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Vodafone Paredes de Coura 2019 [14-17Ago]

31 de Agosto, 2019 ReportagensCatarina Nascimento

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O que para alguns o festival representa de facto os momentos no recinto, para outros são dias de descanso merecido, desapego da rotina, reencontro com amigos distantes, oportunidade de relaxamento e, efetivamente, um mundo onde o relógio deixa de nos inquietar. A única preocupação passa a ser preenchida pela pequena correria de conseguir apanhar a hora daquele concerto ou evitar a fila dos chuveiros. O tempo passa a ser contabilizado pelos instantes à beira do rio da praia fluvial do Taboão, a tentar cozinhar o almoço para 3, 5 ou quem se quiser juntar àquele amigo que por acaso encontrou no festival. Entretanto, já se conheceram uma resma de pessoas, já se discutiram os concertos que mais se querem ouvir e alguém já apanhou um ligeiro escaldão pelo ápice com que tudo passa e nós a continuarmos sem saber bem que horas são. Talvez sejam por estas breves enumerações que escrever sobre este festival se torna um tanto difícil. As situações vividas neste local estão de tal forma ligadas a tantos fatores pessoais que é impossível falarmos nele e sermos totalmente objetivos.

Este ano celebraram-se 27 anos do Festival Paredes de Coura, numa vila que passa a festival e um festival que se entrelaça com a vila. Feitas as contas, são sete dias de vivência em Coura e o festival passa a ser de 10 a 17 de agosto para quem não quer perder um dia de sol e cervejas. A entrega destes dois polos faz-se sentir logo no já assíduo Festival Sobe à Vila, ou o popular Festas da Vila. A população acolhe os festivaleiros que, alegremente, enchem a rua Conselheiro Miguel Dantas, e aproveitam todos os dias já com vontade de contar no dia a seguir as peripécias por que passaram. Nesta edição, Wicked Youth, Filipe Sambado e os Acompanhantes de Luxo, Ângela Polícia, Salto e The Parkinsons foram os principais nomes a provocar as maiores enchentes ao cimo da vila e serviram como aperitivo de um cartaz absurdamente completo, preparando devidamente todos para uma edição memorável.

Apesar da contínua subida de preço dos bilhetes, é certo que parte desse investimento vê-se assim que se chega ao campismo. A cada ano que passa, o recinto de campismo reservado aos festivaleiros apresenta mais e mais condições, quer higiénicas quer de infraestrutura. O espaço para acampar foi aumentado, apesar de ainda ser difícil arranjar espaço para a toalha na relva perto do rio depois do almoço. A moda dos festivais veio para ficar, não que isso seja particularmente bom. Mas, deixando estatísticas de parte, há que tentar focar na oportunidade a que mais pessoas estão expostas a bandas com talento e qualidade musical que este cartaz proporcionou.

O termo “Couraíso” que habitava apenas nas palavras dos festivaleiros encontrou-se este ano como marketing do habitat natural da música. Mas os mesmos que o proferiam continuam a crescer com o festival, garantindo uma autêntica panóplia de gerações nesta edição. Os nomes variaram desde as mais recentes descobertas internacionais até veteranos como New Order e Patti Smith. Os chamados choques geracionais nestes momentos eram apaziguados e, no fundo, todos cantavam, literalmente, a mesma canção. Entre passes gerais esgotados e dois dias com diários igualmente esgotadíssimos, era difícil não nos deixarmos envolver pela imensidão no anfiteatro natural rodeado de árvores, que deve ser certamente uma experiência única para quem atua no palco principal e vibra com o seu público. Porém, é também um motivo de ligeira frustração e ambiente claustrofóbico – mesmo sendo ao ar livre, que de livre teve pouco.

 

Dia 14

Os portugueses Bed Legs foram os primeiros a pisar o palco principal no dia 14 de agosto e atuaram dando o devido apreço por lhes caber esse privilégio. Um concerto com entrega e energia, digno de abrir um festival, e a realização do sonho depois da atuação no palco secundário na edição de 2016. Mas, as atenções estavam voltadas para a estreia em solo nacional de Julia Jacklin. Não era surpresa, principalmente por esta ser autora de um dos álbuns de 2018, Crushing, que ali apresentou quase na íntegra. Não tão energética quanto os antecessores, entregou uma performance com músicas um pouco calmas demais para um festival mas que imortalizou o pôr-do-sol por instantes, numa altura ideal, principalmente em "Don’t know how to keep loving you". Os brasileiros psicadélicos Boogarins já são presença assídua em Portugal. Mas foram estreia em Coura, no início de noite. Já com quatro álbuns para fazerem desfilar nos seus concertos, é sempre Doce que ecoa mais alto, com a voz de Dino que soa sempre a sorriso. A projeção devidamente psicadélica ajudou à envolvência leve no som do quarteto de Goiânia.

Porém, foi com a chegada dos Parcels que o festival verdadeiramente começou. Mesmo com o conjunto de eletrónica pop de banda meio Jungle meio voz à Bee Gees, o que sobressai desta fórmula cozinhada na Austrália é que foi banhada numa dose certa de inspiração funk dos clássicos onde também se sente jazz. As músicas, que já ficam no ouvido e são recebidas melhor que em estúdio por si só, ganham uma dimensão de festa, animação e groove. A banda entregou-se ao público que merecia, depois de fazerem parte do cartaz do Super Bock Super Rock do ano passado e terem sido recebidos para uma plateia quase vazia. A popularidade que o álbum de estreia ganhou entretanto ajudou, mas é a magia nas palavras do vocalista Jules Crommelin ao apreciar o público e o local, os sorrisos e a vontade extrema de estarem ali que os fez sobressair. Deram dos melhores concertos, quer pela leveza e pertença, quer pela brincadeira de sintonização num rádio que acabou por bradar Encosta-te a Mim, de Jorge Palma, em pleno Paredes, antes da excelente Everyroad (onde a música se disfarça de jamm).

Talvez tanto movimento no concerto anterior tenha esfriado o início de um set melancólico (mas também saudoso) dos The National. Habituados ao público português, Matt Berninger, agora de Coca Cola na mão, relembrou a primeira vez naquele palco, em 2005, onde atuaram ao final da tarde. Ainda prodígios no que de melhor fazem hoje, falou de uns Arcade Fire que enchiam o festival, sendo eles naquele dia, 14 anos depois, o motivo para muitos se deslocarem ao festival. “Beautiful spot”, era o que o vocalista repetia para descrever o antifiteatro natural de Coura, e, ainda a deixar a poeira assentar, o público ia cantando os temas com que foram crescendo desde essa estreia. Os marcos continuam os mesmos ("Pink Rabbits", "Graceless", "Sea of Love" – de Troube Will Find Me -, "Mr. November", "Fake Empire", "Terrible Love", "Bloodbuzz Ohio"), mas também se encontrou refúgio nas músicas mais recentes ("The System Only Dreams In Total Darkness", "Day I Die" – de Sleep Well Beast). As imagens eram a preto e branco e o sentimento aliado ao nevoeiro percorria memórias daqueles que se tornaram hinos na adolescência (mesmo com as recentes "Rylan" e "Light Years"). Soube a ameno, mas as típicas músicas é que ainda reconfortaram. Berninger ainda recordou o encontro com Nick Cave em 2005, quando este lhe respondeu “fuck off!” a um olá. Naquela altura, talvez nem ele se apercebesse que hoje aquele público deseja cruzar-se com ele também.

A performance de Kokoko! não coube naquela abertura do palco Vodafone.FM. Eram demasiadas pessoas que queriam ficar para a explosão que eles proporcionaram. A espectativa era muita e não ficaram aquém do esperado. Os congolenses são fogo no pico de ignição, elétricos em som e em palco, e fizeram todos aclamar o seu hino-refrão de Azo Toke, do álbum de estreia Fongola, editado este ano. Kokoko foi o nome que mais se ouviu nesse dia e que ainda ecoa forte desse cantar que parece protesto. É difícil definir este projeto que se sente como vento de mudança, mas é fácil apreciá-lo em todos os seus sons expressionistas e primitivos – e todos os movimentos que os acompanham.

 

Dia 15

Hoje, se Khruangbin nos perguntassem “Como me quieres?” depois do concerto de dia 15 de agosto, todos responderiam em uníssono “Con todo el mundo” - títulos inspirados no que a baixista Laura Lee e o seu avô diziam sempre um ao outro. São também títulos da primeira faixa e do disco a que esta pertence e que marcou presença neste setlist. O trio do Texas estreou-se em Portugal na melhor golden hour do festival, e as ondas do soul, blues, R&B e psicadelismo moderno atingiram o público que estava desejoso por os receber. Os membros da banda adquirem movimentos tão smooth quanto o seu som, mas é a presença da baixista que capta a maior atenção. Foi em Khruagbin (aeronave, em tailandês), que os presentes deixaram-se levar na viagem espacial e não repararam em quem os via a dançar – nem quiseram muito saber até porque o movimento ganhou poder próprio. Em Evan Finds the Third Room, ainda brincaram em estilo chamada telefónica em palco como a letra exige. Houveram shots pelo meio e desfilaram a famosa Misirlou apropriada ao momento. Coura recebeu-os de braços abertos e olhos fechados, num momento em que todo el mundo pertenceu àquele espaço de tempo.

Seguia-se a continuação da forte detentora de álbum indie do ano, Stella Donelly, e que acabou por ser uma grande surpresa pela irreverência nesse estilo tão facilmente repetido. Foi quirky e assertiva nas letras das suas músicas que, com um conteúdo feminista, esmagam o assédio sexual e revelam-se tão audíveis como no álbum. Depois foi a vez do palco principal receber mais uma estreia – Boy Pablo encheu o recinto, vibrou a plateia e vibrou com a plateia quando se apercebeu que grande parte sabia as letras na ponta da língua. A banda norueguesa surge como uma aposta no que de melhor se faz no indie pop e este concerto foi prova disso. Pablo tem apenas 20 anos e já consegue colocar plateias inteiras na palma das suas mãos. E mesmo com os típicos acordes, solos estridentes e um som carregado de juventude e todas as dores de coração que pensamos na altura serem os piores dos nossos suplícios que isso carrega, Boy Pablo dá esperança numa nova geração de músicos que, mesmo com as suas letras cheias de melodramas, nos deixe com um sentimento solarengo por dentro. O concerto foi devidamente acompanhado com clips de GTA e uma estética vaporwave, chamando por uma juventude que pede por se identificar com algo e acaba mesmo por se entregar totalmente às músicas de Pablo e os seus capangas.

Mais tarde, eram os Car Seat Headrest que representavam mais uma vez essa mesma geração com sede de rock pronto a explodir. A banda chegou mesmo a dar aso a grandes moshes e, apesar de já estarmos habituados aos seus concertos, é sempre certo cantar em voz bem alta a "Drunk Drivers/Killer Whales", que ainda tem a mesma concentração de exaltação de um verdadeiro hino indie rock. E é nessa altura que, de repente, o entusiamo do indie rock de 2007 volta a fazer todo o sentido, no meio do pó trazido ao de cima entre saltos e da honestidade nos pensamentos cabisbaixos de adolescente.

Foi depois destas novas vozes que caracterizam uma era pós-2010’s que o maior salto foi feito. Chegava a vez da primeira grande aglomeração de todas as gerações. O maior mar de pessoas de todas as idades estava concentrado e ansioso para o concerto de New Order. Muitas foram as comparações com a versão em estúdio e muitas foram as “picuices” com as músicas de Joy Division que foram tocadas ("She’s Lost Control", "Transmission", "Atmosphere" e "Love Will Tear Us Apart"), mas caramba! Os anos passaram, foram generosos com eles e isso sente-se quando exclamam alto onde tudo começou. Mesmo assim, o concerto continuou a pertencer aos New Order de hoje que oferecem um espetáculo bem estruturado, divertido e descontraído. A sua experiência louva-se e ainda metem todos ao rubro em Blue Monday e Bizare Love Triangle. Há que ver para além da voz que Bernard Sumner nos dá e conseguir usufruir da oportunidade que é ver uma banda de referência destas em Portugal, neste festival. É também reconfortante pensar que a homenagem está lá, naquele painel com Ian Curtis e na imagem do primeiro LP do quarteto de Manchester que apareceram mesmo antes da última música do encore – "Love Will Tear Us Apart" encerrou o concerto com a maior sing-along de sempre (e a maior caça ao vídeo também), e ainda vendo a banda a abandonar o palco, o público ainda ecoou o refrão durante um momento imortalizado por quem o viveu.

A noite terminou com o concerto auge de carreira dos Capitão Fausto que, ainda com problemas técnicos e de som no início, conseguiram agradar à enorme quantidade de fãs. Era já difícil por si só tocar a seguir aos New Order e depois do grande hype gerado por estes. O set foi composto pelas músicas mais recentes dos lisboetas, mas mesmo assim ainda se ouviram os temas que os levaram ao estatuto que têm hoje – "Amanhã Tou Melhor", "Maneiras Más" e "Teresa". Um concerto um pouco monótono mas que ainda assim captou uma grande enchente de pessoas que cresceram em conjunto com os rapazes de Gazela.

 

Dia 16

Os Black Midi eram, sem dúvida alguma, o maior motivo para a plateia se deslocar para ao recinto no terceiro dia de festival pela tarde. Os londrinos conseguem captar a atenção assim que entram em palco ao som de Katy Perry, para assim que "California Girls" acabasse, um eletrizante quase novo género musical comece a percorrer os presentes – um palco secundário cheio de vontade de se mexer. Estes “putos” deixam uma promessa muito forte e uma curiosidade sobre o que mais podem fazer em futuros anos de carreira. Se agora já são mestres – principalmente aquele baterista em modo monstro destrutivo – e já são totalmente hipnóticos ao vivo e no que fazem, que mais nos reservam? O álbum de estreia Schlagenheims, editado este ano, é dos melhores exemplos de post-punk, noise e prog misturado com experimentalismo, tempos arrtimados de jazz e um exímio saber entre hold and release (aquele bilding up para a euforia total). E nada fica por provar em palco. Irreverente, explosivo e de tirar o folego.

Deerhunter brindaram todos com uma das melhores setlists que já no apresentaram: completo e cheio de verdadeiros gems da música melancólica de ambient que ainda chama a atenção de muitos – mesmo com atrasos de 15 minutos! Depois da (boa) tempestade de Black Midi, chegou a calma da banda de Bradford Cox, que iniciou o concerto com "Cover Me (slowly)" – uma agradável viagem no tempo aos momentos áureos do indie pop. Tal como esta, as melhores estiveram lá todas – "Agoraphobia", "Helicopter", "Revival", "Desire Lines" e "Sailing" – assim como as novas do Why Hasn’t Everything Already Dissapeared?, lançado no início do ano. Foi um concerto para os fãs de longa data e aqueceu os corações de uma adolescência distante, que puderam presenciar o grande estatuto que estes senhores estão a ganhar. A grandeza desta setlist era tanta que dificultava a escolha entre eles e Connan Mockasin no palco secundário.

E assim começava a tarefa das escolhas. Mas o neozelandês, que quase não se ouvia ao longe pelo grande volume a que os Deerhunter tocavam, já oferecia "Charlotte’s Thong" ao público português, o que tornou a escolha mais fácil. O ideal seria ir o mais para à frente do palco possível, já que era mesmo impossível ouvir bem o estilo peculiar de Connan Tant Hosford, que a meio do set tocava guitarra com uma garrafa de vinho (e a orgulhar-nos!), mas os esforços compensaram. Ainda tocou "Forever Dolphin Love" com um toque de "I Will Always Love You" e terminou a célebre "I Am The Man That Will Find You" e entrelaçou-a com a "Dilemma", de Nelly e Kelly Rowland, exemplificando como é possível criar um laço mais que intimo com o público.

A noite escalava para o esperado concerto de Spiritualized, totais mestres da sua arte, detentores de uma verdade absoluta: as lendas estão mais que vivas e precisamos de as admirar enquanto este tipo de espetáculo nos é alcançável. Da separação dos Spacemen 3, Spiritualized surgiram compostos por um coro de três vozes gospel e seis membros de orquestra e foram notáveis do início ao fim. A competência não tem foco principal – como o frontman Jason Pierce faz questão de sublinhar ao sentar-se ao piano no lado esquerdo do palco – e é avassaladora como um todo. Perante a plateia esteve um dos álbuns do ano passado, And Nothing Hurt, quase na sua totalidade, mostrando o drone-rock que gira em torno do desespero, das lágrimas e da beleza que isso tudo emana. Muita dessa aura foi sentida no palco principal, ajudada com os títulos das músicas encriptados em código morse na tela. Os momentos chave surgiram em "I’m Your Man", com um jogo técnico de som, luzes e performance a roçar o perfeito, e "Damaged", onde se sentiu o crescendo da intensidade da própria música. O coro intensificou o good feeling da última, "Oh! Happy Days", versão que terminava um concerto que percorreu a força da dor à exaltação da alegria, numa volta aos sentimentos profundos que se expressam em harmonia.

Father John Misty já mostrou muito o quão encanta o público português. Ora são músicas num classic rock folk que ficam facilmente no ouvido e falam de uma pessoa inquieta com a religião, com o amor e principalmente consigo mesma; ou a persona caricata e com um ego explosivo q.b. que Josh Tillman personifica em palco. É verdade que a “explosão” já só se fica pelas palavras: Mr. Tillman já está mais calmo, mais concentrado e mais importado com a força das suas letras que ainda nos parecem importantes para o ouvirmos. O seu pensamento ganha à energia e isso é o mais importante para o americano. O último álbum, God’s Favourite Costumer, mostra maturidade e assertividade, e por isso mesmo a performance foca-se cada vez mais na orquestra e no espetáculo e menos na egocentricidade e presença à la Elvis de outros tempos. É uma versão dele mesmo que está com os pés mais assentes na terra e menos com o nariz empinado para tudo e todos. E por isso mesmo as músicas de antes, entre elas "Holy Shit" e "Chateau Lobby #4 (in C for Two Virgins)", se sintam mais introspetivas e com mais carácter crítico que antes (essa força que fazia tanta falta numa por tocar "Bored in the USA" – que foi o pico da atuação de 2015). Só as últimas "I Love You, Honeybear" e "Date Night" é que virão emergir o monstro de palco energético de novo, mas talvez também seja melhor assim.

 

Dia 17

O último dia de Paredes de Coura começou com a frustração dos problemas de som de Alice Phoebe Lou, que mesmo com uma dor de garganta, lutava para se apresentar em Portugal pela primeira vez. A frenética alegria quando a sua voz se fez ouvir foi notória e celebrada, já que, mesmo meia doente, a cantautora sul-africana é uma força da natureza. Existe algo muito certeiro nas suas palavras e harmonias que toca o limite entre o choro e o riso. E é nesse agridoce que queremos ficar. A primeira e a última música, Something Holy e She, são duas faces opostas de uma realidade: tanto em balada como em músicas mais catchy, a voz de Lou guia-nos como se de uma tempestade se tratasse. A sua voz chega a tantas notas provocadoras de calafrios que só esperamos que a sua presença nos volte a abençoar.

O palco principal recebeu depois Mitski, um tanto quanto… diferente. No longínquo NOS Primavera Sound de 2017 (que só parece longínquo face às mudanças no tipo de espetáculo que Mitski Miyawaki mostra), a americana surgia como uma imprevisível, mas forte força em palco. Havia entrega, expressão e determinação em fazer sentir as suas (incríveis) letras, assim como ela própria era performer musical em palco. Hoje é performer teatral, mas com uma estética de trabalho em género fitness VHS Jane Fonda sem legwarmers e sem sorrisos em cima de mesas e cadeiras. Felizmente, a setlist percorreu todos os três álbuns e todas as grandes músicas que a colocaram no radar indie rock: Nobody, Your Best American Girl, Francis Forever, I Don’t Smoke, First Love/Late Spring, Geyser e Dan the Dancer, mesmo que essas tenham sido cantadas em danças robotizadas numa espécie de publicidade a móveis.

Há 50 anos, realizava-se o mítico festival Woodstock e dele fazia parte a performance de uma Patti Smith de 22 anos. Agora com mais de 70, a sua juventude agarra-se a uma ligação com os colegas de geração, uns que o tempo já levou, em forma de covers – de Jimi Hendrix a Neil Young, de Rolling Stones a Lou Reed. Não querendo menosprezar esse feito, visto que todas as músicas sentiam-se como homenagem, saudade e vontade de lutar pela liberdade pela qual ainda é preciso gritar com garra. Esse sentimento expressou-se totalmente na cover de Midnight Oil, Beds are Burning, que acentuou tão bem com o estado de espírito de Smith. E ela que faz isso com esperança nos olhos (que choraram por nós e connosco quando o público não se cansava de repetir o seu nome entre as canções After the Gold Rush, de Neil Young, e Pissing in a River, da própria) e deixa-nos com a sensação que importamos – não somos mais uma plateia e realmente people are the power – que abriu a setlist! Até o mais pessimista conseguia acreditar nas palavras da voz de uma geração e da mulher que viveu o punk. Because the night foi a banda sonora da união de gerações e Gloria fechou a set. Smith expressa muito da sabedoria que se ganha com a experiência, agarrando-se a tudo o que de bom há para viver. Talvez seja assim que todos deveríamos encarar a vida, imortalizando este concerto e o espírito livre de Patti Smith.

Por obra do destino traiçoeiro (a.k.a. horários coincidente), era na pausa entre canções mais calmas de Smith que Kamaal Williams inundava o palco VodafoneFM. com o jazz oriundo do sul de Londres. É o projeto do teclista do antigo duo Yussef Kamaal (grupo onde ganhou destaque) que celebra a convergência do jazz-funk com a eletrónica moderna, andando de mão dada com a dinâmica que lembra uma mistura entre os contemporâneos Kamasi Washington e Thundercat. Ao lado de Kamaal brilha também a banda que o acompanha, sem hierarquias em talento. Todos são um raio da supernova quando estão em palco, ao apresentarem The Return, editado em 2018, e deixam-nos vislumbrar uma parte do caleidoscópio que é o jazz que se anda a fazer no Reino Unido. Foi uma pena existirem concertos sobrepostos e demasiado próximos de Kamaal, que está no auge do seu ofício e exige uma plateia que desconstrua a música com ele e a personifique ao recebê-la.

O festival terminou com um concerto intenso de Suede. Mesmo que a grande maioria não tivesse super interessada (e em contrapartida os super fãs o estivessem nas primeiras filas), a energia emocional do frontman Brett Anderson compensou ambas as partes. Claro está que estes são um marco forte no rock alternativo e glam rock britânico, mas chamaram a atenção principalmente pela qualidade de performance que acabou por surpreender. Com uma setlist um tanto longe do ouvido da audiência, a audiência estava mais cabisbaixa e quieta que o habitual, mas ficava. Ficava sobretudo porque em palco estava uma força irrequieta que suava até mais não e não se cansava de querer enlaçar o público na sua energia. Um vocalista pronto a estar entre o público, a falar diretamente para a câmara e a atirar-se no chão tal era a vontade de ganhar o público português. A maioria apenas reconheceu "Beautiful Ones" e a versão de encore de S"he’s in Fashion", mas foi sem dúvida um grande concerto onde o show arrebatou expectativas.

Já se espera um belo cartaz em 2020, depois da panóplia de variações em género e estilo de concerto que tivemos este ano. Com um dos melhores cartazes de sempre, a edição de 2019 foi mais intensa nos seus primeiros dias, mas mesmo assim conseguiu ser uma edição memorável. Até para o ano.
por
em Reportagens


Vodafone Paredes de Coura 2019 [14-17Ago]
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