Haverá certamente várias razões para a sala pouco composta, incluindo o dia da semana e a diversa oferta cultural da cidade, mas não deixou de ser desolador observar tal cenário. Todavia, a verdade é que isso também originou um ambiente deliciosamente intimista no qual pudemos sentir a magia da arte de Joana Guerra. A violoncelista subiu ao palco exibindo alguma timidez, mas pouco precisa de dizer quando faz dos sons que cria uma linguagem tão bonita. Mais do que um mero instrumento, o violoncelo é, para Joana Guerra, uma maneira de exteriorizar sentimentos e comunicar ideias, desenvolvendo assim uma plataforma que lhe permite descobrir-se a si própria ao mesmo tempo que inspira quem na sua música encontra um lugar de felicidade e conforto. Quase como a banda sonora de um filme que só existe no ecrã da nossa imaginação, as composições que esculpe através do supracitado violoncelo, da voz, e do uso de loops pintam cenários tão doces quanto inquietantes – na verdade, escutar esta arrojada desconstrução do universo clássico que a artista conheceu na sua formação revela-se uma experiência absolutamente catártica. Seguindo caminhos experimentais, mas igualmente contemplativos, Joana Guerra é, sem dúvida alguma, uma das mais talentosas e apaixonantes figuras da atual cena musical portuguesa.
Seguiu-se Francisco Oliveira, que com o álbum On the Act of Reminding, proporcionou um cativante concerto de eletrónica onde atmosferas etéreas contracenaram com ocasionais momentos de maior intensidade.
Contudo, talvez o mais curioso na arte que Francisco produz a solo seja o seu carácter tão nostálgico quanto vanguardista: buscando inspiração no antigo piano da avó, inativo durante duas décadas, o jovem músico deu-lhe nova vida e usou-o como base para um projeto onde o passado e o presente formam um só espaço temporal, convidando o ouvinte a participar numa viagem pela coleção de memórias que o disco evoca. Ainda que algum do encanto da experiência resida no ato de ouvir a obra no conforto do nosso lar, testemunhou-se uma atuação altamente satisfatória (mesmo com uns quantos problemas técnicos no início) que deixou claro – como se tal esclarecimento fosse realmente necessário – que há música de qualidade a ser feita em Portugal.
A terminar o evento, que contou igualmente, durante a tarde, com um concerto de Mr. Gallini, assistiu-se a uma prestação memorável de Acid Acid. O alter ego de Tiago Castro, multi-instrumentista e locutor da Rádio SBSR, assume-se como uma corajosa e entusiasmante aventura por diversos territórios – em determinadas alturas surge uma batida tribal, mais tarde escuta-se um ritmo que nos faz pensar no legado trip hop saído de Bristol – tudo isto acompanhado de um genuíno sentimento psicadélico atingido através da intensa, mas empolgante, repetição de estruturas e ambientes específicos.
Se se fechasse os olhos e o foco estivesse apenas nos sons que emanavam do palco, imaginar-se-ia uma banda completa, a desfrutar de um saudável clima de união e partilha musical, mas naquele palco havia simplesmente um homem; um homem que soa a uma pequena orquestra, um homem que elabora uma autêntica biblioteca de sons servindo-se da guitarra, órgãos e uma série de pedais, mas somente um homem. Melódico, dançável, exótico – Acid Acid é tudo o que Tiago Castro deseje que seja. E é fantástico.

Fotografia da autoria de André Henriques, gentilmente cedida pelo Hard Club