O warm-up é simbólico disso, e é sem dúvida a melhor forma de apresentação imediata para qualquer estreante. No dia 0 as ruas preenchem-se de caras familiares, bom ambiente, respeito e muito convívio. A comida e bebida é sinónima de concentração e enquanto a tradição se mantiver em concertos nos espaços costeiros do Paredão e Ruivo’s, então será fácil arrancar os mais reticentes das tendas em direção ao som. Começando pelos Heavy Cross Of Flowers a convencerem um Paredão lotado do seu stoner tão emotivo quanto nostálgico do grunge da década de 90. Pledge, enquanto noutro espectro sonoro, levaram o Ruivo’s ao rubro com o seu assalto de hardcore/punk difundido por caos e peso. A noite foi berço ideal para revirar o pouco que sobrava ao som deste grupo.

A primeira noite a acampar é sempre agreste. O que vale é que de manhã, com pequeno almoço tomado e percurso desenhado, todos os caminhos dão ao famoso palco da piscina, no Centro Cultural da aldeia. É lá que melhor se sente a atmosfera do festival. Solar Corona foram os primeiros a subir ao palco e ajudaram os encalorados a encontrar um ponto de refresco com grande som, peso sucinto e bem entregue por um projeto recente e com muita promessa para caminhos longínquos. Uns mergulhos depois e já em modo de hidratação, o público aguardou a chegada dos espanhóis Atavismo para apresentar o mais recente trabalho ValdeInfierno. Estes mostraram um dos sons mais cativantes do dia, misturando hooks bem encabeçados de refrões coloridos e melódicos, com uma expansividade psyche rock sempre infundida na exploração espacial. Voltem por favor! Seguiram os portuenses Astrodome que, já muito familiares ao festival e vice-versa, não tiveram dificuldades em desmontar o público com o seu heavy psyche maciço de riffs orelhudos e lentidão mastigadora mas sonhadora. Só pecou por curto. Inquestionavelmente, um dos sets mais impactantes do dia.
Após a chegada ao palco principal, o público foi apresentado ao mamute sónico que é o caveman battle doom dos ingleses Conan. Já havia alguma noção do estrondo que seria a imposição física do som destes, mas enfrentá-lo tão intimamente num palco com PA para este tipo de castigo, é puro e simplesmente magistral. Os oriundos de Liverpool ofereceram uma série de clássicos pelo set, mas foram os contributos mais recentes que incendiaram as povoações de Moledo. Os italianos Ufomammut fizeram por transferir a mastigação do sludge para o castigo sensorial do abstrato. A entrega de heavy psych imerso em distorção e emoldurado como fachadas de catedrais pintadas em sangue, serviram de mote para um highlight indiscutível. A reação do público fala por si. Aplausos, caras boquiabertas, um público em foco neste trio, até surgir o ocasional mosh pit em partes de trituração. Tudo isto, obrigou a banda a dois sucessivos encores, mesmo estando Urlo fisicamente condicionado. No fim, grande satisfação, apesar da hora diurna que infelizmente apagou os incríveis visuais que sempre acompanham os italianos.

Os dinamarqueses Causa Sui seguiram e tal como o pôr-de-sol, iluminaram o mar de gente com um espectro de cores tão diverso, excêntrico e cuidadosamente pincelado como o próprio som. A banda navega um rock psicadélico inundado em melodia sempre guiado em estruturas amplamente complexas. Quase a transbordar o emocional na sua estaticidade extensiva, a banda transfere sensações de expansividade e suspensão. Já na reta final, "El Fuego" do mais recente disco de originais e "Soledad" do mítico Summer Sessions, Vol.1 funcionaram como um autêntico pináculo transcendental do concerto.
O contraste que seguiu mais tarde, escreve o quão importante é ter bandas fora do encaixe tradicional do festival. São estas, que mais confiantes se sentem em surpreender o público além do seu limite físico. Referimo-nos pois, aos germânicos Mantar. Se palavras fizerem justiça, nada melhor do que um verdadeiro soco na cara dos muitos que ficaram no recinto. Com uma intensidade indescritível e uma energia inesgotável, conseguiram abraçar a hora tardia do último slot com fulgor e força, ao ponto de empurrar cada um dos ouvintes num profundo e abismal buraco negro. Memorável até dizer chega. Fechava-se assim a página do primeiro dia, qe foi um daqueles que terá lugar nas nossas memórias. Isto é o que todos desejamos ter perto de casa.


Segundo dia, mais um arranque, mais uma vez na piscina, e desta feita acompanhados dos bascos The Wizards a abrir as hostes para o último dia do Sonic Blast. Quando uma banda é tão recente, é difícil saber o que esperar, mas verdade é que a energia e charme infeccioso destes foi tão pronunciado que é digno afirmar o bom caminho em que estes se encontram. Muita atenção ao novo álbum que está para ser lançado, Rise Of The Serpent. A meio da tarde, foram os Greengo que elevaram a fasquia de volta ao peso. Com um alinhamento tão simples e direto, baixo e bateria, quem diria que o efeito seria tão imediato? Bem haja! Peso pujante, batidas lentas, hooks bem vincados e com uma toxicidade de instaurar caos total, até dentro da piscina!

Após algum bronze, um mergulho ou outro, uma boa bifana, o domínio total pertenceu aos gregos. A começar por Naxatras, em estreia portuguesa, foram recebidos com grande expectativa, tendo saído do palco como uma das maiores surpresas desta edição. Ao vivo potenciam por completo as sonoridades expansivas que demonstram em disco. Peso, densidade, e ao mesmo tempo um som impecável, cristalino e surpreendentemente limpo. Ao anoitecer, foram os compatriotas 1000mods a surpreender a casa cheia. Já não são novidade por cá, mas conseguiram apresentar-se numa forma notável e com uma potência de som fulminante. A instigar uma vibe desert a la Kyuss, estes fizeram delícia a qualquer fã do género ali presente. Numa altura em que o stoner se parece esgotar muito no que fizeram os nomes mais clássicos, estes 1000mods assumem-se como uma proposta refrescante, embora nada inovadora, conseguindo trazer essa vibe com uma qualidade que muito poucos conseguem. Temas atrás de temas, malhões atrás de malhões.


Já o dissemos antes na reportagem do último Desertfest Belgium, mas os Kadavar são provavelmente a banda com mais profissionalismo e sobriedade no underground. Eficiência alemã no seu esplendor. Capazes de tocar de olhos fechados com a maior das sincronizações, (e isso quase que aconteceu, tendo em conta o "técnico" de luzes do festival que não devia ter muito a ideia do que andou ali a fazer). Apesar de disco novo por apresentar em Portugal (na verdade eram dois nunca tocados por cá), o alinhamento foi muito equilibrado de toda a discografia. Os temas de Rough Times funcionam ainda melhor ao vivo, mas foram as repescagens de Abra Kadavar que mais se evidenciaram: “Doomsday Machine” ainda na fase final e “Comeback Life” a terminar o concerto de forma sublime. Estes Kadavar estão mesmo de volta à vida depois da fase um pouco dúbia do menos amado Berlin.
A noite ia já vai bem encaminhada para o cansaço. Após o estouro de Kadavar, aguardava-se algum tónico de energia para renovar as molduras exaustas. Earthless parecem ter sido colocados no slot mais ideal do dia. Mesmo a ditar o final, foram estes californianos que nos puxaram para cima com o seu glorioso som. Classificá-los como instrumental rock seria um injúria, nada mais nada menos. O som de Earthless é em poucas palavras, um banho em catarse, uma purga sónica, uma viagem nos confins do rock’n’roll. A apresentar o mais recente álbum Black Heaven, o Sonic Blast demonstrou ser a audiência mais digna desta dádiva. Solos intermináveis a destaparem camadas e camadas e camadas de transportação cósmica. Peritos em escrita e prodígios no seu próprio direito… quem não dança ao som destes rapazes, não sente a música no seu foro mais puro e destemido. Há quem chame desta química de grupo quase sobre-humana, mas entre Mike, Isaiah e Mario, não nada há nada senão pura entrega humana. Sem dúvida, um daqueles momentos do festival que guardaremos com muito carinho. Um sonho tornado realidade.


Os The Black Wizards tinham a fasquia muito alta: subir ao palco após os dois maiores nomes do cartaz. E qual o resultado? Provaram estar ao nível dos maiores. Mais uma banda a tirar partido do excelente e pesado som do PA no segundo dia. Indiscutivelmente uma das figuras centrais do underground português, Joana Brito entregou para muitos, uma tour de force. Uma performance mágica, a sublinhar a direção de um coletivo com uma capacidade invejável de abrandar ritmos nos temas mais refletivos, hipnotizar e de seguida fazer explodir o fuzz com a maior epicidade. Soulful é a palavra chave, com o boogie dos 60’s/70’s a reencarnar com toda a forma e paixão. Que melhor maneira haveria de terminar o festival?
Era hora de partir. Voltar à vida normal, à rotina regular, tentar não olhar muito para trás, mas ao mesmo tempo, não esquecer daquilo que fica. Há que dar os parabéns à organização pelo trabalho prestado nesta pequena aldeia que em bom volume tem gritado não só no mapa de Portugal mas também da Europa. Um grande aplauso à equipa de som que se demonstrou intocável de início ao fim do festival, algo que compõe uma grande porção de uma experiência festivaleira. Quanto ao público, que se mostrou diverso e amplo, composto de tantas comunidades de Espanha, França, Alemanha, Reino Unido e por aí a fora, só ajudou a sublinhar a dita camaradagem do ambiente do festival. É importante respeitar os artistas enquanto estes têm tempo de antena, tal como aqueles que de longe viajaram para estes verem. Pede-se portanto que haja sensibilização para menos diálogo constante e mais atenção a quem está a tocar. Tirando isso, é de coração cheio que nos despedimos de Moledo, um sítio que quase chamamos de segunda casa. Até para o ano.

Vê ainda, na ligação em baixo, as fotogalerias completas do festival.