
“I was a frighteningly silent child, apparently. I kept silent... but that's not right. Silence keeps us.”
- Mauvais Sang, Léos Carax.
Ainda estamos em processamento e condicionados à recuperação física, após aquilo que foi a muito aguardada estreia dos japoneses Melt-Banana na capital. Reconhecendo o contexto de tudo o que aconteceu nesta última sexta-feira, é um understatement absoluto poder afirmar que o privilégio em testemunhar e descrever tudo o que aconteceu, é todo nosso. A nossa vivência com a Galeria Zé dos Bois permite-nos concluir que este é, de facto, o arquetipo para o futuro da música underground. Espaços como este, apesar de poucos, encontram um equilíbrio entre a diversidade de escolhas e a forte legitimidade em cada uma destas. Não carecem exemplos disso desde janeiro e, ao que parece, a galeria não demonstra desejo de parar. É por estas e por outras razões que nos sentimos muito bem acolhidos num espaço que vê a música com os mesmos olhos que nós.
A propósito das grande apostas musicais que a Galeria propõe ao seu espaço, Melt-Banana foi sem dúvida uma das maiores, especialmente dentro dos estilos mais pesados. Perante nós temos uma banda que está em intensa atividade desde a sua fundação, há já mais de 20 anos. Poder trazer um grupo que não só revolucionou o estilo do noise rock como ainda consegue cimentar a sua identidade com lançamentos persistentemente inovadores e rejuvenescidos, é de facto uma grande contribuição para quem venera o ruído, o que justifica como a bilheteira para o concerto esgotou a cinco dias deste acontecer. Dito isto, faz sentido compor a noite em horas pontuais. Portas às 21h, banda às 22h.
Apesar da afluência inicial algo lenta do público, pouco demorou até se fazer sentir o peso das vozes no hall do pátio e no bar do espaço. Ouvem-se risos, abraços amigos e algumas caras sozinhas que não tiveram hipótese em não perder esta noite, mesmo que isso implicasse virem a sós. Dá para perceber que a banda também está acostumada à rotina de digressão. Uns minutos a antecipar o começo e vemo-los a entrar bar a dentro para preparar o soundcheck. O sufoco é quase imediato assim que entramos na sala, o isolamento e a acústica é notável, especialmente para uma área tão pequena como esta, tem tudo para dar certo. A certa altura as pessoas começam a entrar e há cada vez menos espaço para navegar, a dupla está em palco já a preparar o arranque e antecipação sente-se cada vez mais.
Há muito poucas bandas que nos fazem sentir assim. Na verdade, é fácil perceber quando o concerto vai ser enorme, e este tinha todos os sintomas disso. A começar pelo volume, pela hesitação inicial, pela contagiosidade e pela sincera reacção do público em resposta a uma performance despida e memorável. Nem nós próprios conseguimos resistir à aceleração epiléptica da bateria ao som da monstruosidade sónica do conjunto japonês. Guitarras gritantes com a voz da Yasuko a encavalitar palavras com desmembrados gritos de diversão macabra enquanto o público se movia de um flanco ao outro da sala. Crowd surf, mosh, stage dives e malta sem parar de abanar o capacete. Esta era a reacção que antecipávamos, e a única que esta banda merece. A tocarem malhas predominantemente do último álbum Fetch como “The Hive”, “Vertigo Game”, e a elevar momentos memoráveis como a rendição dançável da “Infection Defective”, vimos o público constantemente dividido entre dançar e instalar o caos no centro da sala. Para onde quer que olhávamos, encontrávamos sorrisos, cabelos despenteados, roupa esgadelhada e malta a atar os atacadores que não resistiram ao paço de dança que a porrada japonesa impôs.
Se há um concerto punk/noise rock onde todos podem sorrir em plena felicidade, é este! Dito isto, de acordo com a reação quase unânime por parte do público a esta noite inesquecível, não vale a pena contrariar os factos, e estes colocam esta noite de autárquicas bem longe da política lisboeta. Mesmo que não dê para votar em Melt-Banana, podemos nós ficar mais um bocado na Galeria Zé dos Bois? Claro que sim, sempre.