Assim que a hora de ponta chega a Lisboa, veem-se estradas, rotundas e pequenas e grandes ruas em total estado de fuga. É essa a natureza da cidade. No entanto, não há nada que se compare a sair do trabalho, encontrar gente amiga, jantar e ir a um concerto. Pouco interessa qual o concerto, importa acima de tudo o convívio e a descompressão no reencontro de caras familiares. No dia 10 de maio, sexta-feira, o destino para a escapatória era o RCA Club. Enquanto resguardado da confusão lisboeta, era nos confins do Bairro de Alvalade que estava marcada a receção aos germânicos Kadavar e canadianos We Hunt Buffalo.
A abrir, estavam os portugueses Miss Lava com o seu stoner rock enfático e melódico, algo reminiscente dos clássicos dos anos 2000 como Kyuss, Fu Manchu e Truckfighters. Notavelmente, a receita dos veteranos lisboetas passa por abraçar a simplicidade de uma malha bem escrita. Dito isto, não havia escolha melhor para este encontro de forças. Apesar da pouca audiência nos primeiros instantes da banda em palco, o público foi aparecendo e aplaudindo a muito dedicada entrega do grupo. Encaminhados para os últimos momentos do concerto, a banda brindou o público com uma mão cheia de novas canções e o clássico “Don’t Tell A Soul”, do primeiríssimo disco da banda. We Hunt Buffalo seguiram-se poucos instantes depois; e que bomba de tonalidade! Mesmo sendo algo desconhecidos por estes lados, os canadianos parecem ter conquistado uma sala já bem composta com o seu paredão de tonalidades mais graves e riffs orelhudos. Apesar dos ritmos mais cadenciados e as linhas de baixo espaçadas e prolongadas, a energia do RCA subiu em pico desde a subida do trio ao palco. Seguido pelas cordas em cascata e com uma aura global cativante e arrebatadora, não foi surpreendente ver a sala toda a aplaudir esta incrível performance.
Miss Lava e We Hunt Buffalo
Os Kadavar subiam a apalco para abraçar a noite de forma acolhedora e de proximidade com o público. Com a sala agora totalmente cheia, assim se viu o ambiente da multidão a acariciar a banda em uníssono. Quanto ao trio, este parece encontrar o equilíbrio perfeito entre o estilo, a presença em palco e a real projeção de som de início ao fim do concerto. De facto, tanto com a sua presença no último SonicBlast como agora, conclui-se que ouvi-los em registo de estúdio não lhes faz justiça alguma quanto à energia, peso e entrega ao vivo. O grupo tem mesmo os trunfos na manga quando sobe ao palco. Estando agora a atmosfera no seu estado mais caloroso, o RCA torna-se no espaço mais íntimo e megalómano para romances destes. Ouve-se a clara satisfação de certos públicos entre músicas, a aplaudir, a pedir por mais e a rir de toda e mais alguma satisfação.
Com um alinhamento a abranger toda a discografia dos alemães, destacaram-se incríveis momentos de génio por parte da banda ao abrir com a “Skeleton Dreams” e a percorrer as famosas “Doomsday Machine” e “Forgotten Past”. Para brindar um suposto término, estava a incrivelmente deliciosa “Come Back Life” a transportar o público por uma aura de calor, com a imersiva “Purple Sage” a desfigurar todo o espectro existencial deste bem preenchido RCA. Após a despedida, e um ensurdecedor pedido para “mais uma”, a banda volta a elevar a atmosfera com um adeus digno de recordação. Com a “Die Baby Die”, ouvia-se o refrão de forma sonante e possante, com mãos no ar e caras sorridentes, seguindo para “All Our Thoughts” a ditar a despedida.
Certamente que, após uma cansativa semana de trabalho, ir a um concerto acaba por ser o melhor remédio para o cansaço. Não há nada como começar o fim de semana desta forma. Os Kadavar também o acham.
Kadavar