Os Deafkids, com quem se teve uma extensa conversa no último SWR Barroselas Metalfest, têm sido um fenómeno a nível de reconhecimento internacional. Algo que espanta não só pela distante localização geográfica (São Paulo, Brasil), bem como pela novidade e dimensão do projeto em termos de catálogo. Com Configuração do Lamento e Metaprogramação, bem como vários EPs, splits e remixes a compor o CV, a banda tem-se dedicado a criar uma autêntica tempestade de d-beat, música urbana, industrial e psicadélico. Com um timbre espectral a elevar o protesto humanitário acima da maquinaria política, urge destacar o projeto de forma imperdível e muito necessária! A dupla Petbrick, que marcou presença num dos poucos concertos que se reportaram este ano, é composta pelo producer vertiginoso Wayne Adams (Big Lad, Death Pedals) e Iggor “Unfuckwithable” Cavalera (ex-Sepultura, Cavalera Conspiracy, Soulwax), que dispensa toda e qualquer apresentação.
Com a união a fazer a força, meses antes do último Roadburn, foi anunciada a estreia absoluta de um projeto colaborativo entre os Deafkids e os Petbrick. O agora defunto Het Patronaat - belíssima venue, diga-se - foi o epicentro da arrebatadora e desgovernada impulsão sonora, que serviu de matéria bruta para emoldurar, um ano depois, DEAFBRICK! Com lançamento em parceria entre a britânica Rocket Recordings (do lado dos Petbrick) e a americana Neurot, editora de Neurosis (do lado dos Deafkids), 2020 trouxe consigo um disco altamente experimental. Se já é um autêntico clusterfuck tentar definir ou encaixar os dois projetos numa só etiqueta musical, juntos então torna-se impossível. Dito isto, a música que preenche DEAFBRICK é incompatível com qualquer ideia pré-concebida. O disco vive como se de uma mutação se tratasse. No seu cerne, confrontam-se bases fulcrais do punk, do noise psicadélico e do industrial, com todo o desenho genético a variar, transformar e adaptar-se em função da pura e crua deformidade estrutural.
A iniciar e terminar os 39 minutos mais transformativos desta dimensão consciente, estão os flancos “Primeval I” e “Primeval II” a assegurar que a saída e reentrada na realidade é feita da forma mais cuidadosa e contemplativa. Uma transição que se mostra basilar logo à entrada da rebuscada “Força Brutal”, com o ouvinte a ser imediatamente engolido num imenso tumulto de ruído, d-beat, distorção e gritos ecoados em vigor impetuoso. Não bastando esta como exemplo, temos também a “Sweat-Drenched Wreck” e “Free Speech For The Dumb” como perfeitos modelos da mutação do punk num aglomerado de power chords a fundir com uma fortíssima presença de ruído mecânico. Imagine-se que Alpinist ou His Hero Is Gone estavam num futuro remoto a querer comunicar ao mundo presente o quão fudidos estamos com este ano de merda. O espectro de proliferação improvisada vive-se com boa matéria prima, onde faixas como “The Menace Of The Dark Polar Night” ou “O Antropoceno” questionam, refletem e brindam o ouvinte com momentos para recuperar o fôlego, sem perder de rasto a absurda dimensão a que a música nos transporta.
Destaque total à transformação microcósmica em forma de trituração cerebral, a “Máquina Obssessivo-Compulsiva” é absolutamente esmagadora. Bass no máximo a suster a surdez mental e uma total iluminação resplandecente na batida mecânica que domina a faixa de ínicio ao fim. A “Mega-ritual” não fica atrás, com uma rendição à repressão e zero piedade! A intervenção do Iggor é inconfundível, e se há momentos no disco que elevam a colaboração além da vertigem, são estes. Que estrondo de álbum! É raro encontrar colaborações, especialmente fora de géneros mais concretos e seguros, que resultem de forma tão eficaz e capacitada. Quando a experimentação, exploração e navegação são tão amplos e revigorados, existe sempre um risco de deixar a narrativa cair no espaço da incoerência. No entanto, se há algo que DEAFBRICK conseguiu e bem, foi consistência de primeiro grau. Para quem gosta de metamorfoses sónicas, paredes de ruído e caos total, façam o favor de averiguar um dos discos mais essenciais do ano.