Anderson .Paak entrou nos ouvidos de muitos através do single “Bubblin”, atualmente com cerca de 17 milhões de visualizações no YouTube e que rendeu ao artista um Grammy para Melhor Performance de Rap. “Bubblin” é um hino autobiográfico ao sucesso seguramente envolvente, ainda que não sublinhe inteiramente a singularidade de Paak. Aqueles que o descobriram com “Come Down”, sobretudo se através da atuação com The Free Nationals no Tiny Desk Concert, puderam perceber de imediato aquilo de que ele é capaz. Uma voz melosa e clássica, energética e nervosa vinda de um lunático sorridente.
Ele anda por cá há um bom bocado, primeiro enquanto Breezy Lovejoy e agora enquanto o bem-sucedido Anderson .Paak. Breezy Lovejoy foi um rascunho necessário e promissor. Partindo daqui, e seguindo cronologicamente o seu restante trabalho, o inconsistente processo de refinamento da sua musicalidade é óbvio - e assim o costuma ser para o verdadeiro músico. Malibu é um álbum maduro, sobretudo quando paralelizado com Venice. O profusamente criticado Oxnard pecou, sobretudo, pela inconsistência, como se se tratasse de um projeto em grupo a propósito de uma reunião de team building, no qual Anderson .Paak parece moldar-se perante o artista com o qual estaria a trabalhar em determinada canção. Com Ventura, Paak parece ser dono da última palavra apesar do número de features – André 3000, Smokey Robinson, Lalah Hathaway, Jazmine Sullivan, Sonyae Elise, Brandy e Nate Dogg – e pressionou com força a sua impressão digital em todas as faixas. Traz-nos assim uma sonoridade polida, fixa e desafogadamente familiar.
Ventura está inchado com arranjos harmónicos, onde sistematicamente a percussão, o baixo encorpado e o piano compõem toda a coluna vertebral, revertendo para uma sonoridade terna. Muitos dos instrumentos utilizados eram de difícil previsão, sendo esse o caso da gratificantemente homogeneizada cítara em "What Can We Do" ou o apito inesperado em "King James", que sublinha intenção de encorajamento moral expressa, sem que esteja em desarticulação com o resto da música. De acordo com a ideia de "inesperado", podemos mencionar também o ocasional detalhe de uma voz auto-tune, um acrescento desnecessário e até inconveniente. Posto isto, esta tendência experimental consiste precisamente na especialidade por excelência da composição de Anderson .Paak, resultando numa obra que quase aparenta ter sido feita numa jam session muito bem-sucedida.
O álbum apresenta-se com "Come Home", uma introdução hipnotizante para as seguintes onze faixas de uma emotiva sessão de histórias, dando início a uma sequência de músicas interligadas mediante o tópico de uma relação amorosa em decrepitação. Como, de resto, lhe é característico, conta com uma junção de letra e melodia marcadamente ambivalente. "Reachin 2 Much" constitui o exemplo ideal, onde um instrumental quase romântico e comemorativo produz um ténue contraste com a mensagem de desespero e frustração das letras, induzindo o ouvinte num estado de apatia simultâneo a acenos rítmicos com a cabeça.
Mais subtil nos preenchimentos e mais fiel à origem do R&B, a voz de Anderson .Paak suporta toda a melodia em "Make It Better", fazendo-o intensamente e com uma sensibilidade que nos cerra os punhos e enruga a cara. "King James", uma música mais politicamente tingida, recupera a sonoridade Motown em hibernação, que acorda auspiciosamente. "Yada Yada" é uma das músicas mais fortes do álbum, inteiramente merecedora de uma gritante “aleluia”. O piano de jazz impecável e as referências crunchy surgem no meio de todo um groove desenvolto e fluído, que começa e acaba com aquilo que ressoa a algo vindo de uma banda sonora de um videojogo retro. "Chosen One" é um momento baixo. A sua maior parte assemelha-se demasiado a uma música de verão que não conseguimos deixar de pensar ter ouvido antes e mais do que uma vez, até ser fundamentalmente salva pelos entusiásticos piano e violino, vocais de rap pulsantes seguidas e por uma suficientemente aliciante passagem de coro gospel. Entretanto, o maior defeito de "Good Heels" é a sua curta duração – pouco mais de um minuto e meio –, o que força vários e insatisfatórios repeats. Uma música que beneficia da impactante contribuição de Jazmine Sulivan e um refrão envolvente.
Ventura destaca-se enquanto um álbum íntimo; assim o sugere também a capa do álbum, onde podemos ver Paak deitado ao lado do filho. Na possibilidade de existirem quaisquer reticências, este álbum é uma prova adicional de que Anderson .Paak é um compositor respeitável, um autoproclamado perfecionista, cujos atributos atraíram o interesse de artistas no topo da hierarquia do meio. Ele tem vindo a construir algo de híbrido, ao pregar caprichosamente o funk com a sonoridade house, com camadas de jazz, com cantos gospel, com vocais R&B e rap permutadas através de passagens criteriosas, num sincero esforço para forjar um som preenchido, insólito e metodicamente orquestrado.