Presença regular em Portugal, os Sleaford Mods regressaram ao nosso país, desta vez em nome próprio e num registo mais próximo e intimista que originou um ambiente (ainda) mais selvagem e intenso do que o habitual.
Se em 2017, quando atuaram no NOS Primavera Sound, tinham acabado de editar “English Tapas”, atualmente acrescentam simplesmente novos capítulos ao ciclo de promoção desse mesmo disco; no entanto, a julgar pela sala cheia numa noite de segunda-feira, a popularidade do carismático duo de Nottingham não é minimamente afetada pela ausência de novidades discográficas. O que interessa é sentir na pele estas malhas robustas, feitas de baixos pulsantes e batidas tão densas quanto dançáveis, interpretadas a um ritmo frenético e espelhando um inegável sentimento de urgência, não fossem os Sleaford Mods observadores minuciosos da decadência moral que assola a sociedade atual. Não o fazem de forma cuidada ou subtil, mas sim sem papas na língua como dois comentadores de pub indignados com as notícias que vêem na TV. Recusam o título de banda do povo, mas a verdade é que dão voz à classe trabalhadora, abordando de forma direta e genuína muitas das mesmas preocupações e experiências. Mesmo em palco, a postura que adotam é descontraída e descomprometida: não exibem a atitude arrogante e distante típica de tantas estrelas de rock, preferindo colocar-se ao mesmo nível da audiência e estabelecendo assim uma relação desprovida de barreiras.
O espetáculo que apresentam é, de resto, um dos mais originais e dinâmicos no panorama musical dos dias de hoje: enquanto Andrew Fearn reproduz as batidas criadas em estúdio através do portátil que tem à sua frente, dançando e bebendo cerveja à medida que a base instrumental preenche todos os cantos da sala escura do Hard Club, Jason Williamson desempenha eficazmente o papel de frontman tão inquieto como bem-humorado, ora cantando (por vezes berrando) mensagens carregadas de descontentamento social, ora fazendo piadas de cariz sexual com o nome da sala onde a sua banda se encontrava a atuar (tem “hard” no nome, afinal de contas). Ambas as facetas dessa personalidade fazem sentido no mundo do coletivo britânico, um lugar onde a seriedade e a brejeirice convivem e misturam-se. Poderá soar estranho, mas tudo nos Sleaford Mods é pouco usual, incluindo o próprio som que praticam. Irreverência punk, atmosfera hip-hop e a essência do post-punk num só universo musical, resultando em poderosas malhas de tons minimalistas, manifestações sonoras pujantes que despertam em nós reações de entusiasmo desenfreado. Olhávamos à nossa volta e víamos pessoas a dançar ou a saltar enquanto temas como “Army Nights”, “Just Like We Do”, “Drayton Manored” ou “ B.H.S.” eram debitados com uma fúria assombrosa. Pode não ter havido guitarras, mas esta noite constituiu uma das mais impressionantes e ferozes sessões de rock ao qual já assistimos.
Na primeira parte, O Gringo Sou Eu, projeto liderado por Frankão, músico brasileiro atualmente a residir no nosso país, tratou de aquecer uma plateia já muito bem composta através de uma sonoridade enérgica e animada onde convergem ritmos exóticos e hip-hop de intervenção, tudo isto acompanhado de um grande sentido de humor. Magnífico mestre de cerimónias, conquistou os presentes com uma atuação verdadeiramente empolgante que teve como ponto alto a participação das Tukbatuk, grupo feminino de jovens vimaranenses que se serviram da percussão (onde se incluiu o uso de objectos do quotidiano) para invocar o espírito do samba e, sobretudo, da criatividade em tempos de austeridade.