A cortina de fumo inicia-se. Densa e fantasmagórica, no abismo consegue-se percecionar o som triunfal que dá início ao concerto de Yves Tumor, bem como a faixa que inicia o seu álbum Safe in the Hands of Love, editado pela Warp – “Faith in Nothing Except in Salvation” denota desde o princípio o registo que irá ser aprofundado. O destaque recai na presença de apenas Sean Bowie, sozinho enquanto artista e performer, bem como do setup em que o próprio demarca o ritmo do concerto. Servindo-se apenas da mesa para lançar os seus hinos, socorrendo-se da sua voz e entrega para os interpretar. Entrega esta que foi sempre proporcional à dissipação do nevoeiro, sempre sem pausas. No início havia apenas um vislumbre, que foi cedendo cada vez mais à imagem de um pop performer desprovido de barreiras – de botas brilhantes de saltos altos, luvas, óculos de sol e demais parafernália – estabelecendo a sua iconografia de fruto distorcido na experimentação sonora.
O público demonstrou-se bastante recetivo aos hinos emocionais de Yves Tumor. “Noid” foi um dos momentos acutilantes da noite, onde a persona performativa de Sean, esbatida em várias influências, se entrega ao canto em uníssono com a audiência; para culminar, proferindo um por todos “fuck the police”. Nesta sua “nova” faceta recai o patamar a que chegou enquanto artista. Se em lançamentos anteriores se verificava a multiplicidade de elementos que o formam, com este concerto e com o trabalho apresentado ganha-se certeza da edificação de uma nova espécie de popstar performativa para revolucionar, emocionar e relembrar a humanidade, distinta que ajuda a relembrar o carácter mutável inerente à alma humana, vulnerável e de entrega pessoal. O espaço da Galeria Zé dos Bois seria o ideal para trabalhar temas antigos de texturas mais noise e exploratórias, mas o público ficou ternamente agradecido pela estrutura da canção permear esta noite tão especial. Quanto ao futuro, a certeza de que será sempre a crescer, a esbater fronteiras sonoras e a conspurcar géneses sónicas. Aguarda-se com ânsia o próximo vislumbre.
