O Resurrection Fest faz mais do que crescer. Imiscui-se. Promove a simbiose com tudo o que existe em Viveiro. Podemos vê-la através dos cartazes alusivos ao evento que ano após ano aparecem colocados cada vez mais longe. Podemos temê-la no forte policiamento que investiga e indaga, perturba e ajuda, a mais de 30 km da cidade galega. Mas, acima de tudo, podemos senti-la nas pessoas, nos habitantes locais, em quem lá vive e abraçou o evento, em quem trata o festival por tu, “o nosso Resu”, dizem com orgulho. É essa comunidade que faz com que o festivaleiro se sinta em casa, que o faz sentir-se mimado, longe da habitual ostracização cliché de que são alvos os amantes das sonoridades extremas. Sentimos essa simbiose nos empregados da restauração que nos tratam com uma amabilidade grata, nos caminhantes noturnos, já de idade, que sabem o cartaz de cor e nos perguntam como foram os concertos. Tudo isto faz parte da festa e nesta décima terceira edição a primazia apura-se ainda mais.
A nefasta sentença meteorológica teimava em cumprir-se mas a chegada a Viveiro aconteceu rodeada de bom tempo. Por todo lado vislumbravam-se os habituais fiéis vestidos de negro e a atmosfera sentia-se impregnada de alegria e expectativa. Para além dos festivaleiros, também a cidade se vestia a rigor para receber mais uma edição do Resurrection Fest, com os já conhecidos supermercados personalizados, bancas e barracas a funcionar fora de horas.
A primeira novidade na chegada ao recinto é a troca de nome do segundo palco do festival, agora Ritual Stage, e mudança dos concertos do dia de warm-up para este local, fugindo da tenda que já o ano passado transbordava pelas costuras com os duros que aparecem para o aquecimento da festa. Neste final de tarde agradável sobem ao palco The Qemists com a sua sonoridade de drum & bass agressivo e pendulumesco-ó-prodigyano, compenetrados em galvanizar a audiência através do vocalista (e MC!) Bruno Balanta (“You are resurrecting us!”). Seguem-se as atuações de Riot Propaganda e Jello Biafra e a sua Guantamo School of Medicine, mantendo a fasquia elevadíssima nestes primeiros espetáculos de aquecimento.
Tocam as doze badaladas da noite e entram em cena os muito aguardados senhores do metal industrial, Ministry. Os visuais hipnotizam a audiência e salta rapidamente à vista qual o foco temático do concerto: Al Jourgensen e amigos vêm para destruir Donald Trump. Com muito material do seu mais recente trabalho, sem deixar de parte os clássicos, o grupo de Chicago é a cereja no topo do bolo deste dia de warm-up. Houve ainda tempo para Powerflo e para a sensação de que estamos a levar com Fear Factory, Cypress Hill e Biohazard duma só assentada, com uma energia contagiante em todos os temas do seu rapcore mutante.
Warm Up Party - Parte 1: Riot Propaganda e Jello Biafra
Warm Up Party - Parte 2: Ministry e Powerflo
O primeiro dia oficial de festival acorda com a certeza de que, mais uma vez, o Resurrection Fest move muita gente, e o longo e relaxante caminho entre o campismo e o recinto é percorrido rodeado pelas habituais legiões de festivaleiros.
Os Agoraphobia, prata da casa, dão um concertaço no Desert Stage e abrem o apetite para a epopeia musical deste início de festa. Seguem-se The Raven Age no Ritual Stage, com o seu metal melódico muito britânico e um pedigree invejável (George Harris é filho do lendário Steve Harris de Iron Maiden). No palco principal era depois tempo para aquele que viria a ser um dos concertos do dia. Os ucranianos Jinjer, comandados pela indomável força que responde pelo nome de Tatiana Shmailyuk, foram ao festival com claras ideias de marcar uma posição. Muito concentrados, pouquíssimos erros, interação com o público quanto baste, o quarteto vem com temas variados e que abrangem a totalidade da sua discografia. Destaque para o magnífico baixista do grupo.
As três horas seguintes foram verdadeiramente alucinantes, saltando entre palcos e bandas que vão desde os suíços Nostromo, os respeitáveis e lendários Overkill, Anti-Flag e a sua energia anarco-protestante e Rolo Tomassi e o experimentalismo de bom gosto. Esta pequena amostra carateriza na perfeição a diversidade musical do festival, claramente focado em agradar a gregos e a troianos sem gerar discórdia.
Cuchillo de Fuego, Dawn Of The Maya e Agoraphobia
Get The Shot, Aathma e Basement
Overkill e Crystal Lake
Anti-Flag e Rolo Tomassi
Findada mais uma ronda de concertos brilhantes sente-se algo no ar, uma excitação, um culto da personalidade à flor da pele, uns risinhos aqui e ali. Naturalmente, Corey Taylor e os seus Stone Sour foram o próximo prato a ser servido e a audiência queria devorá-lo. Não basta apenas ser-se vedeta, é preciso saber sê-lo, e o mítico vocalista de Slipknot nasceu para isto. Microfone na mão qual machado de guerra, t-shirt alusiva ao festival e promessas de amor eterno entre audiência e banda, os norte-americanos deram um concerto de roubar suspiros às fãs mais fiéis (incrível a quantidade de gente jovem que segue o grupo; há ainda esperança para o metal do futuro) e de caloroso aplauso por parte dos festivaleiros cépticos.
Passam 45 minutos da meia noite e o cabeça de cartaz sobe ao palco principal. A expectativa é imensa, não fossem os Ghost a grande aposta do metal para levar o género (novamente) às grandes massas, qual messias prometido. A cena está muito bem montada, com o habitual cenário religioso (a roçar o jocoso) a envolver os Nameless Ghouls, e “Ashes” surge a bom som, embalando enganadoramente o público. A explosão é imensa com a aparição de Tobias Forge (Cardinal Copia) e o riff de “Rats”. Faz-se ouvir o maior coro do dia em clássicos como “Cirice”, “Year Zero” e “He Is”, grita-se de espanto com o solo de saxofone da fantástica “Miasma”, e é-se seduzido de bom grado pelo fenómeno “Dance Macabre”. A banda mostra-se cada vez mais profissional, nada é deixado ao acaso, os timings entre trocas de guarda-fato são perfeitos, a intrusão entre os membros do grupo é a mais saudável de sempre e tudo isso se reflete no som e na proximidade entre o que se ouve no disco e ao vivo. É sem dúvida um espetáculo muito bem montado.
Ghost
Stick to Your Guns e Cancer Bats
Entretanto, no palco Desert entraram em cena Wolves In The Throne Room e o dia ganhou outra sobriedade e sentimento. O black metal atmosférico do grupo ruge na noite galega e envolve a audiência num concerto intimista e bruto, alternando entre paz e violência, completamente focados em mostrar porque é que são um dos estandartes máximos do género atualmente.
Para finalizar houve ainda tempo para os franceses Mars Red Sky, vindos diretamente de terras lusas, trazendo consigo o seu stoner querido a soar no Desert Stage, e também um pouco de System of A Down pela arte e tributo dos portugueses Abaixo Cu Sistema que garantem que todo o festivaleiro termina o dia com clássicos como “Toxicity” ou “B.Y.O.B.” na cabeça.
At The Gates + Wolves In The Throne Room + Mars Red Sky