Sempre que possível, há que saber diferenciar um concerto bom de um concerto especial. As diferenças não se colocam meramente por vias verbais ou gramaticais, ou pela teimosia do pseudoelitismo que tanto navega o mainstream e o underground da música alternativa em Portugal. Nessa diferença, vemos a projeção de uma expectativa e como tudo o que envolve um concerto se materializa perante essa pressão. Red Fang, proclamados reis desta merda toda, não sentem pressão. Nem um bocadinho. Na verdade, não sendo este o caso, o quarteto americano tem-se mantido firme em digressões constantes e, sempre que possível, a escrever. O cansaço, se o há, não é evidente, nem tão facilmente notado. Tudo isto já era sintomático há imenso tempo, desde a primeiríssima visita que os americanos fizeram a Portugal, mas vê-los a manter o nível de intensidade, diversão, indiferença sempre ao mais alto nível, sem nunca deixar o público num singelo instante aborrecido, é nada mais nada menos do que contagioso e sobre-humano.
No dia 30 de junho, o calor de verão mantinha-se em força na cidade de Lisboa, a seguinte a receber de braços abertos uma sala cheia para o cão pré-histórico. A abrir, estiveram os Dollar Lama. Tendo começado a tocar a uma hora que mais parecia de matiné, viram-se confrontados com uma sala ainda um pouco tímida e descomposta. Não lhes bastando essa recusa, os lisboetas insistiram em incendiar o público para alguns, se bem que ligeiros, circle pits e mosh pits. Mesmo suando uma energia mais contagiosa e notavelmente à flor da pele, a banda não obteve a reação que tanto merecia. Dito isto, há que salientar a importância de comparecer para qualquer banda local a abrir uma atuação estrangeira. Se existir tanta pressa para chegar à frente nos cabeças de cartaz, porque não fazê-lo com a banda local? Estes muito o mereciam.
Pouco depois, já com os Sunn Amplifiers a ressoar no fundo, subiram os Red Fang ao palco. Delírio total por parte de uma sala já quase a rebentar pelas costuras. Havendo pouco ar e espaço para respirar, há que saber onde observar o espetáculo. Nas laterais, bem lá atrás, ou então no centro do coração do público onde, sem interrupções e desculpas, se sujeitou a um abrasivo exercício de mosh pit e crowdsurf. Caos instaurado. Mesmo atravessando a discografia toda, desde o primeiro disco até ao mais recente, a banda nunca baixou os braços nem se sujeitou a qualquer variação de entrega e dedicação. Abrindo com “Blood Like Cream”, a energia em palco passou a ser perfeitamente refletida no público. Suor, letras gritadas a plenos pulmões, sempre em uníssono, e com ensurdecedores aplausos entre músicas. Mesmo pisando malhas como “Cut It Short”, “Flies”, “Crows in Swine” e com uma música do novo disco, “Arrows”, foram as já muito familiares “Prehistoric Dog” e “Malverde”, “Wires”, “Into The Eyes”, entre outras do Murder The Mountain que levaram a sala ao rubro de uma ponta à outra. Mesmo com uma suposta despedida, teria de haver um encore obrigatório. “Hank Is Dead” assumiu-se como a cherry on top, com a pesadíssima e visceral “Throw Up”, depois, a ressoar nos suados punhos da multidão as letras “You Say What You Gotta Say, I KNOW”.
Épico. Sem tirar nem pôr. Uma sala abafada pelo calor humano, pelo suor e pelo hálito gritado que pavimentou cada um dos refrões do quarteto. Com uma noite assim, é fácil dizer que esta foi especial. Não boa nem muito boa. Mas especial. Quanto a Red Fang, e fazendo alusão ao que se citou mais acima, pode muito bem dizer-se o que se tem a dizer, eles sabem. Mas a música há de falar sempre mais alto, e a deles ruge como um animal.