Geralmente, deixando as memórias marinar um tempo, elas romantizam-se sozinhas. É um processo genuinamente agradável e útil de que a mente humana dispõe: não foi tão bom quanto a memória evoca, na verdade, e no fundo sabemos disso.
É uma pena que não tenha acontecido com o concerto de Marilyn Manson no dia 27 de junho deste ano no Campo Pequeno. Pelo menos ainda não. Vagamente mencionado, foi-no à boa moda europeia de tentar procurar o significado por trás de tudo. De certa forma, foi desculpado o indesculpável. Em outros casos, foi profissionalmente reportado de forma fidedigna mas sem que se tornasse evidente o caos total da noite. O espectador animado poderia certamente deixar-se levar pela irreverência de Manson e aproveitar a noite sem que as falhas técnicas o impedissem, mas o sentimento de desordem demonstrou-o o próprio Marilyn Manson. Admitindo eu própria não entender muito sobre os aspetos técnicos no que toca a som, eu tenho um par de ouvidos: o som era de facto terrível, impossibilitando a distinção de música para música até o refrão chegar, luzes descoordenadas e fumo excessivo que cobriam totalmente o homem do momento, mas o grato publico português aplaudia.
Parecia ser o típico show-off à Manson no início, mas foi-se tornando claro durante o resto do concerto não se tratar de uma tentativa premeditada de extravagância. Os microfones atirados repetitivamente para o chão, os repentinos apagões, a tentativa desesperada de recurso ao microfone de captação da bateria para aumentar o som da própria voz e um “Say10” que começou no refrão para depois recomeçar do início – o que pareceu ser um teste rápido às condições de som – demonstraram a evidente frustração com as condições de trabalho que lhe foram proporcionadas: uma banda desleixada e, provavelmente, um sound-check desleixado. Marilyn Manson parecia tentar compensar o seu público ao convidar fãs igualmente excêntricas para o palco e oferecendo aos fãs um close-up do que uma grande maioria queria ver: a personagem dramática, arrepiante e mítica. E nisso, ele fez um bom trabalho.
O aspeto verdadeiramente interessante do concerto foi a oportunidade de se testemunhar em primeira mão a raiva crua de uma figura como Brian Warner, um lado muito humano de um homem que, deixando de lado a personagem, tentou fazer o seu trabalho da melhor maneira possível, dadas as condições que tinha, e que tentava, de maneira disfarçada, salvar a noite deixando claras suas exigências quando batia impacientado na base do microfone que tentou também atirar ao chão e usando as pausas entre as trocas de roupas para gesticular furiosamente com aos técnicos de som.
Manson abandonou o palco subitamente depois de dois encores que passaram despercebidos e, na despedida, deixou no ar a possibilidade de compensar o público português numa próxima visita. Quanto a esta despedida apenas li sobre ela, porque a qualidade do som tornaram as palavras de Manson totalmente impercetíveis.
Fotografia da autoria de Nuno Conceição, cedida gentilmente pela promotora Everything is New.