Os Russian Circles fizeram parte da longa lista de concertos cancelados nos últimos dois anos (cujos motivos já nem precisam ser mencionados). Mas a espera não afastou ninguém de uma das mais cativantes bandas de post-metal da atualidade. Aliás, o evento estava completamente esgotado e, às 21 horas em ponto de 29 de abril, a sala 2 do Hard Club já se encontrava praticamente cheia. Os reencontros faziam-se ouvir e sentir naquela sala que ansiava os concertos sem máscaras, sem distâncias e sem qualquer cinto de segurança. Naquele que foi o primeiro grande evento do ano promovido pela Amplificasom, o ambiente era de nostalgia e liberdade.
Antes de o trio de Chicago pisar o palco, os Helms Alee tomaram as rédeas e apresentaram – em dia de lançamento do disco – o seu “Keep This Be The Way”. Apesar de Torche ter deixado de poder ser a banda de abertura deste concerto, a energia manteve-se na medida certa. As duas bandas já se haviam juntado para o concerto de 2015 em Lisboa e, 7 anos depois, o grupo de Seattle mostra que é um pequeno tesouro do sludge e do noise rock. Com vozes tanto pesadas como com aspetos melódicos dos três membros, o grande destaque vai para a baterista Hozoji Margullis. A facilidade com que passam de sonoridade mais indie rock para algo completamente post-metal é de congratular. E isso mostra muito do seu “à vontade” com as suas diferentes facetas, surpreendendo a plateia com vários níveis de intensidade a cada música.
Tal como a Amplificasom mencionou nas suas redes oficiais “901 dias depois de Godspeed You! Black Emperor, uma pandemia que nos mandou todos ao fundo, guerras à nossa volta que só podemos lamentar, (…)”, a espera havia terminado. Numa atmosfera onírica, com luzes azuis baixas e música a meio gás, começava-se a ver Brian Cook (baixo), Mike Sullivan (guitarra) e Dave Turncrantz (bateria) a tomarem as suas posições. Porém, a calma fica-se por pouco tempo. Com “Blood Year”, de 2019, ainda por apresentar em Portugal, o concerto começou com “Arluck”, o primeiro single desse disco.
Ouvir Russian Circles ao vivo é reconhecer a sua identidade sonora nos primeiros acordes e, especialmente, nas primeiras grandes explosões em que percursão e as cordas desbravam. Não se sabe bem o que acontece do início ao fim, deixamo-nos levar pela instrumentalidade que, entre momentos ora pacíficos ora galopantes, falam connosco no mais íntimo espaço do subconsciente. Entre a lucidez e o descontrole, o hipnotizante jogo de luzes utilizado no palco torna tudo mais forte, acrescentando uma camada mais acentuada na distorção.
A setlist foi perfeitamente orquestrada com as músicas que já são clássicos para qualquer admirador de post-metal e post-rock. Além disso, entre a apresentação pode-se ter um vislumbre do que o que aí vem. “Conduit”, a nova música ainda sem lançamento, mostrou uns Russian Circles magistrais e com total controlo da sua arte, o que só aumenta a curiosidade pelo novo disco que por aí há de vir.
Sem tirar o mérito experimental e completamente destrutivo de “Blood Year”, que teve “Quartered” e “Sinaia” entre os temas executados, outras músicas dos primórdios do grupo também se fizeram ouvir. Do álbum “Guidance”, fez parte “Afrika” e “Vorel”. Não faltaram também faixas-chave, tanto de “Memorial” (com a pesadíssima “Deficit”) como de “Empros” (com uma “309” de fazer doer o pescoço). Do disco “Station”, “Harper Lewis” fez o público gritar e, para terminar a noite em chave de ouro, ouviu-se uma das músicas mais aclamadas – e talvez a mais reconhecível – “Youngblood”, que fechou o concerto com uma pujança desmedida.