Não serão poucos os casos já verificados em que determinada banda altera drasticamente a sua ética e compostura criativa e artística como recurso para consequente evolução da sua obra. Mas no caso de Infinite Granite, quinto e mais recente álbum de estúdio dos Deafheaven, não se observa tanto uma evolução natural da infraestrutura sonora que se veio a desenvolver durante a última década, mas mais uma transformação da entidade no seu todo. O surgimento de “Black Brick”, em 2019, como primeiro single após o lançamento do controverso Ordinary Corrupt Human Love, disco que suscitou discussões aquecidas entre fãs sobre a aparente nova direção do quinteto estadunidense, sugeria que o próximo contributo dos impulsionadores do blackgaze moderno seria orientado para um som com fundações bem assentes na pungência crua associada ao black metal. No entanto, a ligeira premonição daquilo que poderia vir a ser o álbum mais denso e assertivo do grupo serviu apenas para desviar atenções do que realmente aí vinha.
E o que veio à tona com Infinite Granite foi o apreço completo dos Deafheaven por shoegaze, que se antes já se evidenciava na discografia, torna-se agora flagrantemente óbvio. Predominantemente destituído das referências black metal, salvo em alguns momentos fugidios e efémeros, segue-se uma semântica mais acariciada por tonalidades iridescentes que, por meio da sua pacificidade e perspicuidade, se desenrolam numa progressão de momentos cuidadosamente organizados de modo a contrastar intensidades e deleites concomitantemente. Tal é evidenciado mal se começam a fazer ouvir as duas primeiras faixas, “Shellstar” e “In Blur”, onde inegavelmente se fazem soar as influências de grupos como Slowdive ou Ride no novo som da banda.
Encontrou-se uma nova cadência também, cadência esta que se fez ouvir não só nas instrumentações estivais das guitarras de Kerry McCoy e Shiv Mehra, nas saudações calorosas do baixo de Chris Johnson, ou nos arranjos obcecadamente polidos e límpidos da percussão de Daniel Tracy, mas também na recém-chegada e, por enquanto, tímida voz de George Clarke. Talvez seja precisamente nesta última que se reflete o elemento mais intrusivo e inesperado do álbum, dado o ineditismo de se ouvir Clarke a cantar, especialmente em timbres tão simpáticos e por tão longas durações. Se há algo que surge em contrapartida a esta transformação, é que se perderam pelo caminho as vocalizações infernais e estridentes de Clarke, de carácter indiscutivelmente mais único e das quais podemos ouvir apenas curtíssimas instâncias em faixas como “Great Mass of Color”, a que já nos havíamos habituado. Ainda assim, a insólita voz que aqui se testemunha serve bem o propósito a que é submetida perante os seus coadjuvantes instrumentais.
Menção especial para a última faixa, “Mombasa”, uma autêntica carta de amor a quem já há longos anos tem apreciado o trabalho do grupo, uma amostra fragmentada do que Deafheaven já foi em águas passadas, mas, acima de tudo, uma revelação do que ainda poderá vir a ser. Cessa-se esta experiência numa nota nostálgica que, mesmo para quem se demonstre desagradado com a nova identidade, promete pelo menos alguns momentos de saudade e boas memórias.