Bell Witch. Por onde começar? Com um catálogo que só tem vindo a crescer não só em volume como no âmbito sonoro, a pequena e compacta família que compõe a banda teve de superar e lidar com a trágica morte de Adrian Guerra em 2016. Um luto que surpreendeu e debilitou, de certa forma, toda a família e projeto, mas cuja homenagem e tributo deram ao mundo um dos mais sentidos e despretensiosos contributos da música pesada. Refiro-me, pois, ao enormíssimo e mítico Mirror Reaper. Composto por uma só faixa, dividida em duas partes – “As Above” e “So Below” –, esteve sob composição desde o término da campanha ao antecessor da banda, Four Phantoms, mesmo após a saída de Adrian. Por mais estranho e bizarro que o contexto post-mortem possa ter, este consegue realmente pontuar um digno e tremendo tributo à memória de Adrian. Para não falar no aspeto musical, que apesar de não ser de todo o mais crucial nesta história, é completamente válido. Quer queiramos quer não, Mirror Reaper tornou-se num clássico imediato no mundo do doom (haverá mesmo alguém que o contradiga?).
Tendo-o testemunhado em palco por duas vezes, primeiro no Centro Cultural do Cartaxo em março de 2018 e um mês depois no Koepelhal do Roadburn, e tendo em conta a reação e as multidões nos respetivos concertos, é inegável sublinhar a marca que o disco deixa na atenção de cada ouvinte. Quer seja os pedais, o paredão de som em expansão, a complexa construção de cordas por parte de Dylan, ou o autêntico trabalho de polvo por parte de Jesse, a dupla soa como uma verdadeira orquestra. O curioso: a banda tão rapidamente te embala num torpor paisagístico, como te engole como se fosse um buraco negro. De qualquer das formas, já passaram três anos desde esse último disco e a dupla está de volta ao cuidado de uma nova colaboração ao lado de um amigo próximo e colaborador frequente da banda – Aerial Ruin, também conhecido como Erik Moggridge.
Este é o primeiro volume de Stygian Bough, um novo capítulo na história da banda. Este também é o quarto lançamento oficial do grupo com a sempre incrível Profound Lore Records, e destaca – como já nos temos habituado – um som que continua a evoluir e progredir em plena insistência de texturas, atmosfera e beleza sobrenatural em grande plano. Mesmo que a super-familiar voz de Erik seja facilmente associada a passadas contribuições com Bell Witch, aqui Aerial Ruin ganha toda uma plenitude em storytelling e cadência com o seu indomável e inconsolável timbre. O disco arranca com “The Bastard Wind”, cuja introdução pinta com inquietante paciência um build-up digno da antecipação que cria. Um pêndulo que perdura através de uma melodia absurdamente contagiante e que mais à frente se eleva pelas cordas de Dylan. A tensão não é extravagante mas ecoa com eficiência esmagadora pela dimensão a que transporta o ouvinte. O capítulo The Passage de “Heaven Torn Low” desenvolve uma das mais bonitas pinturas do disco e The Toll complementa-o como uma tempestade de alvorada.
“The Unbodied Air” conclui numa extensão de 20 minutos que envolve na perfeição toda a característica cadência da banda com o choroso chamamento de Erik. Complementada ainda com os cavernosos e tombantes guturais de Jesse, bem como a vibrante e tumultuosa composição de baixo por parte de Dylan, o som emoldura um enormíssimo planeta a girar com cada inevitável pulsação. Apesar de, por vezes, se fazer sentir cruel e mordaz, salientando uma veia reconhecivelmente barroca impossível de desligar da crueldade das Dark Ages, o disco é, acima de tudo, absolutamente honesto. Este primeiro volume de Stygian Bough detalha uma paisagem arrebatadora. Para realmente a apreciarem, em todo o seu esplendor, faz-se necessário absorvê-la sem qualquer interrupções – de início ao fim. Tanto na sua composição como execução, o disco demonstra-se monumental, e promete permanecer tão inesquecível como o seu primeiríssimo acorde.