Bastou aos nativos de Nova Iorque Artificial Brain o lançamento do disco de estreia Labyrinth Constellation para que estes se tornassem referência imediata para quem procurasse não só o melhor que a grande maçã tem para oferecer, como também para designar uma das mais interessantes propostas a surgir desta nova vaga de death metal experimental. Para os mais desapegados, o ponto forte da banda passa por fundir dissonâncias extraterrestres em grandes distensões de black metal numa proficiência de death. Com a chegada do seu segundo contributo, Infrared Horizon, a moldura sonora da banda expandiu-se para o uso/abuso de melodias, sintetizadores e progressões capazes de abrir caminhos astrais. A tonalidade e procissão que por si só já era distópica e interplanetária permanece, mas de forma ainda mais expressiva, sendo esse, sem sombra de dúvida, o ponto forte do grupo.
Infelizmente para os nova-iorquinos, o ritmo de concertos tem sido inconstante. São poucas as digressões, algumas as mudanças de alinhamento e muitos os projetos paralelos. Com isto, o grupo dificilmente se deixa expandir além do seu estado e continente – não sendo isso motivo para desvalorizar o trabalho que têm vindo a desenvolver até aqui. Mesmo que a sensação de pouco ou nenhum reconhecimento seja predominante, há que deixar a música falar por si. Cinco anos depois do seu último disco, os Artificial Brain anunciam a chegada do seu novo auto-intitulado contributo – uma reafirmação visionária que serve para fechar um ciclo: a despedida do vocalista Big Will, e também o fecho da trilogia estelar. Tendo em conta o tempo de espera e a antecipação com os breves teases ao vivo e em estúdio, é seguro dizer que a demora valeu a pena.
As guitarras são, sem dúvida nenhuma, a força gravítica central que revolve as marés nas duas primeiras faixas “Artificial Brain” e “Glitch Cannon”. Não fosse a secção de drone/noise que separa uma da outra, bem que podiam ser sangue do mesmo corpo. Mesmo com cada uma no seu compasso, ambas destoam a primeira escalada de caos ainda por filtrar. Ressoam-se variações de melodia e cor a infiltrar despercebidamente a moldura da bateria e baixo, enquanto o gutural de Big Will contrasta e contrabalança na maior das suas deformidades antinaturais as atmosferas em colapso. No que toca à espinha dorsal de black metal, “Tome of The Exiled Engineer” é a faixa que melhor emprega a sonoridade familiar de Nova Iorque. Quase perfeitamente confundível com Liturgy ou Krallice, com as guitarras em tremolo e a bateria sincopada, a maré de cor e textura acaba por contrastar em força com o baixo saliente que mais à frente eleva o slam a recair como planetas a colidir. Por falar em baixo, há que salientar o output absurdo que o baixista Samuel Smith tem tido, contando até agora com uma tour-de-force na guitarra com The Ailing Facade dos Aeviterne e a impecável entrega no baixo com Luminous Vault em Animate The Emptiness.
As duas mais extensas presenças na tracklist, “Cryogenic Dreamworld” e o fecho “Last Words of the Wobbling Sun” são autênticas proezas de composição e montagem. Tão complexas como a estrutura de uma estrela e tão violentamente imponentes como o espaço para o corpo humano, nenhuma das duas recua na sua expansão e presença. O mesmo pode e deve ser dito, salientado e ainda reforçado quanto ao opus do disco “Celestial Cyst”, uma faixa que começa com um tilintar de cordas encharcadas em resina, e que permanece num midtempo de pedal duplo e de camadas de guitarras dispostas como uma constelação nebulosa. É aqui que a banda atinge a sua gravidade zero, com um refrão a levitar de forma intoxicante e extremamente memorável, momento somente rivalizado pela genial intervenção do mítico Mike Browning de Nocturnus AD – com direito a uma tarola tão apertada que mais parece uma panela de cozinha. Êxtase!
Esta é uma banda que já não precisa de provar nada, nadinha. Se nenhum dos discos anteriores vos convenceu do talento, visão e génio do grupo, sobram algumas dúvidas de que este possa ser o vosso ponto de entrada aos astros, mas a verdade é que a trilogia está agora finalmente fechada. E talvez seja essa a vossa derradeira missão: viver a saga de início ao fim, sem interrupções, como uma odisseia no espaço, de uma ponta da galáxia até ao fim do universo.