Poucos dias antes da vigésima edição do Bloodshed Fest, foi anunciado que esta será a última. Para além de ter uma identidade bastante peculiar, este festival também tem um espírito absolutamente DIY, o que torna toda a experiência particularmente única. Tal como no ano anterior, o Effenaar foi o local escolhido para a realização histórica desta última edição. Para quem não conhece, o Effenaar é composto por dois auditórios. A sala principal, com uma capacidade de 1300 pessoas, e a sala secundária para 400 pessoas.
Ambiente
Dia 1
A abrir as hostilidades do primeiro dia e no second stage, subiram ao palco os Bad Luck Rides On Wheels, que são uma unidade de metal com elementos de doom, drone e sludge. De seguida, vindos das florestas profundas de Borlänge e de Eindhoven, subiram ao palco os Dödsrit. A banda mescla elementos de black metal e crust, alimentados por uma melancolia alucinante que pulveriza uma entrega punitiva e sombria. Pesados na indução de uma agressividade sem remorso, mas ainda assim caindo em passagens de uma atmosfera sombria e inquietante. Em simultâneo, no noise stage já começavam a aparecer as primeiras pessoas. Este palco é essencialmente um autocarro antigo e recuperado, muito ao estilo DIY do festival, onde podemos presenciar alguns sets musicais com características inigualáveis e com um ambiente bastante intimista. A abrir as hostilidades foi o interessante set de Zalm, muito dentro do noise e grindpunk.
Os Brucexcampbell, um coletivo dentro do grindcore, foram a banda escolhida a abrir o main stage, enquanto meia hora após terem começado o seu set, começavam no palco secundário os Gets Worse – que são uma banda de powerviolence de Leeds, UK. Tocaram músicas brutalmente pesadas, carregadas com riffs maciços, bateria explosiva e grunhidos com vocais bárbaros. Os Dopethrone, que recentemente passaram por Portugal, no Sonic Blast, em Moledo, tocaram de seguida no main stage. São uma espécie de analogia musical entre uma mistura suja de neve alucinógena, sangue, lágrimas e sonhos desfeitos, e presenciaram o público com um dos concertos da noite, onde foram absolutamente esmagadores. Provavelmente foram uma das grandes surpresas musicais do dia.
Formados em 1996, os Coffins vasculham as profundezas da escuridão dentro da sua identidade sonora, algures dentro do espectro musical do doom e do death metal, onde trouxeram essa mesma atmosfera tão própria deles ao Effenaar. Os Trappist foram formados em 2014 por elementos e ex-elementos de Spazz, Despise You, Infest e -(16)-. Têm uma missão clara, aniquilar o ouvinte com uma tempestade de d-beat, crust, punk, powerviolence e hardcore. O primeiro single da banda, “No Corporate Beer”, foi aclamado pela Decibel Magazine como “a pit-churning blast against macrobrews and the sheep who drink them”. Para uma melhor experiência sensorial, a banda usualmente recomenda um par específico de cerveja para os ouvintes beberem junto com cada música do álbum e levaram literalmente, tudo à frente no second stage.
Mal os Trappist terminaram o seu set, os Hatari subiram ao palco do main stage. São um coletivo premiado, anticapitalista, BDSM e tecno-distópico. São também, um projeto político, que visa tirar a tampa do golpe implacável e desdobrável que é a vida quotidiana. Os homens por trás “do cabedal” e das correntes de Hatari, são na verdade três amigos de escola, Klemens Hannigan, Matthías Tryggvi Haraldson e Einar Stéfansson. Pode-se dizer que animaram o público presente, onde o mesmo recebeu o grupo com a maior das boas disposições. Entretanto, os SEEIN RED já se encontravam em soundcheck e prestes a começar o seu concerto no palco secundário. São uma banda de hardcore que nasceu das cinzas dos LÄRM em 1988. Nos primeiros anos, não quiseram repetir o som pesado, curto, rápido e barulhento dos LÄRM, então acabaram por engrenar numa sonoridade mais dentro do punk/hardcore, melódico.
Às 23:30h, ouviram-se os primeiros acordes dos From Ashes Rise, que foram impulsionados pela cena hardcore do sul dos Estados Unidos, e têm vindo a empregar uma abordagem de composição dinâmica, enfatizando a musicalidade e evitando o excesso. O grupo não dava um concerto há 4 anos, e se não o tivessem dito, ou quem não o soubesse provavelmente nem iria dar conta – revistaram temas como, “All in Due Time”, “Concrete and Steel”, “Hell in the Darkness”, ou “Bloodlust”, dando um concerto de pura energia, do início ao fim, e sem falhas técnicas - onde acabaram por abrir as hostilidades a um dos maiores circle pits, e constantes em concerto, de ambos os dias do Bloodshed.
O primeiro dia não poderia ter começado da melhor forma, deixando os presentes absolutamente contemplados com a diversidade dentro dos estilos musicais envolvidos e com toda a qualidade dos concertos dados. Para muitos, o Jack - um bar emblemático de Eindhoven para fãs de rock - serviu de ponto de encontro para uma espécie de after-party, outros certamente foram descansar, carregando deste modo baterias para um segundo dia prometedor.
Dia 1
Dia 2
Perto das duas da tarde, já se começavam a reunir as primeiras pessoas no que daria início ao último dia de um dos festivais de música mais emblemáticos do underground. Entre corredores de merch de bandas e de diferentes distribuidoras como a Southern Lord Records, ou entre os bares e corredores, também já se encontravam os primeiros grupos a conviverem. Os Defy The Curse, foram a banda escolhida para abrir as hostilidades do segundo e último dia do Bloodshed Fest. São uma banda de death metal com ex-membros dos Slam Squad, Inhume e Acid Deathtrip, e que mostram elementos da velha guarda de crust e sludge. Deram um concerto suficiente para agitar as entranhas do publico já presente, com vocais tão marcantes como navalhas.
Seguiram-se os Neolithic, que têm uma forte influência entre o hardcore, d-beat e o death metal. As letras da banda tocam em assuntos como a corrupção, guerra e a morte. Deram um concerto brutal, com um ataque vocal volátil, onde já se pode tão cedo antever que iria ser um excelente dia de concertos. Intransigentes, sufocantes e malignos – é provavelmente a melhor descrição à abordagem que os Ritual Necromancy fazem ao death metal. Nenhum espaço do second stage esteve a salvo do ataque musical, repleto de ferocidade mórbida que deram. Os Apparatus foram a primeira banda a subir ao palco do main stage. Este coletivo oriundo da Malásia, que faz um crossover entre elementos de hardcore, d-beat e rawpunk, deixaram tudo em palco ao tentar motivar o público já presente no palco principal a mosh pits e circle pits.
Os Lifespite trouxeram o seu sludge fundido em negative hardcore, pesado e contundente da Bélgica e da Holanda, com membros dos Blind to Faith e dos Citizens Patrol, enquanto no main stage, e das profundezas mais sombrias do sul da Alemanha, atuaram logo de seguida os ACCION MUTANTE que fundem elementos de crust, grind e punk, numa firmeza caótica a destilar ruído sangrento e implacável. Após o caos dos 25 anos de celebração de existência destes últimos, muitos já se encontravam na sala do second stage. Os Tomb Mold seriam a próxima banda a atuar, e com todo o hype crescente, sendo provavelmente uma das bandas que mais provocou curiosidade aos presentes. Com composições a invocarem um mundo distorcido em paralelo ao real, todos os tipos de estranheza são materializados – dando continuidade a este modo de impulso, assim o foram ao vivo, com riffs memoráveis e detentores de um dos concertos mais incríveis que certamente a maioria presente assistiu.
De seguida os Of Feather and Bone espalharam o seu característico death metal. Os vocalistas, respetivamente na guitarra e no baixo, espalharam uma espécie de ataque gutural duplo no topo de um fluxo sempre constante de riffs cobertos de sujidade entre um turbilhão de explosões rítmicas. Depois disto, os Hellripper conquistaram rapidamente o público, com o seu black/speed metal característico.
Como se isto tudo não fosse suficiente, ainda faltavam mais atos musicais a darem concertos até ao término do festival. No second stage, seguiram-se os Despise You, que são nada mais que uma personificação pura de ódio em espectro musical entre o powerviolence e o hardcore. Como esperado, deram um dos concertos mais energéticos do festival, que terminou com uma invasão em palco semelhante em estilo de Suicidal Tendencies. Muitos poderiam antever, mas sem que estivessem minimamente preparados para o que viria a acontecer no palco principal com os Sabotage Organized Barbarian. Os S.O.B. são lendas vivas no que diz respeito a toda a componente musical que os envolvem. Formados em Osaka, no Japão, em 1985, os nipónicos não só envolveram um público com a maior das facilidade, como ainda tomaram proveito para impor e devastar o Effenaar num concerto absolutamente avassalador. Outra banda com exclusividade europeia de concerto (juntamente com os From Ashes Rise e S.O.B.) foram os Iron Lung.
O Bloodshed Fest serviu pela última vez, como ponto de encontro não apenas para os apreciadores de música extrema, mas, para muitos seguidores dentro dos estilos musicais que o caracterizam. Mais uma vez foi possível descobrir-se novas bandas e rever outras, principalmente projetos musicais difíceis de encontrar em outros cartazes dentro do género. Toda a essência e experiência que caracterizam de modo tão peculiar este festival, ficou certamente bem marcada em todos os que estiverem presentes - não apenas nesta última edição, mas certamente também em outras anteriores. Sem sombra de dúvidas, o Bloodshed marcou todos aqueles que nele passaram, e será um festival que deixará saudade.
Dia 2