A entrada no espaço do Tivoli é quase mágico. Nota-se a madeira envernizada, a pintura branca, o mármore e a escadaria para o auditório principal, parecendo tudo retirado de um conto do Eça de Queiroz. A orientação do staff é sempre apreciada, tal como o conforto dos lugares sentados e a pontualidade do espetáculo. A iluminação compõe grande parte do espetáculo visual da sueca e da banda, sendo que as suas silhuetas complementam a dinâmica da música na perfeição. Estes abrem o palco com uma musculada nota grave que parece bem capaz de derrubar uma muralha ou implodir o corpo de cada um presente. É dolorosamente satisfatório. O som transita para outras notas e a abertura de Dead Magic ganha forma em “The Truth, The Glow, The Fall”. Enquanto se mantendo fiel ao seu formato em estúdio, a faixa ganha uma identidade monstruosa ao vivo. Muito mais emotiva, sentida e estridente. Sentimental na claustrofóbica forma de encarar o coro de Anna Von Hausswolff, mas progressiva no que toca ao coletivo da banda e toda a sua versatilidade. O espectro sonoro expande de forma quase transversal nas faixas mais “drone” do último álbum. Compondo já uma noite sólida, foram momentos como o build-up sufocante de “Ugly And Vengeful”, o solo de órgão em “The Marble Eye” e a ascensão divina em “Kallans ateruppstandelse” que transformaram aqueles 30 minutos numa sensação de presença quase despida de tempo. Um talento que já se tinha observado na última visita da artista, onde a música desta alcança uma forma presencial e temporal plenamente abstracta e inconsciente. Como uma anestesia ou uma missa.
“The Mysterious Vanishing of Electra” foi sem dúvida um dos momentos altos da noite, onde se pôde ver a veia neo-folk/avant-garde da jovem a ganhar forma em palco. A beleza do refrão transcende nas repetições mas é na explosão que se vê um mar de cabeças a arrancar ligeiros movimentos, tão inevitáveis como sentidos, ao longo do ritmo das batidas. “Pomperipossa” e “Come Wander With Me/Deliverance” visaram uma despedida mais do que digna a uma sala rendida. O sentimento era comum em todo o espaço, tanto que mesmo após a última música da noite, ouviu-se um aplauso interminável em pedido de um encore. Com um encore a ser entregue. Como se o público não estivesse já convencidíssimo desde a primeira nota que pavimentou o histórico auditório, este ainda teve direito a uma Anna Von Hausswolff a despedir-se de Lisboa com “Gösta”, enquanto a caminhar em direção ao fundo do corredor, onde cada paragem mostraria uma jovem incrivelmente pequena mas com um mundo de sons e paisagens no seu timbre. A admiração é constante, tal como os olhares vidrados na compostura e dignidade de Anna Von Hausswolff. Não se esperava nada mais, nada menos do que isto. Uma noite para relembrar até à próxima vez. Até lá, obrigado por voltares Anna. Já se transpira saudade.

Fotografia da autoria de Sérgio Marques, gentilmente cedida pela promotora Uguru.