Time is an abyss. Profound as a thousand nights. Centuries come and go. To be unable to grow old is terrible. Death is not the worst. Can you imagine enduring centuries, experiencing each day the same futilities… - Nosferatu The Vampyre, Werner Herzog
Há noites impossíveis de esquecer. Seja pelo convívio, pela viagem coletiva a um sítio ainda pouco habitual, reencontrar caras há muito tempo desencontradas ou até mesmo a expectativa de uma noite de espetáculo simplesmente irresistível. Como se não houvesse dúvidas após o vigésimo aniversário do Barroselas Metalfest, ficamos sempre certos de que a SWR Inc. continua a ser a única equipa em Portugal capaz de projetar um submundo de música extrema com muita força e referência. Em paralelo com a organização do festival, que fez em abril duas décadas de aniversário, podemos sempre contar com o carimbo desta família em noites como esta. Dia 12 de outubro, uma quinta-feira, marcou o retorno dos Mayhem a terras lusas, desta vez para devolver e pairar com o alinhamento do lendário De Mysteriis Dom Sathanas para as colinas da capital. Tomando em conta que decidimos de livre vontade assistir pela segunda vez num ano ao mesmo set, é imperial sublinhar de que os nomes que seguem no alinhamento da noite foram mais do que eliminatórios perante a decisão. Como se não bastasse ter o nome dos noruegueses no cabeçalho do cartaz, podemos contar com a presença dos ingleses Dragged Into Sunlight, os quais temos perseguido com imensa chama desde o seu surgimento nas camadas mais reclusas da música extrema, enquanto que a cerimónia de abertura esteve a cargo dos ritualísticos The Ominous Circle.
Acreditamos que às vezes as expectativas são peso morto perante uma noite já ganha, mas com um horário destes, é impossível resistir à ideia de que depois destes três nomes, qualquer um de nós nunca será o mesmo. O black metal de oito cordas dos The Ominous Circle propagou terror e ansiedade com claro favorecimento a um público ainda desamparado. As guitarras densas descarregam numa atmosfera nebulosa e mais do que apta para recalcar, sobre os cavernosos vocais da imponente silhueta que aprofunda o palco, a um abismo de espigões. Malhas como a “The Endless Chasms” e a “As The Worm Descends” destacam um coletivo que consegue transparecer um formato de black, incisivo nos graves e na capacidade de infligir ao ouvinte uma experiência digna da palavra “física”. É um privilégio observar a decadência pulmonar de um grupo português que ainda se encontra nas primeiras fases de desenvolvimento. Ainda apenas com o Appaling Ascencion, e já denotamos uma linha de progresso com tremenda possibilidade.
A noite começa bem, e com a sala a preencher-se cada vez mais rapidamente passamos a sentir o ambiente acolhedor de convívio de que a SWR é tão conhecida por proporcionar. É importante haver proximidade quando a performance que segue promete exibir a cara desbotada da maldição humana. Vendo pelas reações do público entre músicas, dá para ver que Dragged Into Sunlight não é para qualquer um. Para nós no entanto, coube-nos a ideia de que o intuito dos ingleses é erguer o precipício humano até à altura dos nossos olhos, sendo que o temor, a consternação e o pavor não passam de meras palavras, e poder senti-las com a desmedida descarga de energia por parte dos ingleses, é verdadeiramente e assustadoramente majestoso. A começar pelas primeiras faixas, sempre acompanhados de uma aura de impiedade e projeção de som, sentimos o ruído como uma presença litúrgica. Entre o desaterro de restos humanos e gritos cavernosos, não há um único momento em que a rendição total dos mais atentos não sirva como símbolo para a importância de bandas como esta. Tanto o som como a própria emanação, eleva a vivência a um patamar completamente medonho. Contribuições incríveis como a “To Hieron”, “Volcanic Birth” e a “Buried With Leeches” expõem uma banda que transcende os limites da musicalidade e funde com perfeita pronúncia no ruído da parede de som que produz. Após o fecho da última faixa, é-nos irremediável sublinhar o desempenho destes como o ponto mais alto da noite e um dos mais memoráveis da semana toda.
Sendo que a noite era pertencente aos noruegueses Mayhem em retorno a Portugal, o público encontrava-se inevitavelmente inclinado para a vez destes conquistar o palco do Lisboa Ao Vivo. Apesar da atuação forte e bem alinhavada com a expectativa imposta aos nórdicos, ainda não há como ultrapassar o que se sucedeu em Abril. No entanto, elevamos com grande força momentos como “Freezing Moon”, “Life Eternal”, “Pagan Fear” e a faixa de nome próprio que fechou a noite em nota alta. O som de Mayhem é facilmente reconhecido por qualquer ouvinte familiarizado com o estilo norueguês do início da década 90, mas nos dias que correm não há banda que se consiga equiparar à densidade de som destes veteranos. Estes que conseguem uma condução de grupo digna de uma orquestra sem nunca perder pulsação e vigor, casos de “Funeral Fog” e “Cursed In Eternity” subjugam com tremenda velocidade uma estética afogada e quase cinemática. O público rendeu-se sem problemas desde a primeira à última faixa da noite, nunca baixando os braços e sem nunca conter uma reação digna desta visita. Com uma noite deste nível, só podemos concluir que a SWR Inc. continua a ser a referência principal em Portugal para noites deste calibre. Dito isto, e com Blood Incantation e Spectral Voice na noite seguinte, é de esperar a continuidade de grandes coisas a vir desta família.