O público portuense já havia mergulhado neste bizarro universo há três anos, quando a talentosa artista sonora oriunda da Dinamarca visitou pela primeira vez a Invicta, proporcionando uma memorável atuação no já conhecido Understage. Foram precisamente as boas memórias desse marcante serão e o desejo de voltar a sentir algo semelhante - agora com o magnífico disco The Drought na bagagem e no qual o concerto se baseou - que levaram o público a abandonar o conforto dos seus lares numa fria noite de terça-feira para o antecipado reencontro no Maus Hábitos.
Contudo, faltou a esta prestação alguma da magia que caracterizou a primeira, talvez pela escuridão do Understage se adequar melhor à encantadora viagem intimista de Puce Mary (cuja timidez, que a própria tenta combater nos momentos em que olha de forma incerta e efémera para o público, não passou aqui despercebida) ou talvez pelas poucas mas, ainda assim, incomodativas conversas que ocasionalmente se ouviam ao longo de uma atuação que pedia silêncio absoluto para ser devidamente apreciada e, acima de tudo, absorvida.
Todavia, mesmo na ausência da atmosfera ideal, Puce Mary provou ser uma das vozes mais fascinantes no atual universo da eletrónica exploratória, oferecendo quarenta minutos de uma poderosa e catártica sessão musical construída à base de diversas colagens - há noise, industrial e até spoken word - que formam uma narrativa tão coesa quanto emocionalmente avassaladora. Ora rodeada da maquinaria que usava para produzir surreais aventuras sonoras, ora caminhando pelo meio da audiência antes de voltar a refugiar-se na solidão de um palco parcamente iluminado, envolveu o Maus Hábitos numa teia de vulnerabilidade tensa e sedutora, mostrando que o sofrimento pode ser inebriante. Não terá sido um serão perfeito, mas foi certamente satisfatório.
