“Billy: What the hell is wrong with freedom? That's what it's all about.
Hanson: Oh, yeah, that's right. That's what it's all about, all right. But talkin' about it and bein' it, that's two different things.” - Easy Rider, Dennis Hopper.
Mais um ano, mais um Sonic Blast. A ressaca deste festival é real. Seja para quem é de perto ou de longe de Moledo, a luta para recuperar as energias com o peso das memórias é bastante evidente. Este é um encontro anual que ultrapassa todas as meras definições de “festival de verão”. É um reencontro de família, amigos e um destino para muitas novas amizades. A mística do Sonic Blast está não só na música e em todo o idílico panorama à volta das praias e das serras, como também nas pessoas e em todo o convívio. Apesar das previsões, ninguém aguardava um tão tempestuoso arranque de festival.
A tempestade
O primeiro dia acordou com o anúncio de que, por motivos de segurança, o palco da piscina não poderia ser utilizado, passando todo o alinhamento da tarde para o palco principal. Jesus The Snake e High Fighter estrearam o palco com o céu nublado e uma ameaça constante de chuva. Com esse mesmo clima surgiram os atrasos. Tanto Maidavale como Minami Deutsch sofreram atrasos na chegada dos respetivos voos. A decisão manteve-se em atrasar tudo para eventualmente arrancar de novo. Duas horas de espera possibilitaram um resguardo da tempestade, mas mesmo com alinhamentos encurtados e um ânimo reforçado, as bandas recuperaram uma grande porção do tempo perdido.
Os nórdicos The Devil And The Almighty Blues sentiram-se em casa com a tempestade a brindar o seu fervoroso blues rock com uma atmosfera inequivocamente reminiscente dos fiordes nórdicos. Continuando a hipnose escandinava, surgiram os Lucifer, que viram o seu occult rock inebriante brindado por um autêntico dilúvio. Com grande parte da plateia a procurar abrigar-se da intempérie, a banda nórdica acabou por ser a mais prejudicada do dia. No entanto, Johanna Sadonis, Nicke Andersson e companhia mostravam-se em palco como um autêntico relógio suíço de intensidade e profissionalismo. Um incontestável ponto alto da noite veio ainda acompanhado por tempestade: Monolord. Tão massivos como nunca, os riffs monolíticos e a cadência enlameada e sujíssima levaram todo o público a um headbang quase mecânico e constante. Um concerto que só pecou por curto.
Quem até aqui partiu para as respetivas tendas pela frustração da tempestade, perdeu o desaparecimento desta com a chegada dos Earthless. Os inigualáveis californianos brindaram o vislumbre das estrelas com os seus frenéticos, eletrizantes e hipnotizantes solos. Contaram ainda com a inesperada aparição do Senhor Nicke Andersson, que horas antes tinha estado na bateria de Lucifer. Juntos interpretaram um tema do seu mais importante projeto, The Hellacopters. Não correu lá muito bem, mas fica um momento único para história do festival. A gozar de um enorme follow por terras lusas e impedidos de tocar temas do mítico disco de estreia, os Graveyard aterraram finalmente no Sonic Blast com vontade de fazer jus ao estatuto. As incontornáveis "Hisingen Blues" e "Uncomfortably Numb" apareceram logo no arranque, embalando o concerto para uma sequência de blues que foi certamente um deleite tanto para os casais de namorados como para corações partidos.
Mesmo com um alinhamento de luxo, o dia foi negativamente marcado pelo temporal. Alheio, mas significativo. No segundo dia, os ânimos viriam a subir.
Jesus the Snake, High Fighter e Maidavale
The Devil and the Almighty Blues e Minami Deutsch
Lucifer e Monolord
Graveyard e Earthless
A luz ao fundo do túnel
Ainda sem contar com o palco da piscina (relembre-se que as já poucas condições de segurança foram ainda reduzidas pelo dilúvio do dia anterior), o Sonic seguiu caminho no principal. A dupla nacional de O Bom, O Mau e O Azevedo e Mr. Mojo iniciaram a festa. Tanto com o surf-rock à la Pulp Fiction dos primeiros, como com o stoner rock pesado e castigador dos segundos, passou a haver mais sangue na guelra deste público sedento por música. De seguida, surgiu uma outra dupla californiana. Primeiro subiram os filhos de San Diego. Petyr, com o seu heavy psych a brandar riffs pesadíssimos com uma dançabilidade dos 70s, e o retro thrash de Los Angeles dos Zig Zags, a pulsionar circle pits e crowdsurfs no já composto público. Eventualmente daria para ver uma lata de cerveja rematada pelo próprio vocalista a acertar na cabeça de alguém. Há melhor ilustração do que esta para este monstruoso testemunho da tarde? Há que saber procurar o positivo nos momentos maus. Seria tudo isto possível no palco da piscina? Talvez não.
Dando seguimento à potentíssima noite que aguardava o festival, até então com pequenas e insignificantes ameaças de chuva, chegou a banda de culto espanhola de psyche rock Viaje a 800, que atraiu uma grande porção do público vizinho ao palco principal. Mais tarde, seriam os Belzebong a puncionar Moledo num castigador exercício de peso e distorção sem palavras, com o verde a sobrevoar o público rendido a esta inigualável performance polaca. Os britânicos Orange Goblin foram a força vital que o fim de semana estava a precisar. Uma tempestade sem chuva, um arsenal de groove, headbangs e punhos no ar. Um frenesim totalmente domado pelo poder do RIFF.
Se a repescagem à última hora de Belzebong assentou que nem uma luva, da de Stoned Jesus já não se poderá dizer o mesmo. Algo a referir passa pelos temas de Pilgrims não resultarem tão bem ao vivo como outros trabalhos dos ucranianos. Dito isto, não foi por acaso que surgiu o aviso de Igor Sidorenko de que provavelmente seria a última digressão em que os interpretam em palco. Mesmo com um alinhamento mais curto que o previsto, ficaram ausentes algumas fan favorites, sendo sem surpresa a icónica "I’m the Mountain" a fazer a delícia aos fãs, tema cuja introdução contou com um breve trecho da recente "Unsainted" dos Slipknot. Havendo uma réstia de energia para assolar a receção aos canadianos Dopethrone, houve ainda loucura suficiente para brindar este retorno em forma para terminar o dia à grande e à canadiana.
O Bom, o Mau e o Azevedo; Mr. Mojo e Petyr
Zig Zags, Viaje a 800 e Kaleidobolt
Belzebong e Orange Goblin
Stoned Jesus e Dopethrone
O triunfo
No terceiro dia viu-se o festival tal como ele é. Iluminado, risonho e com um ambiente de louvar. Notou-se um esforço para marcar o retorno do palco da piscina, e mesmo faltando toda a estrutura superior deste, as colunas de som foram colocadas na relva e a promessa de um último dia em grande manteve-se no ar desde então. Tanto os espanhóis Here The Captain Speaking, The Captain Is Dead como Giöbia lançaram as primeiras ondas de calor a acompanhar os mergulhos e os banhos de sol. No entanto, foram os Maggot Heart, com a sueca Linnéa Olsson, e a dupla Cardiel que incendiaram o alinhamento da tarde.
A banda espanhola de post-rock Toundra abriu o palco principal com ênfase, entusiasmo e muita energia. Mesmo emoldurando um som já demasiado familiar e por vezes previsível, a energia destes é admirável como um espetáculo por si só. Um pouco mais tarde, o espetáculo rolou para um tridente de nomes imperdível. Em primeiro lugar, surgiu o poderio místico dos Windhand. Enquanto recebidos por uma enchente, estes foram aplaudidos entre muitas malhas do mais recente disco Eternal Return e o resto da sua discografia. De seguida, New Orleans afogou Moledo num esgoto de sludge: Eyehategod. A expressão de cansaço de Mike Williams não o impediu de espicaçar, gozar e, de vez em quando, chicotear o público do Sonic. Já bem ciente de que estes seriam os últimos cartuchos para queimar, foram hinos como “Sister Fucker”, “Bland” e “New Orleans Is The New Vietnam” que destilaram caos no seu estado puro. Para os mais distraídos, fez-se bem em deixar o nome de Eyehategod no fundo do palco, para que no final desta hora e pouco de sujidade soubessem que podridão havia afogado Moledo do Minho.
Om foi inexplicável. A palavra é cliché e sobreusada, mas legítima. Tanto Al Cisneros como Emil Amos fabricaram uma tour de force como nunca antes se tinha visto. Uma hora e meia de vibrações, ritmos e sensações. Emoldurado como um ritual, foi entre Advaitic Songs e a totalidade de God Is Good que o trio se guiou para elevar a multidão no recinto. Energia no seu estado puro. Uma hora e meia para relembrar até ao fim dos dias.
Piscina - Maggot Heart, Cardiel e Giöbia
Toundra e Sacri Monti
Windhand e Eyehategod
Om e Domkraft
Reflexo
O Sonic Blast está em crescimento inquestionável. Isso é evidente não só no upgrade do festival para três dias, como na curadoria do cartaz, na parceria com a Branca Studios e no impacto internacional que goza. Concertos como os de Eyehategod, Orange Goblin, Om, Maggot Heart, Cardiel, Monolord e tantos outros, que foram um destaque inequívoco, sublinham o potencial que Moledo tem para anfitriar este espaço ano após ano. No entanto, há que sublinhar a importância de rever as condições e as consequências de negligenciar tantos outros aspetos, que importam tanto ou mais que o cartaz em si, referentes ao conforto e segurança de quem compra os bilhetes e apoia o festival. Os sanitários não obtiveram a manutenção necessária e a queda de um pinheiro no campismo do festival podia muito bem ter transformado a festa numa tragédia. Há que deixar o triunfo de 2019, onde depois de todo o temporal se viu um festival a florescer com toda a sua vibração, inspirar e investir em coisas que podem fazer ainda mais a diferença. Para o próximo ano há mais. Sonic Blast 2020 está marcado para os dias 13, 14 e 15 de agosto. Até lá!