No dia seguinte, foi a vez do Theatro Circo intimidar a catalã Núria Graham. Em frente ao pano vermelho, apenas iluminada por um foco de luz e sozinha em palco com uma guitarra, logo começou por explicar que tudo havia sido emprestado. A sua mala havia-se extraviado durante a viagem e, sem roupa, desencantou um fato de treino e emprestaram-lhe uma guitarra para o espetáculo se concretizar. Apesar de um concerto curto, tocou pela primeira vez ao vivo a sua versão de “Black is the Colour”, um clássico do cancioneiro escocês. Também Britney Spears lhe emprestou “Toxic” para uma interpretação mais intimista. Não existiu qualquer tipo de artifício durante o concerto, exceptuando o reflexo dos focos de luz a embaterem na guitarra. Para terminar, uma nova música: “Stable”, que conta a história de um amor que aconteceu durante uma after-party. E é assim com o conselho de “go to after-parties”, que se despede do público português, para dar a vez ao nome mais esperado da edição deste ano do Festival Para Gente Sentada: Nils Frahm.
Quando a cortina subiu, logo foi agraciado com uma ansiosa ovação. O silêncio apoderou-se da sala, e na nossa frente, um quase estúdio espalhava-se pelo palco: todo o tipo de teclas possíveis e imaginárias, desde o piano de cauda a uma criação própria do músico alemão. Da esquerda para a direita, Nils ia percorrendo instrumento a instrumento, controlando os loops e criando melodias. Existem nas suas composições uma mixórdia de Brian Eno com Ludovico Einaudi, e isso faz-nos soltar exclamações de admiração de música para música (por isso, e pela sua tremenda delicadeza que quase faz soar natural ser-se talentoso). De uma certa forma parecia alheio a toda a plateia, como se estivesse naturalmente a criar em casa, dançando entre os instrumentos, o que ao nosso olhar parecia um ballet. Conforme as batidas vão se intensificando, também o jogo de luzes (maravilhoso, mas discreto) que trouxe consigo o faziam. As luzes “ferrugem” que criavam a ideia de intimidade durante os momentos mais calmos iam dando lugar aos focos intermitentes por detrás de panos brancos durante os ritmos mais intensos, causando a ideia de espaço e caos. Em certos momentos, o concerto passava a tornar-se uma masterclass, onde Frahm explicava como compor uma música: numa das vezes ao explicar a sua tentativa falhada em criar um órgão de tubos de pequenas dimensões, e como transformar o erro em algo belo – o segredo é misturar mais sons e batidas –, outra das vezes durante “Says” onde desmistificou o processo de criação da melodia.
Noutras alturas, o músico quase que soava como um velho amigo, que partilhava memórias, sempre com uma voz afável e silenciosa, bem no jeito de quem segreda. Recordou a sua passagem pelo Primavera, e como essa tinha sido uma das suas melhores experiências. No fim de um curto concerto de praticamente duas horas (queríamos muito mais!), o Alemão cunha a sua identidade no público português, que leva no coração um dos melhores concertos do ano.
A representar a música portuguesa, por Braga, durante os dois dias, passaram ainda no GNRation Medeiros/Lucas, Filipe Sambado, IAN e Riding Pânico. Apesar de bons concertos, o ambiente entre o público permaneceu meio amorfo, e mais disperso – provavelmente ainda embalados dos concertos que haviam visto na maravilhosa sala vermelha e dourada. A abrir as hostes, na rua, houve Madrepaz e West Coast Man, este último uma agradável surpresa aos nossos ouvidos, devido à maturidade da voz, letras e composições que foram apresentadas por um artista que nos era desconhecido.
Mais uma vez o Festival Para Gente Sentada volta a consagrar-se como um dos últimos redutos para verdadeiros amantes de música ao vivo, apresentando concertos maravilhosos e uma ânsia e expectativa pela chegada da próxima edição. Até para o ano Braga.