Os britânicos IDLES, que este ano lançaram o aclamado Joy as an Act of Resistance, voltaram ao nosso país após surpreenderem quem os viu no NOS Primavera Sound, numa das mais soberbas e impressionantes estreias em solo nacional nos últimos tempos. Talvez por isso o concerto tenha esgotado tão rapidamente, resultando numa sala 2 mais do que pronta para acolher o furacão que é o coletivo de Bristol.
Perante este interessante caso de popularidade, não deixa de ser praticamente inevitável colocarmos a questão: o que há nestes rapazes que faz com que sejam tão elogiados e vistos como um dos maiores diamantes do atual movimento punk? Verdade seja dita, não apresentam exatamente nada de novo (e isso não é necessariamente negativo, a originalidade não é nem nunca será obrigatória), mas a honestidade com que, nesta noite, debitaram cada uma destas poderosíssimas malhas foi absolutamente contagiante. Sentimos, ao observar atentamente a postura do grupo, a clara vontade em proporcionar memórias inesquecíveis de cada vez que sobem a um palco, independentemente de este ser amplo (como no Primavera) ou intimista, como se verificou aqui. Seja onde for, estão sempre próximos da sua comunidade de fãs, e com eles celebram, num clima de pura intensidade festiva, a vitalidade e a pujança da sua arte.
Falamos muitas vezes no conceito, tão real quanto idealizado, de “banda do povo”, mas a verdade é que os IDLES são fortíssimos candidatos a esse título que, provavelmente, nem sequer ativamente desejam, mas que efetivamente fizeram para o merecer. A exemplo de uns Sleaford Mods, adotam uma atitude descontraída e humorística sem, no entanto, deixarem de abordar temáticas relevantes que conferem um maior grau de complexidade emocional à obra do quinteto. Desde a imigração à rejeição de ideias retrógradas de masculinidade, provam que é possível espalhar energia e promover um ambiente de diversão sem que isso se traduza na ausência de uma mensagem socialmente consciente. Acima de tudo, discutem temas que afetam diretamente quem os ouve, provando que o estatuto que ocupam hoje em dia não lhes protege das vicissitudes da vida e escolhendo expor orgulhosamente essa vulnerabilidade de forma a mostrar que somos todos iguais. As barreiras entre artista e público são assim quebradas (literalmente, pois um conjunto de fãs invadiu o palco, a certa altura), criando-se uma atmosfera de louvável harmonia que contrasta com a situação nefasta em que o nosso planeta se encontra. Para eles o punk, mais do que simplesmente música, é sinónimo de união, e não será exagero falar nos IDLES como uma das mais dinâmicas e importantes bandas atualmente ativas no universo da música alternativa.
O início deste muito antecipado regresso fez-se ao som de “Colossus”, tema que abre o segundo e mais recente disco da banda, seguindo-se “Never Fight a Man With a Perm” e “Mother”, este último retirado da estreia Brutalism. A partir daí, o alinhamento viveu de uma constante mistura entre malhas do primeiro disco e novidades do segundo (com umas covers pelo meio), resultando num concerto onde dificilmente alguém terá sentido falta de algum tema.
Se há defeitos que possamos apontar a esta endiabrada prestação, será somente a sua duração ligeiramente excessiva - pelo menos para um concerto de punk. Não que em algum momento se tenha tornado aborrecida, muito longe disso, apenas teria tido o mesmo impacto se tivesse sido relativamente mais curta mas igualmente intensa. Contudo, a verdade é que se trata de um pormenor pouco significativo, sobretudo tendo em conta que a audiência não parecia estar minimamente cansada. O vocalista Joe Talbot afirmou mesmo, várias vezes ao longo do espetáculo, que aquele era o melhor público para o qual já tinham tocado. Cliché? Bem, pode ser uma referência a essa tradição das estrelas de rock, mas observando a receção calorosa do qual foram alvo, dá para acreditar que o comentário tenha mesmo vindo do coração. Uma coisa é certa: o nosso carinho foi devidamente recompensado através de uma atuação suada, apaixonada e explosiva; houve saltos, crowd surfing, público a cantar os temas como se não houvesse amanhã e muito, muito mais. No final, prometeram regressar e sabemos que não teremos de esperar muito para que isso aconteça. Enquanto os IDLES existirem, o punk não morrerá.
O mesmo se pode dizer em relação aos JOHN, duo com elementos do mesmo nome que, durante o (infelizmente) pouco tempo que permaneceu em palco, brindou os presentes com uma atuação enérgica à base de um punk simples, direto e produto óbvio de inúmeras tardes passadas numa qualquer garagem do sul de Londres (de onde são oriundos). Sim, também não inovam, mas sabe bem ouvir música feita com este nível de paixão e atitude.