
Durante dez anos, Santa Maria da Feira, foi reconhecida não meramente como a cidade onde se realiza a Feira Medieval, mas também como hospedeiro de um dos festivais de eleição dos melómanos deste país. Por lá passaram nomes como Devendra Banhart (não é assim de estranhar a faixa com o nome da cidade), ou Sufjan Stevens. Quando a mudança do Festival Para Gente Sentada foi anunciada, o burburinho nas redes sociais não tardou a acontecer, e entre subscritores e opositores da mudança, a realidade é que Santa Maria da Feira perdeu para si um grande marco cultural.
Braga é a cidade que passa a lucrar com esta mudança, mudança essa que se traduz também num registo diferente do Festival que é transportado para a cidade. Assim, não é meramente o público do Gente Sentada que passa a ganhar por agora assistir a concertos numa das mais belas salas de espetáculos do país, mas também a população local que passa a ter concertos de acesso gratuito espalhados por alguns locais da cidade. Foi desta forma, que entre dezoito e dezanove de Setembro aconteceu esta nova primeira edição do Festival para Gente Sentada, divido entre o centro da cidade durante a tarde, o Theatro Circo para os grandes nomes do cartaz, e o GNRation, espaço recreativo/cultural de Braga que aqui passa a ser palco do experimentalismo e inovação musical.
Os concertos pela cidade durante o primeiro dia passaram um pouco despercebidos, sendo assistidos por poucas pessoas que não compreendiam bem o que se estava a passar. Por ser a primeira vez, Braga não incorporou logo em si o evento, mas que o aceitou de braços abertos fez-se notar ao segundo dia, onde já se encontravam mais pessoas a verem os concertos (não contabilizando as que passavam apenas), e a interagirem mais com os ritmos que agora se respiravam pelo centro histórico. Quem lá passou assistiu a concertos como o de Serushio, Benjamim (agora sem Walter), o ex-Ornatos Peixe ou os Toulouse, ou Sun Blossoms.
É no entanto no Theatro Circo que acontece o Festival na sua essência, este ano recheado com um cartaz musicalmente eclético. As honras de inauguração couberam a Bruno Pernadas, acompanhado por uma ensemble constituída por uma variedade de instrumentos. Entre cordas, sopro, percussão e teclados, este músico da capital demonstrou bem ser muito mais do que um artista de estúdio com o aclamado How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge. Prova disso foi o desejo geral que o concerto tivesse continuado um pouco mais de tempo, causando desagrado entre o público e a banda. O momento que se seguiu foi muito mais que um mero concerto. A fazer do intimismo o seu vestido, Yasmine Hamdan aproveitou a distância cultural para aproximar o público das suas músicas. Contextualizando-as, interpretou grande parte de “Ya Nass”, que não funcionando tão bem ao vivo, em nada perdeu o encanto, muito devido à delicadeza e paixão da artista libanesa e seus músicos. Continuando a viagem pelo mundo musical, passamos para o country genuíno dos Giant Sand. Com o mais recente Heartbreak Pass na bagagem, encontram-se a celebrar trinta anos de carreira, e com uma formação que enfrentou bastantes mutações, não admira que os concertos nem sempre corram da melhor forma. Não obstante, os anos de experiência fizeram com que Gelb e companhia se sentissem em casa e proporcionassem um bom espectáculo, havendo até tempo para que Brian Lopez pudesse apresentar um dos seus temas.

Assim como aconteceu com os concertos pela cidade, também no Theatro Circo se sentiu um primeiro dia morninho, principalmente comparando-o com o segundo, onde (em grande parte devido ao cartaz) o público já se sentia bem mais interessado em acolher e viver o Festival para Gente Sentada. Coube a B Fachada iniciar o fecho deste renovado festival. Não causando supresa a ninguém, Fachada, é já um dos mais consagrados canto-autores do panorama social. Percorrendo o seu reportório, as histórias trágicas acompanhadas a guitarra e sintetizador, na maior parte das vezes “performam-se” numa linguagem corporal que chega a roçar o pythonesco, e isso só pode agradar.
É também através da performance que Lydia Ainsworth conquista o público bracarense. Sozinha em palco, usando um estranho véu de uma qualquer princesa retirada do imaginário de Frank Herbert, consegue preencher todo o Theatro Circo com a sua música sensorial. Eletrónica subversiva aliada a uma voz adocicada fazem a fórmula que hipnotizou todo um rendido Theatro Circo. Para o fim ficou o nome maior de todo o festival. Desert’s Songs é um marco da década de noventa, e foi maioritariamente com esse álbum que os Mercury Rev construíram o seu concerto. Carismáticos e senhores do palco, não demorou a que certa altura, ao observarmos o público, encontrássemos fileiras completas a marcar o compasso das músicas com o pé a abanar em total sincronia. Claramente grande parte do público que ali se encontrava tinha vindo para ver estes históricos americanos, e, sentindo o carinho do público, não desiludiram as expectativas. Mesmo com a tristeza de não voltarmos a ter um encore, os Mercury Rev conseguiram criar o impacto e sedimentar este novo Gente Sentada nas nossas memórias.

Depois do Theatro Circo os mais resistentes tinham direito a continuar a sua viagem pela sonoridade eclética à sua espera no GNRation. Num registo que puxava mais para o pezinho de dança alternativo, houve ainda tempo para as cordas serem rainhas, no primeiro dia ao som do nigeriano Mdou Moctar, e no segundo com Filho da Mãe & Ricardo Martins a serem uma (óptima) extensão dos bons concertos que confortavelmente assistimos sentados.
É certo que o Festival para Gente Sentada procura um novo rumo, e depois desta renovada edição que muita estranheza provocou aquando o seu anúncio, outra certeza com que ficamos é a de que esta mudança de rumo não é uma mudança de identidade. Continuando a ser um altar-mor de quem quer verdadeiramente desfrutar de música, sentimos mais uma vez por parte da Ritmos o carinho de melhorar e oferecer mais ao seu público, sendo esta mudança de paradigma um doce bónus que ninguém pediu, mas que todos agradecemos.
