
Chegamos a Outubro e é mais uma vez tempo de rumar ao Barreiro. O Out.fest é rua e outono, é jazz, experimentalismo e descoberta, e é sempre um fascínio enorme. A contar com um cartaz fortíssimo, nada foi indiferente, muito pelo contrário, cada atuação deixou ficar a vontade de a vermos uma e outra vez, mesmo que em loop.
Dia 1
O primeiro de quatro dias começou no Be Jazz Café com o fascinante Akira Sakata, japonês nascido em Hiroshima nos idos anos 40, acompanhado de Giovanni di Domenico. De uma geração completamente diferente, o italiano não se deixa ficar na sombra de um monstro do free

Logo de seguida, mesmo ao virar da esquina e uns quinze degraus depois, a escalada faz-se para sermos presenteados com Matana Roberts, de uma calma exemplar a contrastar em todo o revolto que nos proporcionou. Matana tira-nos do noise quando canta, enquanto cria todo um universo que nos puxa para o fundo de um ambiente negro, tenso e vibrante. Sentimo-nos desintegrados com toda aquela paisagem sónica que nos torna etéreos, dançamos obscuramente sem sairmos do chão, as nossas mentes enrolam-se em todo o turbilhão de emoções que nos passam e trespassam. A saxofonista consegue assim criar todo um universo densamente trepidante. O saxofone, a palavra, o noise, nós, todos um vortice de imensidade que nos leva a algum lado enquanto nos atira contra uma parede sónica.
Para terminar a primeira noite, voltamos ao Be Jazz para levarmos com uma estalada bem forte do trio Miguel Mira, Pedro Sousa & Afonso Simões, levamos uma estalada de jazz rouco e arranhado, mas de uma potência incrível. Infelizmente o som do violoncelo era demasiado ténue, ouvindo-se fracamente ao longo da atuação, deixando que o compasso fosse determinado pela arritmética bateria. Foi uma atuação de cortar a respiração, mas não podíamos ficar mal perante a performance exemplar de Pedro Sousa: absorveu-nos o fôlego e deu-nos a tal estalada com ele, esse fôlego que era nosso e vem contra nós quando já não sabemos bem o que está a acontecer. Toda a atuação foi assim, de uma troca de fôlegos entre nós e eles, aqueles que nos fizeram sentir pequeninos, inofensivos e indefesos.
Dia 2
O palco do segundo dia fica no Museu Industrial da Baía do Tejo, maravilhoso e inesquecível. Um dia de música instrumental para fecharmos os olhos e nos deixarmos levar pelas ondas sonoras saídas do palco. Começámos com o jazz experimental de Eddie Prévost e John Tibutu que entram e arrasam. Não estávamos à espera de tamanha energia e pujança. Sobrepondo camadas de ruído sobre camadas de ruído, este transforma-se em paisagem sonora, perdemo-nos nela com os metais a contrastarem o piano, os arcos, a percurssão. Os AMM já têm bastantes anos de atividade, o porquê de tal acontecimento foi provado aqui.
David Maranha, Helena Espvall, Ricardo Jacinto e Norberto Lobo enchem o palco de elementos hipnotizantes, sempre com a experimentação em primeiro plano. A sonoridade do violino e violoncelo sempre apaziguadora transportou-nos para outro mundo. Uma hora de “viagem” muito bem passada e completamente indescritível. Vladislav Delay fecha, calmamente, a noite, ou o vôo, criando uma textura musical muito própria. Techno para se ouvir sentado e com atenção ao que é cozinhado na mesa. O transporte foi eficiente e levou-nos até casa sãos e salvos.
Dia 3
Chega assim sábado, o dia da correria na ADAO, afinal são 14 bandas e não queremos perder nenhuma. Dividimo-nos assim pelo que é mais improvável voltar a ver ou pelo que está menos vazio porque existem salas pequenas e nas quais já não conseguíamos entrar.
A noite começa lá para cima, na sala de jantar, onde poderia uma noite começar melhor se não de barriga cheia? Rabu Mazda & Van Ayres iniciam as atuações com a sua incrível construção sónica, tornando a pequena sala de jantar num universo paralelo, afinal foi disto que foi feito este dia, de pequenos universos paralelos mas todos ligados com as mesmas pontas, nos mesmos vortexes. Integrantes de outras bandas e carimbados pela Cafetra, deram um concerto no mínimo espetacular, coeso e bastante singular ao mesmo tempo. Ficámos com vontade de lhes comprar a K7 mas não tínhamos dinheiro connosco. Erro nosso.
Logo de seguida, uma corridinha escada abaixo para o Palco Oficina onde os ZS já estavam a partir a casa toda. São três elementos e conseguimos perceber que existe um estilo sincrético na sonoridade, não fosse cada elemento pertencer a uma escola musical diferente. Do jazz clássico ao Heavy Metal, chega-nos uma riqueza musical interessante e imparável.
O Salão Nobre já estava a encher e era impossível deixar passar a oportunidade de ver Peter Brötzmann & Jason Adasiewicz. Brötzmann é uma lenda viva do Jazz, tem uma capacidade pulmonar incrível e o vibrafonista é de uma energia igualmente incrível, potenciando, mais uma vez, um concerto super enérgico. As quebras rítmicas de ambos os artistas funcionavam quase paragens cardíacas dentro do nosso corpo. É o possível descarrilanço do comboio a afetar-nos a mente e o nosso instinto a injectar-nos adrenalina. Se com Steve Noble, Brötzmann produziu um dos melhores concertos e discos de Free
