
Quinta-feira, 2 de junho
O Primavera Sound regressou novamente ao Parc Del Fórum com grande presença estrangeira e um sol radiante. Não faltaram protagonistas para o primeiro dia, tais como os Beak>, os franceses Air, ou ainda os Tame Impala. Vários mundos, vários momentos de prazer. O maior destaque do dia acabaria por ser o regresso aos palcos dos LCD Soundsystem, cuja reportagem pode ser lida aqui.
Este ano, o festival contou com a novidade Beach Club, onde desde as 12h houve diversos tipos de música eletrónica e um ambiente relaxado. Com rotas variadas para todos os gostos, o público pôde escolher entre concertos com conveniência geográfica (concertos em palcos vizinhos: a dimensão megalómana do Parc dá a possibilidade de todos terem passeios longos e divertidos), conforto do que já conhecem ou mesmo a jornada de descoberta do desconhecido.
Os Tame Impala eram uma das maiores atrações do dia em Barcelona, muito pelo seu mais recente álbum Currents. Um concerto que contou com tudo: um abuso extremo nos sintetizadores provocando aquele pop psicadélico a que o público está habituado ou ainda uma homenagem aos Air. Houve ainda a um problema técnico onde a meio do tema “Eventually” todo o som foi abaixo, enquanto a plateia continuava a cantar. O público acabou por esperar e a banda acabaria por regressar e reatar uma celebração que teve direito a confetis. Acabaram por ser, eventually, a principal desilusão do dia, não por terem sido maus mas por terem sido iguais ao que já vimos anteriormente em Portugal.
Estar no Primavera significa andar a correr de um lado para o outro e, como tal, antes dos australianos houve tempo de ver espaços dos concertos de Suuns e Air. Os canadianos proporcionaram um excelente momento experimental bem mais pesadinho do que era esperado. Já os franceses, apresentaram-se de forma impecável 15 anos depois de editarem a banda sonora do filme “The Virign Suicides” e deram um concerto onde as suas tendências progressistas se transformaram num formato elegante de pop infalível.
Geoff Barrow dos Portishead foi o nosso primeiro concerto no festival mas com o seu projeto intitulado Beak>. A bateria neste projeto é algo de muito delicioso e prende-nos a que fiquemos para ouvir mais. A experiência de Geoff permitiu a criar um excelente ambiente com o público, num concerto que acabou por ser uma agradável surpresa.
Acabamos o dia no palco Pitchfork com os Neon Indian. A banda “convidou” o público a embarcar numa viagem rumo aos anos 80, com o seu mais recente trabalho VEGA INTL. Night School, disco muito aclamado pela crítica. Não faltaram temas como “Annie” ou a mais antiga “Polish Girl”, entre muitos falsetes e sintetizadores junto com todo o carisma e flow do seu vocalista. Não haveria melhor maneira de acabar a noite.
Sexta-feira, 3 de junho

O Primavera Sound parece-se com um buffet musical, que reúne indivíduos de todo o mundo em busca da mais variada música. As horas vão passando e as pessoas continuam a gravitar à volta do buffet até que certos pratos começam a atrair os visitantes. O normal é que culmine numa forma quase orgásmica. São os festivais dentro dos festivais.
Tínhamos visto um cheirinho de Titus Andronicus no Vodafone Mexefest e deixou-nos com tanta água na boca que o seu concerto por cá teria de ser passagem obrigatória. O seu regresso a Barcelona fez com que o público criasse mosh-pits incríveis e ainda ouvisse Ramones. Deram festa do início ao fim e surpreendentemente arrumaram eles próprios as suas tralhas. À frente deles havia muito espaço e pouca gente, mostrando-se sempre muito perto do público presente, mesmo que muito deste os tivesse conhecido há pouco tempo. Um ambiente o mais intimista possível para um palco daquele tamanho.
As Savages voltavam ao Primavera como num registo bastante mais maduro e com muito mais nome do que aquando da última passagem. Vinham com um post-punk bem mais visceral, com a densidade duma pedra. Jenny Beth e companhia cativou o público de forma espetacular com o seu crowdsurfing e mostrou imensa força, raiva e até delicadeza.
Os The Last Shadow Puppets são um projeto imensamente distante daquilo que Miles Kane e Alex Turner normalmente fazem. O “macaco” torna-se muito mais interativo com o publico: grita e toma de assalto o palco, assim como Miles. Têm uma auto-estima inabalável que os deixa prever aplausos em todos os temas. Convenceram quase todos os seu fãs com o último trabalho discográfico Everything You’ve Come to Exepct, lançado já durante este ano de 2016. Sempre muito arrojados, provocam emoções a qualquer pessoa que os viu com um pop-rock. Não foram tão incisivos ou urbanos mas sim muito mais tecnológicos. Foi com a música “The Age of The Understatement” que causaram o maior impacto no concerto. Alex tira a camisa e sobe a temperatura no recinto. São sedutores, sabem-no e exploram-no.

Chegava a hora de, inevitavelmente, voltarmos a ver Beach House. Não se reinventam, nem trazem nada de novo (a não ser álbuns) mas aquilo que fazem, fazem-no tão bem que nunca é demais rever, mesmo apesar de terem estado em Portugal há tão pouco tempo. Torna-se impossível não nos emocionarmos ou entrarmos no nosso próprio mundo enquanto se ouvem os seus álbuns. O Pop etéro e apaixonante cantando como se fossemos transportados para a lua por Victoria Legrand, enquanto que o palco nos presenteia com luzes hipnotizantes num ambiente tão negro onde brilham os instrumentos. Não foi a melhor hora para tocar e seriam mais especiais enquanto o sol caía, mas os momentos tão especiais que nos proporcionaram acabam por compensar todas as outras coisas, até mesmo o atraso de meia hora.
Seguimos para ver os australianos The Avalanches no seu primeiro concerto na Europa desde 2001. Nessa altura eram 6, restando agora 2, Robbie Chater e Tony Di Blasi, mas nem por isso desiludiram. Serviram-nos com um excelente híbrido entre Live Act e DJ Set onde não faltaram as malhas de Since I Left You e de Wildflower, o mais recente trabalho que será editado no próximo mês de julho. Um excelente misto entre pop e eletrónica, que com os The Avalanches resulta de forma estupenda. Última explosão do dia, num dia que coloca o Parc Del Fórum no clímax e com expectativas bastante elevadas para o último dia de festa.
Este dia foi encabeçado por Radiohead, cuja reportagem pode ser lida aqui.

Sábado, 4 de junho
Chegamos ao dia final da nossa jornada com muita cafeína e muitos hidratos de carbono para enfrentar um dia que se avizinhava ocupado e mexido. Nuvens que foram uma miragem do calor sufocante que tomou conta do Primavera Sound. De Brian Wilson a PJ Harvey passando por Moderat ou o Ho99o9, sábado contou com uma grande diversidade musical para todos os apetites.

Quando PJ Harvey chegou ao palco já os poucos raios de sol se tinham posto mas a cantora fez luz com o seu rock elaborado e denso. Foi a estreia de The Hope Six Demolition Project em grandes palcos, com melodias bem mais acessíveis do que o habitual. Um excelente local para o reencontro quase 13 anos depois de Paredes de Coura. Com a mesma voz de sempre, arrancou com “Chain of Keys”, acompanhada por uma dezena de extraordinários músicos liderados por Mick Harvey. Uma excelente viagem no seu novo álbum com uma vista para o passado em músicas como “Down by the Water” ou “To Bring You My Love”. Um concerto memorável que arrebatou os corações do público, tal como se espera do concerto do festival irmão, no Porto.
Umas horas antes tivemos o prazer de assistir a um concerto que dava um especial receio: Brian Wilson. O Pet Sounds é um dos álbuns mais importantes da história musical e o receio é que todo o concerto pudesse estragar a magia que ele representa. O compositor e vocalista dos Beach Boys cuidou do recado de forma aceitável e recordaram o álbum perante um público muito pouco evasivo. Contou com a ajuda da sua banda que o apoiava nos falsetes ou canções mais inacessíveis para Brian Wilson. Houve tempo para êxitos como “I Get Around” ou até “Good Vibrations” e "Surfin' USA.
Acabamos por aproveitar para ver os islandeses Sigur Rós. Um espetáculo visual excelente que começou a tour europeia por Barcelona. Apoiam-se numa montagem visual fora do normal e uma outra infinidade de recursos e alternativas que permite que tenham um ambiente diferente para cada tema, deixando as pessoas expectantes daquilo que se vai passar. Só isso faz com que valha a pena o concerto. Apesar de se terem esmerado para construir estruturas musicas sólidas, acabamos com a sensação que é uma banda que numa sala fechada com boa acústica resulta muito melhor que em festival.
A altas horas da noite nada melhor que um concerto de Moderat para descontrair o corpo e alma. A noite deixou-se levar pelas suas produções eletrónicas da banda que veio apresentar o seu terceiro disco. Desvendou toda a sua artilharia pesada que até fez esquecer que estávamos ao ar livre, num formato bem mais ativo e adequado ao espaço. Uma das melhores sessões electrónicas que este festival podia ter visto.
Acabamos o dia a ouvir os Ho00o9, a nossa última paragem no palco Adidas. Um concerto muito aguardado para o "nosso" Milhões de Festa que fomos espreitar, dando-nos a ideia que merecia mais público e este mais mexido. Deram um concerto que nos leva a pensar bastante em Death Grips, mas numa maneira bem mais agressiva e selvagem, sentindo-se também algumas falhas no som. Esperamos para os ver no ambiente festivo de Barcelos.
Mais de 1900km depois, chegamos ao fim daquela que é uma das jornadas mais bonitas de toda a Europa no que a festivais diz respeito. A festa seguiu então para o Porto.
Vê aqui a nossa reportagem sobre os concertos de Hip Hop no Primavera Sound, relato de Vince Staples, Pusha T ou Action Bronson, entre outros.