
No passado fim-de-semana (20 e 21 de janeiro), a Cave 45 recebeu o North Dissonant Voices, uma enchente de black metal e industrial. Numa edição marcada pela afirmação do festival, houveram surpresas e desilusões.
É um outro apetite. Aquele que se vincula à infinitude do abismo, a corredores e florestas completamente englodios pela escuridão. Podemos vê-los e ouvi-los no blast beat incansável dos Lubbert Das, no drone distorcido dos Paean, nos capuchos de LVTHN mas também nas pulsações opacas de Atila e de DE TA US TO AS.
A Cave compôs-se decentemente para o evento numa mancha de roupa escura. Apesar da Signal Rex (organizadora) ter provado que pode chegar a um público mais abrangente, o NDV é, para já, um fenómeno comunitário. Estamos no palco portuense de música sombria para quem lhe é devota.
Tabaco e incenso enchiam a sala de concertos, tornando-a pesada. Duas bancas de merch, com dezenas de T-Shirts e cintos, materializavam a devoção. O P.A., a fumegar ruído eléctrico, estava pronto a lançar vagas de distorção. O palco foi decorado para a maioria das atuações. Estas bandas representam, acrescentando uma dimensão teatral aos concertos.
Os Paean trouxeram 10 candelabros (uma brutalidade) e caveiras, que ficaram para os gigs posteriores. Os Dolentia (banda nacional), pintados de branco, vestiram-se com mantos negros. Os guitarristas empunhavam uma corrente metálica ao pescoço. O vocalista, quando não cantava, deixava o capucho tapar-lhe totalmente a cara. Coube a eles o grande concerto de metal da primeira noite. As paredes de distorção, aqui misturadas com riffs, serviam bem a abrasão que o género pede. Os vocais eram especialmente imponentes. Deram um especáculo muito competente de black metal, que manteve o interesse ao longo de todo o set.
Sexta-feira (20), que abriu com o cerimonial dos Tendagruta - conchas partidas, pinturas faciais com carvão, declamação panteísta, naturalismo a jogar com o noise - fechou com uma colaboração exclusiva. Depois de uma falha técnica que roubou 10 minutos de concerto, armou-se a electrónica física de Atila com as percussões e “desperdício industrial” de Sinter. Três músicos, um no palco e outro fora, num manifesto pelo ruído. Chocavam placas e barras metálicas, molas industriais, cheias de textura nas suas vibrações. Os beats de Atila eram abafados pelos gritos e distorção, enquanto que o conjunto avançava para o caos sonoro. A combinação é vívida, e esperamos que se venha a maturar num disco.

Para além da representação que referimos, estas bandas deram concertos físicos, onde parte da performance reside na linguagem e movimento do corpo. O melhor exemplo desta vertente veio do DE·TA·US·TO·AS. Este duo catalão presta um culto aos “ventres das mães de sangue”. Num concerto extremamente dramático, a música - um instrumental escuro, contínuo - serviu de base a uma celebração. Dois sacerdotes, um submisso, mantinham uma liturgia bem delineada: queimavam incenso, pintavam-se com sangue (?), entoavam de pés descalços, imundos, entregavam-se. Não importava o que recitavam.
O palco serviu para uma mudança de roupa ou para uma reencarnação mais espiritual? Depende da opinião. Quer se tenha gostado ou não, eles não quebraram a 4ª parede. Foi uma atuação sincera dentro da intrepretação e, assim, estranhamente poderosa. A banda seguinte (a terceira de Sábado (21) era provavelmente a mais sonante do festival: Gnaw Their Tongues, do belga Maurice de Jong.
A voz e baixo de Maurice eram os únicos intrumentos tocados ao vivo, com o restante instrumental a vir de um computador. O projecto lançou o último álbum em Dezembro do ano passado, Hymns for the Broken, Swollen And Silent, mas pouco foi tocado das suas partes experimentais, como a que abre Frail As The Stalking Lions ou que fecha Hold High The Banners Of Truth Among The Swollen Dead. A particularidade desta música reside em texturas electrónica, muitas vezes na forma de detalhes. No gig, elas perdem para o ruído e passagens “black metal”. E tanto a ferocidade de Maurice (na voz e no baixo) como as variações industriais não foram suficientes para dar vida a todo o concerto. Não nos testou. Com pena, não ouvimos a música aterrorizadora que produz em estúdio.
Seguiram-se os Gaerea, um quinteto que desenvolve composições trabalhadas. Com Influências doom e riffs orelhudos, deram um concerto violento. Os LVTHN, banda posterior e a última de sábado, voltaram a acender as velas dos candelabros. Não só literalmente, mas também porque a música deste quinteto belga é especialmente luminosa. Por outro lado, nunca comprometem a sua postura ocultista (enquanto afinavam prepararam, na lateral do palco, uma mesa com velas e caveiras que os acompanhou no concerto). Desta mistura resulta algo interessante dentro das tipificações do black metal. No meio da distorção e blast beats, surgem guitarras brilhantes, grooves de pouca dinâmica e riffs de outras heranças metaleiras (como em Uncreations Dance ou em Eradication of Nescience, faixa homónima do último álbum e fantástica ao vivo). Por terem trazido algum entusiasmo ao line up, fecharam a noite em beleza.
Eles prometeram e cumpriram. O NDV deu um salto quantitativo do ano passado - passou de 1 a 2 dias de festival e de 5 para 10 bandas convocadas. Qualitativamente, confirmou ser uma efeméride para este apetite. Que o salto do próximo ano seja tão longo como este.

Um agradecimento especial a Daniel Sampio e à Portuguese Distortion pela cedência das fotografias.