A terceira sexta-feira de 2020 foi dia de dérbi, chuva e uma mão cheia de concertos espalhados por Lisboa fora. Parecendo que não, não há dias melhores que estes para um concerto no tão familiar e acolhedor MusicBox, no Cais do Sodré. Mesmo com pouca gente na sala, as condições para uma noite sólida de música foram-se criando com o reencontro de caras familiares, desejos de bom ano novo e um PA muito capaz de causar estrago. Krypto é um projeto paralelo do Porto que junta a dupla de Greengo com uma cara bem familiar dos 90’s: Gon dos Zen. Tendo arrancado o ano a lançar o seu disco de estreia Eye18 pela Lovers & Lollypops (que é um monstro absoluto, diga-se), aqui surge a oportunidade ideal de o apresentar ao público de Lisboa, e que melhor companhia para o fazer. Petbrick, por sua vez, não pode ser subestimado de forma alguma, só por se tratar de um projeto “a solo” de um dos antigos membros de Sepultura, Iggor Cavalera. I é o full-length de estreia que o une a Wayne Adams, e o trabalho tem todo o mérito de ser analisado e consumido como uma ideia completamente devastadora e inovadora.
Os primeiros da noite foram Krypto. Estes albergam em si um resultado final que conjuga elementos de noise rock, post-hardcore e sludge, promulgando, no entanto, um abscesso sonoro sem qualquer possibilidade de classificação. Arrancaram com a hesitante “Crow Oath” que, apesar do início calmo, rapidamente acumulou a sujidade num monstruoso refrão de distorção, reverb e peso! Podem muito bem mandar o ocasional prego, mas a raça permanece intransigentemente arrojada. Faixas como “Spitwater”, “I Saw” e “Stytch” encontram conforto no lamaçal do caos. Não bastando, estas são as que se destacam com mais força e domínio, preservando consigo uma catchiness impossível de ignorar, como uma ferida que não fecha ou o cabrão que não se cala durante o concerto. A química do trio está à vista de todos, e felizmente não é só um caso de peso absurdo e ensurdecedor, pois a escrita original está bem presente e é digna de todos os aplausos e assobios que rouba do público. Como se de uma locomotiva se tratasse, a toda a velocidade, sem travão e completamente indiferente, estes dizimaram todo e qualquer ouvinte à sua frente.
Julgar que Petbrick é apenas e somente um “Iggor Cavalera show” é um erro crasso. A presença da dupla ao vivo faz com que os seus discos em estúdio pareçam brincadeiras de putos com cassetes, e francamente, em palco dizimam. A bateria sente-se como uma tonelada de tijolos em queda livre, e as eletrónicas de Wayne Adams preenchem tanto a sala que chegam a ressoar no eco do ruído. Camadas e camadas e camadas de cascatas, texturas, construções industriais de poluição sonora e disfunção. Surge “Radiation Facial”, com as suas ondas de choque a transportarem a tão familiar voz de Dylan Walker (Full of Hell) a gargarejar dissonância em aflição. “Horse” a descarregar o cru e o mecânico nas hidráulicas de Adams e na repetição de Iggor. As breves visitas a I ressoam como sucessivas marteladas num osso que quer ceder, mas são as recorrentes visitas ao EP de nome próprio que desconstroem todo este plano de existência, como se a sua própria vida dependesse disso. Os dilacerados cabos de alta tensão incorporam um filme como Tetsuo, The Iron Man ou Akira e ganham vida através de mutantes sonoros e virtualmente desfigurados. A prolongada exposição às avassaladoras e inesquecíveis “Crack Baby”, “Heaven’s Gate” e “Trucker Fucker” podem resultar em danos irreversíveis e catastróficos.
Com um MusicBox dizimado, um público de queixo no chão e a terminar desta forma, é justo dizer que podem vir muitas mais destas. Começar o ano melhor é impossível.