A cerca de dois meses de encerrar definitivamente as portas, o receptáculo do rock da baixa portuense foi palco de uma das suas últimas expedições mundanas onde se comunga o prazer licencioso de uma boa noite de música ao vivo. Na quinta-feira da semana passada, o Cave 45 recebeu a “Gree Heen Tour”, para um concerto infatigável de Brant Björk que nos deixou esses golpes no peito de uma saudade prematura. Do momento e do espaço.
Enquanto a comitiva de Palm Desert bebia uns copos de relaxamento uns números a montante na Rua das Oliveiras com a mesma atmosfera descontraída com que os haveríamos de ouvir momentos mais tarde, e com a figura grave de cabelos fartos e encaracolados do músico californiano a dispôr-se vigilante e franco para a rua, convidando ao entusiasmo, os gondomarenses Ana Paris troavam as “boas-vindas” na pequena mas acolhedora frasqueira subterrânea. Depois de nos apresentarem “Mundo”, “One of These Nights” ou “The Stranger”, temas do EP A Stoned-Psychedelic-Punk-Rock-Mood-Thing, de riffs espessos e temperamento arisco, lançado em finais de 2015, e depois de uma ovação à casa que acolhia as festividades, cessaram com um aplauso vaidoso a prestação nacional.
Acompanhado por Ryan Güt na bateria, e nas cordas por Bubba Dupree (guitarra) e Dave Dinsmore (baixo), ambos músicos emprestados dos seus projectos com a Low Desert Punk Band e os The Bros, respectivamente, Brant Bjork seguiu-lhes com um concerto sólido e fluido, intérmino e fugaz, mantendo sempre a entrega e o desprezo pela reserva.
“Stackt”, single do seu mais recente trabalho a solo, Tao of the Devil (2016), foi o primeiro tema a ser confiado a uma plateia quase aflita pedindo à banda a essência do que tinha de mais fausto e penetrante. Antes de nos subvertermos nos clássicos de Jalamanta, um verdadeiro marco na sua carreira e na história do género, com “Automatic Fantastic” ou “Low Desert Punk” a fazer realidade as desérticas alucinações da audiência, temas como “Humble Pie” e “Greeheen”, o hino orgânico de agitação lenta e penosa a ameaçar a veia doom do espectro stoner, fizeram-nos suas recém conquistas.
Uma permanência firmada na mesma disposição de espírito, na mesma vontade, nas mesmas tensões, quando Bjork invocou do sidestage a lenda do deserto, Sean Weller, para interpretar “Dave’s War” e “Biker No. 2” com o quarteto. A performance corporal superlativa, a voz queimada, a figura esguia e a atitude livre do vocalista de Throw Rag induziram, à sombra dos seus disfarces, a crença de que uma cascavel de Mojave se encontrava no meio da composição, e que voltaria para enfeitiçar a despedida em “Freaks of Nature”, criando, a par da ébria “Let the Truth Be Known”, um dos momentos mais recordados da noite, semeando no público a fantasia que vibra o desejo de a renovar.