
Ainda no rescaldo dos atentados de Paris, notamos logo à entrada para o Armazém F no quão mais apertada a segurança ficou: passou-se de um para cinco seguranças à entrada do estabelecimento. Todos eles a revistarem, meticulosamente, os detentores de bilhete. Que saibamos, nada de errado ocorreu, porém, não podíamos deixar passar em claro esta medida que aumentou o tempo de espera daqueles que queriam irromper sala adentro de modo a ficarem o mais à frente possível para verem o seu ídolo.
A abrir não esteve Waxahatchee, com muita pena nossa, ela que adoeceu, vendo-se assim obrigada a cancelar toda a digressão. Em sua substituição chega-nos um furioso duo chamado Lushes. Vindos de Brooklyn, Nova Iorque, o duo apresentou-nos o seu rock hipnótico e raivoso durante cerca de 30 minutos. Devemos acrescentar o facto de nenhum deles ser prodigioso no instrumento que toca, nem o baterista Joel Myers nem o guitarrista/vocalista James Ardery se destacam pela técnica das suas composições, no entanto, em conjunto, tudo parece resultar bem, e muito bem: há muito que não víamos uma banda de abertura assim. Apresentaram-nos Service Industry, álbum (lançado este ano) dotado de uma crueza que pensávamos já não existir e portentor de riffs sobre-humanos, onde os feedbacks imperam. As influências dos seus compatriotas Nirvana são notórias, tanto no ponto de vista estético (Ardery com o seu penteado e modo de vestir) como do ponto de vista sónico (aquela “Bleach” denuncia-os completamente). Mas enganem-se se pensam que são uma cópia, não. São bem mais que isso. Pelo que entendemos, regressarão ao nosso país no primeiro semestre de 2016, por isso, tirem as vossas conclusões lá. Se não quiserem esperar, oiçam o tal Service Industry que vale mesmo a pena. “Circus”, acompanhada por Jesse Trbovich (membro dos The Violators) no saxofone, terminou em grande a sua atuação. Sem dúvida a grande surpresa da noite.
Passada a temprestade destruidora dos Lushes, as almas acalmam-se para receberem Kurt Vile e os seus Violators, não antes do DJ da sala dar o ar da sua graça e apagar as luzes 10 minutos antes do concerto começar, enquanto passava míticas malhas dos The Happy Mondays. Kurt entra de garrafa de tinto na mão sob os aplausos do público que enchia a sala, partindo logo, de rajada, para as canções do seu novo disco B'lieve I'm Goin' Down. “Dust Bunnies”, “I'm An Outlaw” e “Pretty Pimpin'”, o single que já todos conhecem por esta altura, foram os três primeiros temas tocados, seguidos por um “está tudo bem?” dirigido à plateia para, logo depois, prosseguir com a interpretação quase exaustiva do seu novo trabalho, ora de guitarra acústica, ora de guitarra eléctrica, ora de banjo.
Passadas as apresentações, Vile não esconde a sua timidez, evitando, sucessivamente, a comunicação na maior parte das vezes e tocando/cantando com os seus longos cabelos tapando a sua cara: a música fala por si. No entanto, contrariamente ao sucedido nas suas outras passagens pelo nosso país (Paredes de Coura em 2011 e 2014), Kurt Vile mostrou-se bem mais recetivo e brincalhão, talvez devido ao facto de esta ser a última data da tour tenha ajudado à descompressão do músico. Foram diversas as brincadeiras que o artista fazia e dizia à sua banda/crew, um dos seus roadies chegou mesmo a mascarar-se de “Kurt Vile” aquando de uma das muitas trocas de guitarra, o que suscitou risada geral na plateia e no palco. O músico é deixado sozinho em palco com a sua guitarra acústica no combo “Dead Alive” e “Stand Inside”, cantando e tocando perante um silêncio super respeitador, nem sempre conseguido na maioria dos concertos. A plateia sabia o que queria e ao que ia: queriam ouvir o cantor de filadélfia fazer o melhor que sabe, sem interrupções pois lembramos que apesar de ser conhecido pelas suas canções mais Rock, os temas acústicos (ou calmos) são os que abundam na sua, já algo longa, discografia.
Ouvimos “Walkin' On A Pretty Day”, claramente a sua melhor composição, e percebemos o porquê da recíproca admiração de todos os que ali estavam presentes. É uma canção fenomenal, há que dizê-lo, e, ao vivo, resulta ainda melhor que em estúdio. Ainda hoje os cerca de 9 minutos da canção devem ecoam nos tímpanos de muita gente de forma imparável. Segue-se “Jesus Fever”, resgatada de Smoke Ring For My Halo, álbum que o deu a conhecer ao mundo, e “Freak Train”, mais uma das boas, onde se gritou: “Ridin' on the freak train, train, train, train!”, recuando, psiquicamente, ao longínquo ano de 2009, ano em que Childish Pordigy foi lançado.
Já no encore (que demorou a surgir), Kurt Vile traz-nos “Puppet To The Man” e “Baby's Arms”, provando que, apesar de ter lançado discos novos, não esquece os velhos clássicos, terminando, assim, da melhor forma um concerto muito bem conseguido. Destaque para os Violators, a sua banda de apoio, que também estiveram muito bem durante o concerto, não sendo possível de se lhes apontar uma única falha, algumas vezes estando mesmo melhor que o artista principal que, uma vez ou outra, lá se esquecia da letra ou cantava demasiado baixo para o conseguirmos ouvir, mas são estas pequenas coisas que tornam um espectáculo ao vivo interessante. É impossível não nos rendermos a um músico simples e verdadeiro como Kurt Vile o mostrou ser.
Acabado o concerto, os músicos, rapidamente, desceram para cumprimentar os seus fãs, assinar alguns discos e cumprir o repto que foi feito em palco: “beber umas cervejas com todos vocês”. Chegámos a casa mais leves, pensativos e rendidos a tudo o que aconteceu de bom umas horas antes. O dia seguinte era dia de trabalho e o que perdemos em sono, ganhámos em felicidade. Kurt, és sempre bem-vindo.