolia, de desintegração.
Jessy Lanza - Oh No
Não deve se ser por mero acaso que se lê pela internet que a Jessy Lanza é uma “futuristic fairy”. Em Oh No deparamo-nos com sonoridades caleidoscópicas, num álbum que começa com “New Ogi” que é quase como um apanhado de tudo o que vamos encontrando pelo álbum: com uma linha de synths dinâmica que demonstra bem influências de synth pop japonês nos fins dos anos 70 e inícios dos anos 80, com artistas como Miharu Koshi, Ryuichi Sakamoto e Akiko Yano. Oh No é uma mistura synth pop nipónica da década de 70 com uma brisa fresca de tropicália quasi-baiana banhada na ingenuidade de uma ‘menina que dança’ e uma explosão de cores, de verdes tropa, de dourados ofuscantes, de azuis safira.
Kvelertak - Nattesferd
Os Kvelertak são uma banda norueguesa que tem vindo a construir a sua carreira misturando Black Metal com Rock N' Roll, uma combinação a que já se dá o nome de Black N' Roll. Fazem-no tão bem que são uma daquelas bandas que nos fazem questionar quais são as fronteiras de cada género, se é que existem. Regressaram em 2016 com o seu terceiro disco, Nattesferd, um álbum pesado, agressivo e cheio de riffs soberbos, onde se podem também encontrar elementos Punk, Hardcore, Heavy Metal ou Hard Rock, com toda esta amálgama de estilos a funcionar na perfeição. Neste disco a banda encontra também espaço para momentos de introspeção, com belos dedilhados de guitarra, que combinam na perfeição com a agressividade e intensidade já características dos trabalhos anteriores.
Nick Cave & The Bad Seeds - Skeleton Tree
Há perdas que nos deixam incompletos, caóticos, com os olhos vidrados e de boca semi-suspensa por um pensamento interrompido. O “agora” escapa entre os dedos sem que dêmos por isso: envelhecemos anos num segundo. Foi isso que vimos em “One More Time With Feeling”, um Nick Cave curvado pela dor, mas heroicamente comprometido a continuar. “Sentir no coração algo que não se experienciou é quase impossível”, no entanto Skeleton Tree deixa-nos um passo mais próximos de sentir essa mesma dor, de Cave e quiçá, de nós próprios, da nossa finitude e da efemeridade de tudo o que nos rodeia. “You’re a distant memory in the mind of your creator, dont you see?”. Um loop de desespero que se materializa na produção do álbum com relevo nos sintetizadores, no piano de cauda típico de Cave e em drum machines apocaliticamente indiferentes.
Nothing – Tired of Tomorrow
Fazendo questão de mergulhar na história da banda e naquilo que é a vida de Dominick Palermo, fundador da banda, qualquer ouvinte consegue sentir a dolorosa realidade das palavras choradas ao longo do álbum. Entre ritmos salientes e dançáveis, as guitarras berram com uma naturalidade e vivacidade quase calorosa através das envolventes melodias de muita cor e elevação. Contudo, a banda não esconde a clara influência de My Bloody Valentine, Nirvana e Braid, até porque conseguem definir-se de forma tão natural, que dispensam referências. Um registo que merece louvor pela sua eficiência, simplicidade e no quão brutalmente honesto é perante um mundo que vive constante pressão para corresponder a algo plenamente irrealista, enquanto preserva durante aproximadamente 45 minutos de música, um acolher tão sincero e orgânico, como poucos registos conseguem fazer.
Oranssi Pazuzu - Värähtelijä
2016 ambiciona mais alto do que nunca para os finlandeses. A tentar alcançar uma imagem mais tangível e “acessível” daquilo que tem sido o percurso de grupo, Värähtelijä é um álbum que se despe em gélidos ventos de caos e emoção, perante espirais nórdicas e sacrifícios divinos, sempre invocado no aéreo e com riffs de tamanha dimensão, a banda consegue definir proporção, textura e intensidade desde o início ao fim, com algumas das mais memoráveis transições deste ano. Hipnótico, físico e iluminado. A mítica besta inspira e expira, por fim!
Parquet Courts - Human Perfomances
Um álbum cru e sem adornos que vem demonstrar que os Parquet Courts estão aqui para ficar, e que ainda é possível fazer rock vibrante e inspirador na atual cena musical. A mestria das letras encontra neste álbum uma vibe Velvet Underground-iana criada pelos nova-iorquinos, não desleixando a necessidade de criar um som que seja seu, fazendo deste o seu trabalho mais maduro da banda até à data.
Paul Jebanasam - Continuum
Continuum é um álbum paradoxal que se foca na potência da natureza, que se consuma apenas sob a direção da ciência; que oscila entre momentos de hostilidade e de calma tingida de feedback e de arranjos minimalistas. O paradoxo estende-se: se os nomes das faixas parecem meras equações, essas têm palavras: “search another / lose you / place / doubt I am to meet you again”, mesmo estas equações à primeira vista meramente matemáticas, revelam-se pequenas narrativas fragmentadas. Todos os sons maquinais e espaciais de Continuum têm tanto de científicos como de emocionais, carnais, quase humano. Dilacerante como uma Rachael a descobrir que a sua humanidade foi fabricada, Continuum explora barreiras e paradoxos futuristas, por vezes que ultrapassam qualquer racionalização possível.
Roly Porter – Third Law
O inglês está longe de ser um génio no estilo, nem tão pouco um criador de um movimento, mas se há algo que tem que ser dito, é que o Third Law merece o devido respeito. Na sua maior parte constituído por sons disformes e alarmes de perigo, o último trabalho de Roly Porter prepara uma viagem com imensos impactos nos mais profundos corais do cosmos. A validar-se de forma tremenda entre transições épicas e vastas, em contraste com as tangíveis e bem sentidas palpitações de textura e cor, numa espiral de sonhos ecoados nas superfícies estelares e frequentemente acordado em momentâneas respirações de puro desespero, este é um registo que pela funcionalidade e frieza nas decisões, pode mostrar-se crucial em distanciar-se da maioria dos lançamentos dentro do noise/ambient para algo mais digno e perpétuo da etiqueta de “experiência,”.
SubRosa – For This We Fought The Battle of Ages
Num percurso que tem dado à banda tantas razões para prosseguir nesta direção, o grupo de Salt Lake City retorna em 2016 com um registo que abateu adeptos de todos os escalões do metal. Algumas das razões podem variar entre a produção de luxo, a clara afluência de J.R.R. Tolkien nas melodiosas saudades de dias chuvosos, a inteligente forma de abraçar e explorar em profundidade os elementos clássicos entre momentos de peso e progressão, as dualidades concordantes que nunca fizeram tanto sentido como aqui, emotivamente forte e repleto de momentos memoráveis. A começar pela muito energética primeira faixa e a acabar na “Troubled Cells”, este álbum é uma ode aos que hoje lutam por aqueles que não suportaram a dor de serem diferentes, ou de serem eles próprios.
Ulcerate – Shrines of Paralysis
Os míticos Ulcerate retornam ao mundo mortal com um álbum que demonstra o quão importante esta banda é para o futuro do death metal técnico. Desde sempre reconhecidos pela natural inclinação para progressões discordantes, a abraçar flancos de ruído pleno em dissonância e matemática rítmica, é com todo o sentido do mundo que vemos este álbum a aprofundar o talento da banda para arquiteturas colossais e desenhos megalómanos de pura destruição. Um baterista que se mantém responsável pelo coração da banda, a dirigir um apocalipse anatómico perante as monstruosas guitarras, impiedosas a contornarem a direção do baixo e dos cavernosos guturais por parte do vocalista. O balanço geral é incrível e a orientação individual de cada elemento só sublinha o quão inato o resultado final aparenta ser. Longe de ser para qualquer um, mas mesmo para os mais experientes, é um colosso que é capaz de deixar marca.
Verdun - The Eternal Drift’s Canticles
Os Verdun surgem num movimento renascentista do Doom que, aliado ao Stoner, tem trazido ao longo dos últimos anos bandas como Electric Wizard, With the Dead, Monolord e até mesmo o regresso dos Sleep. A banda francesa junta-se a esta lista sem precisar de ser comparada a qualquer um dos mencionados, trilhando um caminho próprio neste movimento com um talento de que The Eternal Drift’s Canticles é a maior prova. Partilham com eles, no entanto, a potência e intensidade do seu som, a que juntam um caos controlado e um ambiente sombrio, bem evidente em faixas como “Glowing Shadows” ou “Dark Matter Crisis”, esta última que acabou por ser a mais memorável faixa deste surpreendente disco. Em jeito de curiosidade, a banda conta agora com um vocalista português no alinhamento, Paulo Rui (Besta, Redemptus), tendo este álbum sido gravado antes da sua entrada.
Weyes Blood - Front Row Set To Earth
Uma viagem aos tempos áureos do folk e do psicadelismo dos finais da década de 60, inícios de 70, consegue ser uma das coisas mais refrescantes que ouvimos em 2016. Desaventuras no amor contam-se a um ritmo lento e livre num álbum recheado de exuberância melódica, e zero pretensão.