À chegada, o espaço revelava-se totalmente preparado para o típico clima de abril, bem como para uma confortável estadia do público no festival. Logo à entrada, um enorme espaço coberto albergava toda a restauração, mesas e os mais variados comes e bebes, tal como as fileiras para se trocar bilhetes por pulseiras. Os concertos, esses, teriam lugar numa tenda contígua a este espaço. A intempérie da primeira noite mal se fez notar.
O alinhamento denunciava de imediato uma alternância eclética entre cada uma das bandas. Mesmo jogando com esse factor, a primeira noite ficou marcada essencialmente pelo assalto punk, não fossem os The Exploited os cabeças de cartaz. Após a inauguração dos circle pits com os Sacred Sin num concerto, que apesar de poderoso, ficou marcado pelas falhas de som que insistiram em não desaparecer com o decorrer da noite, foi com a entrada dos Viralata em palco que surgiu a primeira grande explosão de entusiasmo e festa. Com muita energia e uma sonoridade bem simples e direta, o público aderiu de imediato, cantando em uníssono temas ali elevados a hinos instantâneos: De “Estrelas Decadentes” a “Zé Ninguém”, culminando em “Famel”, onde a frase “foda-se, a mota é linda” (que se não foi alterada para a Moita é linda, pareceu) era cantada em plenos pulmões. De certo, nasceu um novo slogan para o festival.
Mais tarde foram os The Exploited a dar continuidade ao vendaval punk, iniciando o caos com a “Let’s Start a War”. Não haveria nome mais apropriado para abertura. Se muitas bandas perdem o vigor depois de tantos anos em estrada, a banda escocesa parece que tem cada vez mais adrenalina no corpo. Chega até a ser impressionante como, depois de várias décadas e com tantos quilómetros percorridos, Wattie Buchan consegue ter esta força em palco, e sempre com uma enorme comunhão com o público. Por entre temas de compasso punk clássico como “I Believe in Anarchy” ou “Sex & Violence” e outros mais ásperos marcadamente crossover como “Chaos Is My Life” ou “Beat the Bastards”, durante mais de uma hora viveu-se um clima de genuína anarquia e libertação, que culminaria com uma invasão de palco, como assim devia de ser.
Pelo meio houve ainda tempo para black e thrash. Os Filii Nigrantium Infernalium rápidamente prometeram “o pior concerto do festival”, mas na verdade acabou por ser um dos mais interessantes. A banda portuguesa não traz nada de novo a nível sónico, repescam elementos old school e executam-nos com uma qualidade surpreendente. Em palco, conseguem representar todos os clichês da atitude black, sem com isso se levarem a sério, numa verdadeira lição aos autodenominados trves. Mais uma vez, houve falhas técnicas e o concerto acabou por não ter a duração esperada pela banda, embora tenha ficado o pedido de desculpas e a oferta das próprias costas do vocalista para serem chicoteadas. Essas falhas de som que assolaram todo o primeiro dia foram ainda mais evidentes no set de Suicidal Angels que, apesar disso, conseguiram orquestrar uma wall of death e mantiveram um ritmo alucinante, servindo de combustível aos circle pits sempre a rolar durante toda a atuação.
Suicidal Angels e The Exploited
Sacred Sin, Viralata e Filii Nigrantium Infernalium
Ao segundo dia, a chuva deu lugar ao sol e tudo estava pronto para uma maratona de concertos. Perante uma tarde repleta de propostas lusas, foi muito o público que desde bem cedo respondeu e não faltou à chamada no apoio ao metal nacional, tal como tem sido apanágio do festival desde a sua criação.
Por entre uns Toxikull, que faziam questão que toda a gente que ia chegando soubesse que eles tocam Heavy Metal, uns sempre vertiginosos Equaleft que se mostram cada vez mais consolidados no meio, ou uns energeticamente corrosivos Terror Empire, foram talvez os Wells Valley que mais se destacaram. A banda aproveitou a água que caiu na noite anterior e transformou a tenda do Moita Metal Fest num verdadeiro pântano de sludge e doom. Os riffs bem mais lamacentos e arrastados, contrastaram em perfeita dimensão com as guitarras mais velozes que caracterizaram praticamente a tarde toda, sendo que, por momentos, a correria deu lugar a incessantes headbangs, sincronizados e lentos. A maior potência sonora que o recente EP The Orphic revela em relação ao disco anterior da banda, ao vivo eleva-se ainda com mais amplificação, garantindo assim uma performance plena de densidade e sufoco. Filipe Correia revelou também bastante perfeccionismo, recomeçando um tema ao não estar satisfeito com o seu andamento, mesmo que, diga-se, se tivessem continuado, provavelmente ninguém teria reparado no lapso.
Toxikull, Wells Valley, Low Torque, Equaleft e Terror Empire
A primeira proposta internacional do dia chegava já ao final da tarde, vinda diretamente de Sheffield, Reino Unido. Os Malevolence trouxeram com eles uma autêntica frente de batalha para junto do palco, surgindo matanças de Slam Dance e Crowd Kill por entre os drops de metalcore da banda britânica.
Mas o momento era dos For The Glory, e a ansiedade sentia-se no ar logo desde a mudança de palco. Não era novidade para ninguém que iriam fazer ali a sua última atuação, o que deu ao contexto uma boa carga emocional. Nas laterais do palco figuravam um sem número de convidados que não quiseram perder a celebração desta banda que tem sido figura de proa na cena Hardcore nacional. Com o Benfica a entrar em campo praticamente à mesma hora, um dos guitarristas não se fez rogado em subir ao palco com uma camisola do clube da Luz vestida, tendo sido acompanhado pelo baixista que envergou uma camisola vintage do Sporting, promovendo assim um exemplo de desportivismo que o país anda a precisar. Por entre discursos de agradecimentos, os For The Glory despejaram toda a sua energia no curto tempo que tiveram disponível, garantindo ali uma despedida nada inglória, bem pelo contrário, junto dos seus fãs e amigos.
No fim, o público pediu mais, mas rapidamente o staff começou a mudar o palco, tendo a banda ficado em palco mais uns minutos a agradecer todo o apoio. Deram lugar aos anfitriões Switchtense, que não tiveram muitos problemas em segurar o público durante a critica hora de jantar, conseguindo inclusive oferecer um enorme e merecido aplauso a toda a organização do Moita Metal Fest.
Malevolence e For the Glory
Switchtense e Benighted
De regresso ao recinto depois de um final de jogo de nervos, o nível viria a subir consideravelmente com as últimas três cartadas. Ainda os Benighted estavam a fazer os últimos testes, já se sentia a jarda do baixo como nunca até ali. Os franceses conseguiram incentivar muito do público com seu o deathgrind bem característico, havendo sempre grandes movimentações nas proximidades do palco. Demonstraram na perfeição toda a força que conseguem exibir ao vivo, tendo também havido espaço para dedicarem um tema aos seus amigos Analepsy, outra das bandas nacionais que tem feito sucesso por essa europa fora.
Se os Benighted tinham conseguido criar um grande espetáculo, era hora daquele que, muito provavelmente, acabou por ser o ponto mais alto de todo o festival. “A Procissão Dos Édipos” deu o mote, com os os sinos que se seguiram a servir de aviso, e à chegada de “Mortuário”, já o público estava totalmente imerso perante a densidade avassaladora da máquina debulhadora que são os Bizarra Locomotiva. Rui Sidónio deambulava pelo palco, pregando de forma teatral a sua mensagem. Se o ambiente estava frenético, mais ainda ficou com a primeira descida do vocalista à plateia, em “Ergástulo”, mergulhando num êxtase coletivo entre um público muito conhecedor do trabalho e conceito da banda. Assim, nestas condições, cria-se um ambiente único, com a energia a fluir entre palco e todos os intervenientes, sendo o público peça chave para isso.
“Anjo Exilado” e “O Escaravelho” puseram término à cerimónia com os papéis a inverterem-se: invasão da plateia ao palco para os fãs cantarem os últimos versos em plena comunhão com a banda. Se há um par de anos os Bizarra Locomotiva tinham sido cabeças de cartaz neste festival, desta vez, não o sendo na teoria, reclamaram no palco esse estatuto mais que merecido, provando também que são neste momento uma das mais fortes e competentes máquinas do metal em Portugal.
Com a noite já longa e algum cansaço acumulado, havia ainda Vader. Os polacos rapidamente apareceram em palco para um longo soundcheck, que fez irritar o histórico fundador da banda, mas também os mais impacientes da plateia. Com tudo pronto, os Vader conseguiram esmagar por completo os últimos crânios aos muitos fãs acérrimos que não arredaram pé, num concerto que, apesar de bastante poderoso e competente, dava a sensação de que pouco mais acrescentava depois da exibição dos Bizarra Locomotiva.
Acabava assim mais um Moita Metal Fest. São eventos como este que vão crescendo ano após ano, sustentadamente, e com acrescida qualidade, que ajudam a legitimar a cena nacional. Continue o público a aderir.
Bizarra Locomotiva e Vader
Texto por Pedro Freitas e Bruno Pereira