Dia 2
Decorria ainda a tarde solarenga, mas álgida de sábado quando se retomou a fileira de concertos em espera para o segundo dia de festival, desta vez com Ricardo Martins, baterista dos Chão Maior, a deixar o público, este pacientemente sentado na sala que o envolvia, de cabeça inclinada com a sua exibição esotérica de detalhes percussivos executados numa complexidade virtuosa e que reuniram pelo final uma salva de palmas mais que merecida. Dentro de momentos subia Anna B Savage ao estrado de onde, com a sua voz aconchegante, poderosa e teatral – ou como a própria se descreveu, “uma moça pequena, mas com grandes pulmões” –, acompanhada pela sua guitarra elétrica, providenciaria uma seleção de faixas sentidas, emocionais e íntimas. Destaque ainda para a dupla Fura Olhos com um exercício acerca da sobreposição e modificação digital da voz humana e que foi digno de uma casa bem populada que se embalava ao som das suas ambientações.
Por esta altura, aproximava-se uma parcela de atuações daí em diante puramente eletrónicas, como se fez comprovar com a programação de sons sintéticos e metalizados diversos albergados por Lorenzo Senni. Nas suas conjeturas dance/eletrónica, através das quais o próprio transmitia uma energia inesgotável que não se escapuliu por entre os demais presentes, avistou-se um jogo de cintura que ia desde a conceção de build-ups extravagantes à manipulação de expetativas. Para surpresa de absolutamente ninguém, Giant Swan, sem dúvida um dos nomes mais aguardados nesta edição, até fez fila à porta do São Mamede CAE. Foi uma performance de pé no acelerador de início ao fim, a devastar por completo as forças de uma audiência dominada pelas pulsações punk meets progressive club do duo de Bristol. Da catarse corporal às vociferações ecoantes e distorcidas que do alto se faziam soar, tudo apontou para um dos melhores, senão o melhor momento de sábado.
Lee Gamble tomou o lugar de Slikback, que por razões desconhecidas não pôde comparecer. No entanto, o que é mais que conhecido, e que se pode aqui reiterar, é que o DJ set do dito substituto não só cobriu por quaisquer potenciais perdas, mas meteu uma sala presumidamente exausta num novo saracoteamento. E claro, para fechar as cerimónias não podia faltar o mais que residente DJ Lynce, que tem sido para o Mucho Flow o que os Shellac tem sido para o Primavera Sound. Para quem ainda urgia por abanar o couro até ao momento da derradeira despedida, era agora ou nunca.
E assim se fechou a oitava entrada do evento sediado em Guimarães, que embora algo carente de um cartaz mais dissemelhante, sobretudo com o reduzido número de atuações, não careceu, contudo, de artistas de categoria. Em termos audíveis, não se nega que a preponderância da eletrónica entorpeceu, em maior ou menor escala dependendo do indivíduo que se questiona, o flow do festival, mas ser-se-ia injusto se, perante todas as dificuldades e obstáculos que se tem atravessado no caminho da indústria musical recentemente, se acusasse o Mucho Flow de não ter proporcionado uma experiência singular e memorável dentro do que as circunstâncias lho facultaram. No final de contas, não faltou nem boa música, nem quem a ansiasse ouvir, nem espaços que a fizessem ouvir em alto e bom som, portanto, que mais se pode pedir?