Centrando a oferta na divulgação de artistas (maioritariamente) portugueses, o Party Sleep Repeat poderá não parecer inicialmente tão atrativo como outros eventos de maior dimensão, mas rapidamente nos apercebemos da sua magia mal mergulhamos no ambiente intimista, acolhedor e divertido que se respira no recinto da Oliva Creative Factory. A habitual confusão que define muitos dos grandes festivais não é aqui sentida, observando-se no seu lugar um clima de saudável convívio ( muitas vezes entre bandas e público) e de apreciação genuína pelos músicos presentes.Na verdade, havia casos onde se notava perfeitamente a familiaridade que a audiência tinha já desenvolvido com algumas das bandas do cartaz, num exemplo do atual período áureo, tanto a nível criativo como de popularidade, que a música portuguesa atravessa.
Essa vitalidade foi logo demonstrada com os GO’EL, duo formado por Dani Valente e Diogo Leite que, no dia desta atuação, lançou oficialmente o disco de estreia Alter Ego. Incutidos com a sempre ingrata tarefa de iniciar uma maratona de concertos, conseguiram ainda assim cativar a audiência com uma sonoridade enraizada na beleza etérea de um post-rock de tendências eletrónicas, perfeito para aquele agradável final de tarde. Um projeto a ter claramente em conta.
Seguiram-se os El Señor, autores de um surf rock com potencial mas profundamente afetado por uma postura em palco demasiado pachorrenta e pela ausência de músicas realmente memoráveis. A atmosfera que criam invoca imediatamente memórias de tempos bem passados na praia, a saborear o sol e as ondas, mas, ainda assim, nunca deixamos de sentir que falta algo mais na composição e performance do trio. Mais maduros e potentes estiveram os Solar Corona, coletivo que inclui José Roberto Gomes (Killimanjaro) no baixo e que decorou o espaço sanjoanense com os tons quentes do seu stoner/psych inspirado em Earthless ou Black Bombaim (ainda que sejam menos psicadélicos que os seus conterrâneos barcelenses). Podem não inovar, mas reproduzem de forma extremamente eficaz as bases do estilo por onde se movem… e muitas vezes isso basta.
Galeria com ambiente, GO'EL, El Señor e Solar Corona
Ainda a provar o bom estado de saúde em que o rock se encontra, o festival contou ainda com os portuenses Fugly, em fase de promoção ao mais recente Millennial Shit, a debitando furiosamente malhas de um garage rock possante que pisca o olho ao punk, e os Stone Dead, ainda com o aclamado Good Boys debaixo do braço, a proporcionar uma sedutora viagem em que a garra do punk se cruza com o psicadelismo típico dos anos 60, próximo da era mais exploratória dos Beatles. Destaque ainda para a atuação dos maiorquinos Zulu Zulu, a única banda internacional presente no cartaz e os responsáveis por uma das prestações mais animadas e imprevisíveis do dia. Arrojados tanto a nível sonoro como visual, lançaram-se em intensas experimentações musicais, por vezes a recordar os Animal Collective, e despertaram reações efusivas por parte da plateia, incluindo de uma idosa que fez questão de dançar com diversos membros da audiência e que ofereceu assim um episódio verdadeiramente caricato que nunca iremos esquecer.
Galeria com Zulu Zulu, Fugly e Stone Dead
Contudo, o momento mais esperado deu-se com a chegada do cabeça de cartaz. Manel Cruz, natural de São João da Madeira, pisou o palco da terra que o viu nascer e foi imediatamente recebido de braços abertos. Tal não é admirar: trata-se de uma figura consagrada da música portuguesa, o eterno vocalista dos míticos Ornatos Violeta e um brilhante contador de histórias dotado de um extraordinário carisma. Mal entra em palco a sua presença sente-se, e a qualidade das suas canções cria um ambiente mágico, como um sonho do qual não queremos acordar. Com um alinhamento maioritariamente baseado em material a solo, incluindo o avanço “Beija-Flor”, o músico incluiu no encore duas viagens ao passado: primeiro ao dos Ornatos Violeta com “Capitão Romance” e, no final, com “Borboleta” de Foge Foge Bandido, fechando com chave de ouro - e com capítulos memoráveis do seu percurso - uma passagem triunfal que deixou bem claro que, mesmo após todos estes anos, Manel Cruz continua ainda com muito para oferecer.
A fechar o dia de concertos, os Throes + The Shine protagonizaram aquele que talvez tenha sido o concerto mais impressionante do festival, pelo menos no que diz respeito à exibição de pura energia desenfreada. Com Mob, o carismático frontman, a liderar a festa através de uma postura frenética que o levava ora a subir ao balcão do bar, ora a pedir que fizéssemos barulho, foram uma dose de adrenalina injetada numa altura em que o cansaço já se ia acumulado. Poucas são as bandas que conseguem fazer-nos pular de madrugada, mas o som dos Throes + The Shine, dinâmica e pulsante mistura de rock com kuduro, é mais do que suficiente para que o nosso corpo ganhe novamente força para dançar até não poder mais.
Galeria com Manel Cruz e Throes + The Shine