Com a avalanche de eventos ao a vivo de volta, regressou também a Madrid o Kristonfest – festival importantíssimo na cena stoner no nosso país vizinho. Para compensar a espera, muito à semelhança de outros festivais Europa fora, a aposta deste passou por apresentar um alinhamento distribuído em dois fins de semana. O primeiro levou à Sala Mon os suecos Witchcraft, os franceses Slift e os conterrâneos Atavismo. Para a segunda parte estava reservado um alinhamento ainda mais especial, juntando na mesma noite duas digressões incontornáveis.
Escalados para arrancar a noite estiveram os noruegueses Slomosa, naquele que seria o seu concerto de estreia em Espanha, sendo neste momento uma das bandas que mais dá que falar na cena stoner europeia. Tendo lançado o seu primeiro disco muito pouco tempo antes da pandemia começar, foi durante esta que o disco se foi consolidando entre o público, primando pela sua maturidade sónica, apesar da idade ainda jovem dos seus membros.
Foi então com o regresso dos eventos que a banda pôde finalmente começar apresentar ao vivo o seu disco homónimo e neste fim de tarde em Madrid, o público rapidamente se acercou do palco aos primeiros acordes, incluindo Nick Oliveri, que não se inibiu de aparecer na primeira fila do concerto, demonstrando um apoio quase paternal à banda com que andava em tour nas últimas semanas. Sempre bastante enérgicos, os Slomosa agarraram o público por completo e mostraram que temas como “In My Mind Desert”, “There’s Nothing New Under The Sun”, “Kevin” e “Horses” funcionam tão bem ao vivo como soam em disco. Estes miúdos vão marcar certamente esta década na cena stoner.
Slomosa
Num ápice os Stöner apareceram em palco e, aproveitando o entusiasmo deixado pelos Slomosa, apanharam o público no ponto ideal para uma verdadeira celebração. Os históricos Brant Bjork e Nick Oliveri juntam-se neste projeto ao baterista Ryan Gut e, apesar de algum ceticismo geral em relação aos trabalhos de estúdio (recorde-se que a banda conta já com dois discos editados), em palco mostram verdadeiramente o que é suposto Stoner representar: tudo se pode resumir à atmosfera.
A banda consegue em palco recriar a atmosfera sónica tão característica da era Kyuss mas sem com isso soar a cópia, chegando até a ser arrepiante para qualquer fã do género a densidade, potência e ao mesmo tempo a cristalinidade daquele baixo. Estes criam assim uma simbiose perfeita entre os riffs de guitarra relaxantes de Brant Bjork, quase ao estilo Jalamanta, com a agressividade característica do baixo de Oliveri (exemplo claro em "Evil Never Dies"), conseguindo-o com um estilo coerente e epicamente executado. Dito isto, a inovação aqui pouco importa, este projecto representa uma verdadeira antologia do stoner rock e não há ninguém melhor que estes dois vultos para a concretizar.
Para o fim ficaria uma surpresa para grande parte da plateia, quando se ouvem os primeiros acordes de “Gardenia”, clássico tema dos Kyuss, tocado juntamente com a incontornável “Green Machine”. O público, já bem entuasiasmado, passou para um estado de ebulição completa, terminando assim o espetáculo de forma apoteótica.
Stöner
Após o êxtase deixado pelos Stoner, as suecas Maidavale apareceram um pouco deslocadas no alinhamento. Se por um lado acabou por funcionar na perfeição a sequência de Slomosa e Stoner, Maidavale tiveram apenas meia hora disponível para tocar e acabaram por soar a uma espécie de sorvete de limão, marcando um interlúdio entre Stoner e Earthless. Num ritmo bem tribal, iniciaram a toada psicadélica da noite e permitiram que o público descansasse um pouco da intensidade dos concertos anteriores.
Para o fim estavam guardados os norte-americanos Earthless que regressavam depois da atuação no festival em 2019. Já com novo trabalho desde então, Isaiah Mitchell e companhia não se fizeram rogados e tocaram “Night Parade of One Hundred Demons” na sua totalidade e praticamente sem pausas. Sem tréguas, ofereceram um autêntico carrossel de riffs numa viagem transcendental ao cosmos. Não há pescoço que resista a este trio de San Diego, que mesmo sem revolucionar a fórmula, aperfeiçoa solos tântricos e ritmos incendiários. Uma autêntica máquina.
Após esta viagem transcendental, a viagem de volta a Portugal foi feita com o sentimento de coração cheio e sensação de um tempo muito bem passado na Sala Mon, neste que é um festival essencial na cena underground Ibérica e que conta sempre com a presença de algum público luso. Esperemos que a conjuntura permita a manutenção do Kristonfest. Os fãs certamente agradecem.
Earthless + MaidaVale